terça-feira, 19 de julho de 2011

OS DOIDOS DE MANAUS

Nas décadas de sessenta e setenta, a nossa cidade ainda era pequena, todo mundo conhecia todo mundo, os doidos andavam pelas ruas, eram conhecidos por todas as pessoas, sabiam os seus nomes, onde moravam e as loucuras que cometiam; eles faziam parte da nossa sociedade, do nosso dia-dia e, apesar da personalidade psicótica, provocando algumas desarmonias, eram, mesmo assim, admirados por todos.

A cidade cresceu muito, estamos beirando aos dois milhões de habitantes, estamos perdendo o contato com as pessoas, não sabemos mais quem é doido ou não no centro da cidade, a não ser uns poucos que teimam em ficam nos cruzamentos de algumas ruas.

Os doidos de antigamente eram cantados em versos e prosas pelos intelectuais da nossa terra. Os blogs de resgate, saudosistas da época boa de Manaus, não se cansam de comentar sobre eles.

O Bessa Freira comenta sobre dois doidos famosos, postagem publicada no Blog do Rogélio Casado, no endereço: http://rogeliocasado.blogspot.com/2010/02/ribamar-bessa-e-os-loucos-da-cidade-de.html  

Bombalá - Ele adorava desfilar, vestido com uma calça pega-marreca. Era ele quem abria os desfiles da Polícia Militar, nas festas cívicas, regendo a banda de música da PM, com uma vara na mão, que lhe servia de batuta, gesticulando e marchando com passos marciais e ritmados. De uma família com posses, residia num casarão da Av. Joaquim Nabuco, perto da Praça da Polícia. Dizem que Bombalá chegou a estudar música. O certo é que quase nunca perdia uma apresentação no coreto da Praça da Polícia, onde a banda da PM sempre contava com a sua batuta de maestro. Cheguei a vê-lo, em minha infância, desfilando em frente do Colégio Estadual do Amazonas, na parada escolar de 7 de setembro, murmurando em forma cadenciada: - Toma-limonada-pra-cagar-de-madrugada, toma-limonada-pra-cagar-de-madrugada!

Tom Mix - O xerife, nasceu no velho oeste e entre bravos se criou. Tinha a cara bexiguenta. Nunca casou para não atrapalhar sua missão na terra. Era viciado em filme de bang-bang. Morava numa casa na esquina da Henrique Martins com Rui Barbosa, de propriedade de seu irmão, o Coronel Trigueiro, que trabalhava no Palácio do Governo. A vizinhança com os cines Polytheama e Guarani alimentava seu vicio: não perdia uma sessão. Assistia todos os seriados. Pulou para dentro das telas e passou a viver lá, enfrentando índios e bandidos que assaltavam diligências. Para isso, Tom Mix, já meio coroa, circulava pelo centro de Manaus sempre vestido de cowboy: botas country, calça de brim ajustada, camisa quadriculada com uma estrela no peito, jaqueta de couro, cinto com vistosa fivela, onde estavam penduradas duas cartucheiras com revolver de espoleta e, para completar, um chapéu cor de areia com arame embutido na aba, que ele só retirava para dar bom-dia às donzelas ou quando enfrentava ladrões de gado, montado no cavalo Champion, emprestado do Gene Autry.

Eram conhecidos também, a Nega Maluca, Carmem Doida, Nega Charuta, Macaxeira, Antônio Doido e a Gaivota.

A Carmem-doida, dizem que ela era uma mulher alta, magra e morena, gostava de dançar na rua, sozinha. Os estudantes não davam trégua, zombavam da pobre coitada o tempo todo, quando era chamada de Carmem-doida, sempre respondia na bucha - É a tua mãe, filho da puta, vagabundo!

O poeta Mady Benoliel Benzecry (1933-2003) fez uma homenagem a ela:

Carmem-doida! Gritava
a criançada da antiga
praça da prefeitura,
a Carmem-doida endoidava
mandava banana pra todos,
cuspia a dentadura
xingava a mãe e a família
da garotada e berrava
os piores palavrões…

Carmem-doida! E a tua mãe,
está no hospício também?
“No céu! Seus mizerentos
rebentos do Satanás,
na paz do Senhô, ela está!”
E ia ao “Juizado
de Menores” se queixar!
“Seu juiz, não é prussive,
tanta, tanta bandalheira,
eu sou muié de respeito
e não ardimito brincadeira!
A gente tem de acabá
com esses moleque de rua,
já é a quinta dentadura
que eles me faz quebrá,
entonces esta, foi cara,
ganhei ela de natar
e tinha um dente de ouro
bem na frente, seu dotô
eles tem de me pagá!”
E lá se iam dois guardas
a garotada autuar…

Um dia, foi no Natal
uma “vaquinha” correu
na praça da prefeitura
e Carmem-doida ganhou
um presente dos meninos
com cinco dentes de ouro
uma nova dentadura!
E desde então Carmem-doida,
muito mais doida, ficou…

(In: Sarandalhas, 1967)

Atualmente, quem mais conhece de doido em Manaus, chama-se Dr. Rogélio Casado, um dos médicos psiquiatras mais atuantes na nossa cidade, talvez, o único que luta faz bastante tempo por esta causa, para ser ter uma ideia, em 1987, ele fez uma greve de fome de 6 dias, pela reforma psiquiátrica.

O Rogelio Casado, juntamente com a Associação Chico Inácio (uma ONG em defesa dos direito civis e políticos dos portadores de transtornos mentais), possuem como bandeira “a construção de mais CAPS, leitos psiquiátricos em hospitais gerais, residência terapêutica, centros de convivência e a substituição do hospício por um hospital geral”.

O Eduardo Ribeiro foi o mais importante governador que o Amazonas já teve, ele construiu o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, a Ponte Benjamin Constant, dentro outras obras importantes. Dizem os historiadores que, ele tinha surtos de loucura, demência e crises nervosas, suicidou-se em 1900 (alguns falam que ele foi assassinado), na “Chácara do Pensador”, situada na atual Avenida Constantino Nery, tempo depois, foi construído no local o “Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro”, em homenagem aos doidos de Manaus.

A postagem "Carmem, doida para viver", publicado no blog do Simão Pessoa, é demais! Acesse:  http://simaopessoa.blogspot.com/2010/11/carmem-doida-pra-viver-jornalismo.html

Fui casado por muito tempo com uma psicológa, ela falava que eu era um pouco doido. Diz o ditado popular que "de médico e louco, todo mundo tem um pouco". O quê? Eu, doido? Então, viva os doidos de Manaus!






Um comentário:

Izidoro de Castro disse...

Caro Rocha. Na década de sessenta do Séc. XX existiu um personagem, uma mulher idosa, rotulada como louca e que se ofendia quando apupada por "Saúba" Morava nos arredores das Avenidas João Coêlho, Ayrão, Ferreira Pena e Rua Barcelos. Vez por outra frequentava uma feira instalada entre as mangueiras do passeio central da outrora e bela Av. João Coêlho. A molecada gritava "Saúba" e respondia, "é tua mãe filho da puta" e continuava os impropérios brandindo um pedaço de madeira nas mãos e gritando, "pra essa molecada só pau e bala"

Abraços - Brasília-DF.