quarta-feira, 14 de maio de 2014

ILHA DE CURARI

O Zé Mundão trabalhou por uns anos no Polo Industrial de Manaus, numa grande fábrica de relógios de pulso – passava duas horas dentro de um ônibus especial, para ir e vir do trabalho; batalhava oito horas diárias, além de fazer extras todo dia.

Era obrigado a fazer as suas refeições dentro da própria fábrica, ou seja, passava, no mínimo, doze horas diária à disposição do patrão.

Depois de uma semana cansativa de trabalho, gostava de reunir os colegas de trabalho e passar o final de semana no interior para recarregar as baterias.

Um dos seus colegas de trabalho, conhecido como “Borrachinha”, era uma figura de office-boy, sempre solícito e sorridente, muito querido por todos, ele era amigo de um amigo que conhecia o filho de um dono de uma fazenda no Curari, uma região pertencente ao município do Careiro da Várzea, no Rio Solimões, distante cerca de 20 km de Manaus.

A turma ficou logo assanhada, partiram para fazer uma quota para a compra do rancho, material para caldeirada de peixes, gelo, refrigerantes, cachaça e, bastante cerveja em lata; a contribuição foi proporcional ao posto de “caboco” na fábrica, pois, tinha de gerente ao peão.

Ficou acertado pegarem um “motor de linha”, um tipo de barco regional que faz longas viagens na base do “pinga-pinga”, parando em diversas comunidades ribeirinhas da Amazônia, com o valor da passagem sendo cobrada, de acordo com a localidade em que o passageiro vai ficar e com o tipo de comodidade (rede ou camarote).

Este tipo de viagem é diferente dos “barcos de recreios”, um tipo de embarcação que faz um pacote fechado, levando grupos de pessoas para um determinado lugar, com horário previsto para sair e voltar, os manauaras gostam muito de ir para as praias do Tupé e Paricatuba e, para participar de torneios de futebol e festas nas comunidades mais próximas de Manaus.

A partida foi bem cedo da manhã de um sábado ensolarado, o barco saiu do porto da “Manaus Moderna”. O comandante do navio foi logo avisando:

 - Vou deixar vocês no Curari, mas, o barco somente passará na volta às quatro da manhã de sábado para domingo, portanto, estejam todos acordados, caso vocês perderem, somente passaremos por lá na segunda-feira. Combinado?

O líder era o Paulão, um gordinho cheio de graça, o cara organizou tudo aos mínimos detalhes, tudo passava pelo crivo dele. Ele foi logo detonando:

 - Olha aqui, gente fina, o negócio é o seguinte: não vou deixar ninguém dormir, todos estarão acordados esperando pelo barco às quatro da manhã, por favor, passe no horário previsto e nada de furo com a gente! Combinado?

O barco aportou às onze e meia da manhã, o dono da fazenda, o Senhor Jacinto, ficou assustado com dez pessoas vindo em direção a sua fazenda. O Zé Mundão iniciou o diálogo:

 - Bom dia Senhor Jacinto!

Ele respondeu meio desconfiado:

- Bom dia!

Ai o Zé Mundão mandou o papo mole:

- Pois é, fomos convidados pelo amigo aqui, o Borrachinha, ele é amigo de um amigo do seu filho. Nós trabalhamos numa fábrica de relógios e resolvemos aceitar o convite para passar o sábado na sua fazenda, aproveitamos e trouxemos um relógio de presente para o senhor, ele é à prova de água, caso caia dentro do rio na cheia, pode procurar na vazante que o senhor vai encontrá-lo funcionando perfeitamente, pois é um legitimo Orient!

O velho ficou numa alegria total, com um sorriso de orelha a orelha - cumprimentou um a um, deu as boas vindas, mostrou a casa e, mandou a sua esposa, a Dona Joana, colocar mais água no feijão e fritar mais um quilo de jabá, todos foram convidados a almoçar, demonstrando ser um caboclo muito hospitaleiro.

Depois da broca, uma parte da turma resolveu dar uma soneca na varanda da fazenda, outra, partiu para o ataque nas latas de cerveja. Lá pela quatro da tarde, resolveram pescar, conseguiram pegar algumas Sardinhas e Carás, o fogo foi feito no quintal e botaram para assar os peixes, no início da noite não tinha sobrado nem as espinhas e o estoque das cerveja tinha zerado.

Hora depois, eles ficaram sabendo que nos fundos da fazenda tinha um viveiro de peixes, com uma quantidade enorme de Tambaqui e Matrixã - o Zé Mundão ficou chateado, pois perdeu um tempo danado pescando, sem saber que no local tinha peixe fazendo “lama”!

O Senhor Jacinto procurou consolá-lo:

 - Olha aqui, meu filho, esse negócio de pescar em viveiro não tem gosto nenhum, pois é muito fácil pegar um peixe, o bom mesmo é ficar horas e horas olhando para a boia, sentir a briga, lutar com o bicho, além do mais, o peixe acostumado a comer tudo o que vem pela frente tem um gosto especial, por isso que eu não falei do viveiro!

Com relação à cerveja, a turma foi obrigada a beber num bar-flutuante – com um preço bastante salgado e não estava bem gelada. Quando a grana acabou, a solução foi pedir o aval do Senhor Jacinto, com o qual o dono do bar aceitou receber um cheque “borrachudo” (vai e volta do Banco).

O dono do flutuante colocou um monte de discos de vinil, numa vitrola “Nivico Hi Fi” e, a turma bebeu até “secar o boteco”. Foram dormir lá pela meia noite – imaginem dez bêbedos roncando e soltando pum para todos os lados, o dono da fazenda deve ter passado uma noite nada tranquila!

Conforme o combinado, o comandante do barco passou às quatro da madrugada, o Senhor Jacinto se acordou e, foram chamar o Paulão, ele ainda estava de porre, simplesmente pulou da rede e mandou bala:

- Meu Deus, isso é hora de acordar alguém? Deixa a gente dormir, pois ninguém está a fim de embarcar hoje, passa na segunda-feira, mermão!

Deu as costas para o comandante, voltou para a sua rede e, continuou a roncar, falar alto e soltar umas bombas de hidrogênio.

Lá pelas oito da manhã, foram ver o estrago que o Paulão tinha feito. Todos estavam com a cara de enterro, não conseguiam tomar o café da manhã, era somente lamentação.

O Senhor Jacinto ainda colocou mais lenha na fogueira:

 - Não tem mais jeito não, por aqui não passa uma viva alma, motor de popa, nem pensar! Vocês terão que esperar até segunda-feira para voltarem para Manaus!

Todos estavam aflitos, pois iriam faltar ao trabalho sem justificativas. Depois de algum tempo, o Senhor Jacinto falou que ele ia quebrar o galho da rapaziada:

 - É o seguinte meus jovens: Tenho um motorzinho de centro, ele está na casa de um compadre meu, quero dois caboclos bom de remo, será uma hora de braçadas até chegar lá!

Os dois felizardos foram o Paulão e o Zé Mundão, os lideres do grupo.

Quando o barco chegou, a turma entrou em peso, estavam todos aliviados - chegaram ao porto do Careiro de Várzea por volta das treze horas.

Resolveram não pegar de imediato a balsa para retornar a Manaus, aproveitando a presença do Senhor Jacinto, conhecido e respeitado pelos moradores daquela área, pediram novamente o aval do fazendeiro - foram mais quatros cheques borrachudos nos bares do beiradão!

Lá pela onze da noite de domingo, pegaram a última balsa e voltaram para Manaus - o gerente fez o contato com a segurança da fábrica, enviaram um micro-ônibus para o resgate da turma, todos foram deixados em suas casas.


Na manhã seguinte, estavam a postos nos seus lugares de trabalho. Depois, correu uma vaquinha com os colegas, conseguiram depositar a tempo a grana dos cheques espalhados pela ilha e adjacências. Gostaram tanto do passeio que resolveram voltar por várias vezes a Ilha de Curari! 

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