O
Zé Mundão trabalhou por uns anos no Polo
Industrial de Manaus, numa grande fábrica de relógios de pulso – passava duas
horas dentro de um ônibus especial, para ir e vir do trabalho; batalhava oito
horas diárias, além de fazer extras todo dia.
Era
obrigado a fazer as suas refeições dentro da própria fábrica, ou seja, passava,
no mínimo, doze horas diária à disposição do patrão.
Depois
de uma semana cansativa de trabalho, gostava de reunir os colegas de trabalho e
passar o final de semana no interior para recarregar as baterias.
Um
dos seus colegas de trabalho, conhecido como “Borrachinha”, era uma figura de office-boy, sempre solícito e sorridente, muito querido por todos,
ele era amigo de um amigo que conhecia o filho de um dono de uma fazenda no Curari, uma região pertencente ao
município do Careiro da Várzea, no Rio Solimões, distante cerca de 20 km de
Manaus.
A
turma ficou logo assanhada, partiram para fazer uma quota para a compra do
rancho, material para caldeirada de peixes, gelo, refrigerantes, cachaça e,
bastante cerveja em lata; a contribuição foi proporcional ao posto de “caboco” na fábrica, pois, tinha de
gerente ao peão.
Ficou
acertado pegarem um “motor de linha”,
um tipo de barco regional que faz longas viagens na base do “pinga-pinga”, parando em diversas
comunidades ribeirinhas da Amazônia, com o valor da passagem sendo cobrada, de
acordo com a localidade em que o passageiro vai ficar e com o tipo de comodidade
(rede ou camarote).
Este
tipo de viagem é diferente dos “barcos de
recreios”, um tipo de embarcação que faz um pacote fechado, levando grupos
de pessoas para um determinado lugar, com horário previsto para sair e voltar,
os manauaras gostam muito de ir para as praias do Tupé e Paricatuba e, para participar de torneios de futebol e
festas nas comunidades mais próximas de Manaus.
A
partida foi bem cedo da manhã de um sábado ensolarado, o barco saiu do porto da
“Manaus Moderna”. O comandante do
navio foi logo avisando:
- Vou deixar vocês no Curari, mas, o barco
somente passará na volta às quatro da manhã de sábado para domingo, portanto,
estejam todos acordados, caso vocês perderem, somente passaremos por lá na
segunda-feira. Combinado?
O
líder era o Paulão, um gordinho cheio
de graça, o cara organizou tudo aos mínimos detalhes, tudo passava pelo crivo
dele. Ele foi logo detonando:
- Olha
aqui, gente fina, o negócio é o seguinte: não vou deixar ninguém dormir, todos
estarão acordados esperando pelo barco às quatro da manhã, por favor, passe no
horário previsto e nada de furo com a gente! Combinado?
O
barco aportou às onze e meia da manhã, o dono da fazenda, o Senhor Jacinto, ficou assustado com dez
pessoas vindo em direção a sua fazenda. O Zé Mundão iniciou o diálogo:
- Bom dia Senhor Jacinto!
Ele
respondeu meio desconfiado:
- Bom dia!
Ai
o Zé Mundão mandou o papo mole:
- Pois é, fomos
convidados pelo amigo aqui, o Borrachinha, ele é amigo de um amigo do seu
filho. Nós trabalhamos numa fábrica de relógios e resolvemos aceitar o convite
para passar o sábado na sua fazenda, aproveitamos e trouxemos um relógio de
presente para o senhor, ele é à prova de água, caso caia dentro do rio na
cheia, pode procurar na vazante que o senhor vai encontrá-lo funcionando
perfeitamente, pois é um legitimo Orient!
O
velho ficou numa alegria total, com um sorriso de orelha a orelha - cumprimentou
um a um, deu as boas vindas, mostrou a casa e, mandou a sua esposa, a Dona Joana, colocar mais água no feijão
e fritar mais um quilo de jabá, todos foram convidados a almoçar, demonstrando
ser um caboclo muito hospitaleiro.
Depois
da broca, uma parte da turma resolveu dar uma soneca na varanda da fazenda,
outra, partiu para o ataque nas latas de cerveja. Lá pela quatro da tarde, resolveram
pescar, conseguiram pegar algumas Sardinhas e Carás, o fogo foi feito no
quintal e botaram para assar os peixes, no início da noite não tinha sobrado
nem as espinhas e o estoque das cerveja tinha zerado.
Hora
depois, eles ficaram sabendo que nos fundos da fazenda tinha um viveiro de
peixes, com uma quantidade enorme de Tambaqui
e Matrixã - o Zé Mundão ficou chateado, pois perdeu um tempo danado
pescando, sem saber que no local tinha peixe fazendo “lama”!
O
Senhor Jacinto procurou consolá-lo:
- Olha aqui, meu filho, esse negócio de pescar
em viveiro não tem gosto nenhum, pois é muito fácil pegar um peixe, o bom mesmo
é ficar horas e horas olhando para a boia, sentir a briga, lutar com o bicho,
além do mais, o peixe acostumado a comer tudo o que vem pela frente tem um
gosto especial, por isso que eu não falei do viveiro!
Com
relação à cerveja, a turma foi obrigada a beber num bar-flutuante – com um preço bastante salgado e não estava bem
gelada. Quando a grana acabou, a solução foi pedir o aval do Senhor Jacinto,
com o qual o dono do bar aceitou receber um cheque “borrachudo” (vai e volta do Banco).
O
dono do flutuante colocou um monte de discos de vinil, numa vitrola “Nivico Hi Fi” e, a turma bebeu até “secar o boteco”. Foram dormir lá pela
meia noite – imaginem dez bêbedos roncando e soltando pum para todos os lados,
o dono da fazenda deve ter passado uma noite nada tranquila!
Conforme
o combinado, o comandante do barco passou às quatro da madrugada, o Senhor Jacinto se acordou e, foram
chamar o Paulão, ele ainda estava de
porre, simplesmente pulou da rede e mandou bala:
- Meu Deus, isso é hora
de acordar alguém? Deixa a gente dormir, pois ninguém está a fim de embarcar
hoje, passa na segunda-feira, mermão!
Deu
as costas para o comandante, voltou para a sua rede e, continuou a roncar,
falar alto e soltar umas bombas de hidrogênio.
Lá
pelas oito da manhã, foram ver o estrago que o Paulão tinha feito. Todos
estavam com a cara de enterro, não conseguiam tomar o café da manhã, era
somente lamentação.
O
Senhor Jacinto ainda colocou mais lenha na fogueira:
- Não tem mais jeito não, por aqui não passa
uma viva alma, motor de popa, nem pensar! Vocês terão que esperar até
segunda-feira para voltarem para Manaus!
Todos
estavam aflitos, pois iriam faltar ao trabalho sem justificativas. Depois de
algum tempo, o Senhor Jacinto falou que ele ia quebrar o galho da rapaziada:
- É o seguinte meus jovens: Tenho um
motorzinho de centro, ele está na casa de um compadre meu, quero dois caboclos
bom de remo, será uma hora de braçadas até chegar lá!
Os
dois felizardos foram o Paulão e o Zé Mundão, os lideres do grupo.
Quando
o barco chegou, a turma entrou em peso, estavam todos aliviados - chegaram ao
porto do Careiro de Várzea por volta
das treze horas.
Resolveram
não pegar de imediato a balsa para retornar a Manaus, aproveitando a presença
do Senhor Jacinto, conhecido e respeitado pelos moradores daquela área, pediram
novamente o aval do fazendeiro - foram mais quatros cheques borrachudos nos
bares do beiradão!
Lá
pela onze da noite de domingo, pegaram a última balsa e voltaram para Manaus - o
gerente fez o contato com a segurança da fábrica, enviaram um micro-ônibus para
o resgate da turma, todos foram deixados em suas casas.
Na
manhã seguinte, estavam a postos nos seus lugares de trabalho. Depois, correu
uma vaquinha com os colegas, conseguiram depositar a tempo a grana dos cheques
espalhados pela ilha e adjacências. Gostaram tanto do passeio que resolveram
voltar por várias vezes a Ilha de Curari!
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