Quem passa pela Praça Heliodoro Balbi (antiga Praça da Polícia), centro antigo de Manaus e, para no “Quiosque de Tacacá da Dona Adalgiza”, não imagina que aquela senhora simpática que serve a melhor iguaria da Região Norte passou da casa dos noventa anos e que todo o produto do seu trabalho é destinado a ajudar as pessoas carentes de Manaus.
A Dona Adalgiza nasceu no Seringal Concórdia, no Alto Juruá, Estado do Amazonas, veio ao mundo em 15 de Julho de 1918, exatamente quando a 1ª. Guerra Mundial estava terminando.
Passou poucos anos no local onde nasceu, indo morar por pouco tempo na Comunidade do Jaraqui, depois, foi para o município de Nova Olinda do Norte e, chegou à cidade de Manaus com apenas doze anos de idade.
- Passei todos esses anos em Manaus, a minha cidade, pretendo somente sair daqui direto para o Cemitério do Tarumã! – fala com orgulho da cidade que o acolheu.
Morou na “Cidade Flutuante”, a sua casa ficava por detrás da loja “Uirapuru Ferragens”, próximo onde é hoje a “Loja do Baiano”. Com a demolição das casas que faziam parte desse complexo de moradias, o governo doou um terreno no bairro de São Jorge, na Rua São Pedro, onde construiu a sua nova moradia, local em que está até hoje com os seus filhos, netos e bisnetos.
Casou e teve cinco filhos, foi abandonada pelo marido quanto tinha apenas vinte e seis anos de idade. Ele arranjou outra mulher e foi morar em Santarém, no Pará. Tempo depois, ficou doente, voltou para Manaus e, pediu perdão da ex-mulher, ela não o perdoou, não o fez por ter arranjado outra mulher, mas, por ter abandonado as cinco crianças.
Ela conta que passou muitas necessidades, chegou até a desmaiar de tanta fome, sofreu muito para sustentar os seus filhos menores. Quando começou a ganhar dinheiro com a venda de tacacá, além de dar uma boa vida a sua prole, começou a criar os filhos dos outros, ao todo foram quarenta filhos adotivos.
Trabalha mais de cinquenta anos na Praça da Polícia, atual Praça Heliodoro Balbi. Com a venda do tacacá ajudou a criar os filhos, netos e bisnetos.
– Quando eles ficavam adultos e iam se casar, sempre comprava uma casa e dava para eles! – diz com orgulho.
– Hoje não posso mais fazer isso, dou apenas uma boa educação, quando ficam adultos, estão preparados para arranjar emprego e se virar na vida!
Antes da reforma da Praça da Polícia, ela revela que faturava alto com a venda de comidas, guloseimas, bebidas e o tradicional Tacacá.
- Muita gente circulava por aqui, tinham os soldados do quartel da polícia militar, o “Café do Pina” era apinhado de gente, eu tinha uma imensa clientela, o faturamento era ótimo. – lembra com saudade dos tempos bons.
– Atualmente, dá somente para sobreviver, com a nova praça a clientela foi embora, caiu o movimento, além de me proibirem de vender comidas, até o refrigerante não posso oferecer aos meus clientes. Este quiosque foi feito pelo governo, não cobram taxa, luz nem água, ainda bem! O nome foi em homenagem a Dona Zita, a primeira tacacazeira da praça. – fala lamentando uma pouco das decisões equivocadas da Secretaria de Cultura.
– Para ser ter uma ideia, pago uma pessoa para fazer as compras no Mercado Adolpho Lisboa, preparo o Tacacá em minha casa, tenho um contrato com um taxista de confiança, pago para ele R$ 900,00 por mês, somente com o transporte do material até a banca, ainda tenho que pagar uma diária para um ajudante. – desabafando novamente.
– Tem mais, ainda estou criando cinco filhos adotivos, o mais velho tem vinte anos e, o mais novo tem apenas seis anos de idade. Dividi o meu terreno, fiz uma casa grande ao lado, outra no fundo, a minha tem dois pavimentos, moro na parte de cima com os cinco filhos, nas outras casas e na parte debaixo moram os meus filhos mais velhos e suas esposas e filhos. A minha netinha me ajuda na venda do meu tacacá, no próximo ano ela irá estudar de manhã e a tarde, não terei mais a sua ajuda, no tem problema, o mais importante será o seus estudos!
Esta senhora guerreira e mãe adotiva de muitas crianças, ainda têm planos para o futuro:
- O meu desejo é alugar uma casa bem grande e cuidar dos velhinhos que estão abandonados no centro de Manaus, fico muito triste em ver uma pessoa sofrendo e abandonada pela família. – fala revelando o seu imenso lado humano.
Perguntei o que ela queria ganhar de presente no seu próximo aniversário, respondeu:
- Quero ganhar uma Camionete, para passear e transportar o meu tacacá e, um noivo para casar antes de completar os cem anos de idade! – falou dando uma tremenda gargalhada!
Juro que não tinha encontrado nos últimos anos uma pessoa tão humana quanto a Dona Adalgiza – uma guerreira, com quase cem anos de idade, trabalhadora, ativa, lúcida, com dois lindos olhos de bondade, um grande coração, uma sofredora que venceu na vida com muito esforço, criou os seus filhos e mais quarenta adotivos e, ainda quer construir o abrigo para cuidar dos idosos abandonados de Manaus!
- Trabalho de segunda a segunda, paro somente um dia por mês quando vou ao cardiologista, para o médico examinar o meu coração que começou a dar uns probleminhas! - falando do seu gosto pelo trabalho e do seu coração doente.
No dia 24 de Outubro a cidade de Manaus completará 342 anos -, bem que a Secretaria de Cultura poderia fazer uma homenagem toda especial para a Dona Adalgiza. Pode ser uma medalha de honra ao mérito, ou melhor, liberar o quiosque para que ela possa vender refrigerante e quitutes, quanto mais dinheiro ela ganhar, com certeza, mais crianças e velhinhos ela irá ajudar!
Enquanto isso, os políticos ficam fazendo honrarias para muitas pessoas que não merecem, esquece-se de homenagear a Dona Adalgiza! Após a eleição, a grande maioria não anda mais a pé pela cidade, não conversam com o povo, não querem saber que existe uma tacacazeira na Praça Heliodoro Balbi que é a cara de Manaus, que tem uma história de sofrimentos, vitórias e amor ao próximo!
Enquanto tomava o delicioso tacacá e conversava com a Dona Adalgiza, ao saber da sua história de vida e do seu imenso amor pelas pessoas, os meus olhos marinaram! Ela é uma mãezona, o brilho do seu olhar parece com a da minha saudosa mãe!
Palmas para a Dona Adalgiza, a tacacazeira de Manaus, a mãe de quarenta filhos adotivos e, protetora dos idosos abandonados! É isso.
Foto: J. Martins Rocha
Foto: J. Martins Rocha
Um comentário:
Rochinha, mano querido, seu principal talento literário é a capacidade de escolher grandes personagens e revelar suas grandezas humanas. Atualmente os blogs ou estão muito presos em 3 linhas: 1) ou são "neohegelianos", que no final do século XIX abandonaram o projeto de transformação para fazer humor com a desgraça dos outros- dos pobres , é claro-riso covarde; 2) ou estão muto na superfício com falsos arroubos eruditos; 3) ou estão mesmo na linha do "vida infernal", mas o inferno são os outros, como diria Sartre, filósofo que os infernistas nunca leram. Há ainda os paparazzi: aqueles punheteiros que olham o mundo pelo buraco da fechadura.
Você está longe destes "conteúdos". Parabéns.
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