quinta-feira, 1 de maio de 2014

A MELHOR IDADE

O Zé Mundão virou vovô, a sua filha do meio fez uma  “carreira solo”, ficou prenhe e teve uma filha do boto (mãe sem marido), mas, ser pai da mãe, ou seja, pai duas vezes foi uma coisa maravilhosa que aconteceu com ele.

Ele não leva nenhum jeito dos avôs de antigamente, pois pertence aquele grupo de senhores de meia idade que pintam os cabelos, fazem manicure e pedicuro, tomam a famosa “azulzinha” para ajudar na “hora agá”, fazem academias e caminhadas, utilizam as parafernálias eletrônicas de ponta e usam as mídias sociais e se vestem igualzinho aos filhos mais novos.

Muitos casam ou se amancebam novamente, geralmente, procuram mulheres mais novas e, pasmem, ainda fazem filhos!

O Zé Mundão foi passear na praça com a família e encontra um velho amigo e inicia o bate-papo:

 - E ai Bepi, essa é a tua filha?

- Não, ela é a minha mulher!

- Desculpe, então, esse curumim ai é teu filho?

- Não, ele é o meu netinho mais novo!

- E essa guriazinha, é também tua netinha?

- Não, ela é minha filha mais nova!

- E você, Zé Mundão?

- Tudo na normalidade, essa aqui é a minha filha e a netinha, estou solteiro novamente, tô na área do gol, se aparecer uma gatinha de bobeira, é pênalti!

- Beleza, Zé Mundão! Qual é a sensação para você ser avô?

- Estou adorando, gosto de pegar pelas mãos da minha netinha, passear nas praças e shoppings, brincar nas praias, jogar bola e pedalar bicicleta – voltei a ser menino também!

O tempo passa, o tempo voa, as pessoas passam e, envelhecem - o nosso Zé Mundão também entrou nessa fase, porém continuava na ativa, trabalhando por conta própria, pois estava fora do mercado de trabalho em decorrência da sua idade, no entanto, não pensava nem um pouco em se aposentar - apesar de todas as peripécias que fez na vida maluca que levou desde a sua tenra idade, sempre foi uma pessoa que deu muito duro para colaborar no sustento da sua família, incluindo os netos.

Apesar de gostar imensamente do trabalho, ele sabe que daqui mais uns anos as forças cessarão e, terá que parar de qualquer maneira com a labuta – para tanto, começou a fazer visitas ao Asilo Dr. Thomas, para conhecer a futura moradia, pois apesar de possuir família, tem o desejo de morar um dia junto com os outros velhinhos, assim como vez um dia o seu pai.

Num sábado quente de Manaus, foi até o Bar do Armando, no Largo de São Sebastião, para tomar uma gelada e saborear um sanduíche de pernil, fez amizade com uma senhora, a cantora Sasá, moradora do Asilo, ela estava acompanhado do poeta e escritor Áureo, conhecido como Bucheiro, também morador do mesmo abrigo - estavam divulgando o CD da artista – fizeram um belo show no boteco, com direito a muito “Aluá” (bebida fermentada da casca do abacaxi) e pupunhas à vontade.

Duas vezes ao mês, sempre as sábados, o Zé Mundão visitava os dois no abrigo de velhinhos – eles sempre estavam juntos, eram tipo “unha e carne” - passavam à tarde falando sobre suas vidas, pois eram bastante descontraídos e falantes e, lembravam com detalhes sobre o passado.

O Zé Mundão gostou tanto da história dos dois que, resolveu escrever e torná-la público nas redes sociais.

A Sasá foi batizada Maria Salete, nasceu no Rio Grande do Norte, na cidade de Cruzeta, setentona, com quase vinte anos morando na Fundação Doutor Thomas, possui deficiência visual, mesmo assim, destaca-se como uma excelente compositora e cantora, além de possuir um invejável alto astral.

Foi casada duas vezes, sendo mãe de seis filhos; veio para Manaus aos 35 anos idade, perdeu a visão aos 51 anos de idade e, entrou no Asilo com apenas 57 anos.

Depois que perdeu o sentido da vista, o seu dom musical veio aflorar, compôs inúmeras músicas, sendo as mais conhecidas: “Telefone” (foi gentilmente doada ao cantor pop-brega Nunes Bregão) e "Seringueiro" (fala da época áurea da borracha e dos trabalhos dos seringueiros).

Gravou dois CD`s, o primeiro foi “A Luz dos Meus Olhos”, com dez faixas de sua própria autoria; o segundo, foi dedicado às criancinhas de Manaus, chama-se “Canções Infantis da Vovó Sasá”, com destaque para “Coelhinho”, “Parabéns” e “Pinóquio”.

Além desse dom musical, ela esbanja alegria, felicidade e alto astral, sendo eleitas várias vezes a rainha do carnaval da Fundação Doutor Thomas, além de ser sempre lembrada e homenageada no “Dia Internacional da Mulher”.

Encontrou o seu segundo amor na própria instituição onde mora, o seu casamento foi realizado na Fundação, com direito a um belo vestido branco de noiva e tudo o mais, o evento foi filmado e passado numa televisão de Manaus, infelizmente, o seu marido veio a falecer pouco tempo depois. Para compensar a solidão, ficou amiga inseparável do poeta Bucheiro.

O Bucheiro nasceu em Manaus, no bairro de São Raimundo, na década de 20, foram cinquenta anos de muita produção artística, dedicada ao Brasil e a sua querida cidade natal - militou no jornalismo, foi também um escritor consagrado, além de poeta e compositor.

Ainda muito jovem, com apenas dezessete anos de idade, embarcou no navio “Prudente de Moraes” com destino ao Rio de Janeiro, como voluntário do Exército Brasileiro, ficou no 14º Regimento de Infantaria do 1º Exército, sediado em São Gonçalo - passou cinquenta anos no eixo Rio-SP, chegando a receber, o título de cidadão do Estado do Rio de Janeiro.

Ao se aposentar, resolveu viver os últimos anos da sua vida na sua amada Manaus – tinha condições financeiras para viver muito bem obrigado, mas, contrariando a família, foi morar no “Asilo Doutor Thomas”.

No abrigo em que morava voluntariamente, tinha toda a liberdade para entrar e sair, no horário que bem entendesse – por ser um boêmio inveterado, gostava da noite, era um notívago como todo bom poeta, adorava festas, era um exímio “pé-de-valsa”; contar causos era com ele mesmo, era muito bom de papo, mas, não gostava de ser contrariado, esquentava a cabeça facilmente – curtiu muito bem os seus últimos anos da sua vida nos botecos tracionais de Manaus.

Deu um belo presente para a sua cidade com a música “Canção de Manaus”:

Que viu você
Não pode mais esquecer
Quem vê você,
Logo começa a querer;
Manaus, Manaus, Manaus
Minha cidade querida.

Escreveu muitos livros, deixando uma obra inédita: “Batelão de Ilusões” ou “A Solidão Não Me Dói”, não chegou a optar pelo titulo definitivo, - “Este livro vai mexer com muita gente, conto coisas hilárias e ridículas que aconteceram ao meu redor”, assim confidenciou a um amigo quando da comemoração dos seus oitenta anos. É isso ai.

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