Algum tempo atrás, era um muito comum entre as famílias pobres de Manaus, criarem animais em seus quintais, os mais comuns eram as galinhas, os patos, os papagaios, as araras, os jabutis, os cachorros, os gatos e até porcos, ainda é comum na periferia e no interior, onde eles chamam de xerimbabo (tupi = minha criação) – a minha família, inicialmente, criou um cachorro vira-lata, chamado Duque, era considerado o nosso mascote, fazia o papel de segurança da casa, porém, ele pegou a hidrofobia, ficou doido, mordeu a minha irmã e a minha mãe – o meu pai resolveu sacrificá-lo, pegou um terçado para degolá-lo, o animal abaixou a cabeça, chorou nos pés do papai, não o mordeu, o velho chorou também, deu uns passos para trás, foi embora e, deixou o cachorro morrer com a doença – a família nunca mais quis saber de criar outro cachorro.
Tempo depois, a minha avó paterna, comprou umas galinhas e um galo, os primeiros ovos foram da cor azul, a molecada de casa ficou extasiada, ela resolver guardá-los em cima da Cristaleira, não deu outra – eu e os meus irmãos escalamos o móvel, com o peso, ela tombou e caiu em cima da gente, foram ovos, copos de cristais, xícaras de porcelanas e o escambau para o chão, foi caco para todos os lados, ficamos todos cortados, assim mesmo pegamos sova de galho de goiabeira um ano e três meses – ela resolveu botar o galo e as galinhas na panela.
Tempo depois, ganhei uma Marreca-cabocla, a ave era muito arisca, foi muito difícil domesticá-la, cuidei com muito carinho, ela ficou comigo até a sua morte, resolvei, em seguida, criar um Pombo que apareceu doente na oficina do meu pai, ele tinha uma enorme ferida nas costas, curei com Andiroba (do tupi = óleo amargo, utilizado na medicina popular) – ela ficou bonita, toda empenada, voava e voltava, não queria mais ir embora, construí uma casinha para ela no quintal de um vizinho, ela arranjou um namorado e deu bastantes filhotes, virou um pompal, depois foram morar na Praça de São Sebastião.
A minha mãe ganhou uns pintinhos, eles eram daquela raça em que o pescoço fica pelado, cada um tinha um nome e tinha dono, o meu chamava-se Piu-Piu, virou um frangão e começou a brigar com os seus irmãos para virar o Galo do terreiro, apanhava todas, não teve jeito, foi parar na panela, apesar dos meus protestos.
O papai comprou um Papagaio lá no Mercado Adolpho Lisboa, deu de presente para minha mãe, ele era caladão e desconfiado, um verdadeiro interiorano, certo dia, resolveu voar para a casa da vizinha, foi atrás de uma fêmea, ficou por lá um tempão, num belo dia voltou e pousou bem no ombro da minha mãe, foi muita festa, para nossa surpresa o bicho voltou dançando e falando, abria as assas, balançava para um lado e para o outro e mandava ver uma música o dia todo, cantava até furar o disco: - Aleguá, quá, quá! Aleguá, quá, quá! De manhã cedo, acordava toda a galera, gritando para receber a sua broca matinal: pão molhado com café e frutas. A minha mãe falava que o louro tinha passado uns tempos estudando fora, voltou falante e dançarino – os dois conviveram juntos durante longos anos, até a morte natural do papagaio.
A minha irmã estudou enfermagem e começou a trabalhar no interior, fazendo cursos de capacitação para os ribeirinhos, ela recebia muitos presentes dos seus alunos, certo dia, voltou com uma macaquinha a tiracolo, era a Samantha, ficou uma “macacona”, foi criada dentro de casa, morreu de velhice, tempo depois, trouxe um macaquinho, era o Mingo, estava bastante doente, foi medicado e criado pela minha irmã mais velha, ficou bastante tempo com a gente, quando casei, levava os meus filhos para brincarem com ele, era o bobo da corte, aprontou todas e muito mais, cuidamos muito bem dele, era levado regularmente ao veterinário - viveu até a sua velhice. Com as novas leis de proteção da fauna e a flora, deixamos de criar animais em cativeiro. A minha irmã mais velha ainda criou alguns gatos e cachorros.
A minha saudosa sogra resolvei criar um Periquito australiano, o meu filho ficava doidinho pela ave, toda vez que eu o levava para visitar a avó fazia uma tremenda guerra, imaginem, gritava: - Eu quelo o periquito da vovó! Tive que comprar outro lá na Casa do Campo, na Avenida Djalma Batista – juntamos os dois, formaram um belo casal – deu uma “periquitada” e tanta! Foi necessário vendê-los, pois a produção foi muito grande, aliás, a minha sogra criava cachorros, gatos, passarinhos, papagaios, galinhas, patos e uma jabota, era um verdadeiro zoológico dentro da sua casa!
O último animal que eu criei foi uma cadela, fora abandonada aos três meses de idade, foi encontrado num final de ano, andando pela Rua Tapajós, um amigo perguntou se eu queria ficar com ela, foi amor à primeira vista, leve-a para os meus filhos, eles adoraram, passou a chamar-se Daha, era de raça, parecia um cão D´Água Português – ficou dez anos com a gente, deu três barrigadas e, resolvemos fazer uma cirurgia para não ter mais filhotes, morreu com a idade avançada, está enterrada ao lado do Conjunto dos Jornalistas.
Outro dia, fui visitar o meu brother Paulo Mamulengo, na Vila de Paricatuba (Iranduba), pasmem, ele estava criando um filhote de Urubu, santo Deus, nunca tinha visto algum sujeito criar uma ave Flamenguista! Pois é, o dito cujo caiu do ninho, ainda era branco, o Paulo cuidou do bicho a base de Cuscuz, Jabá e Jaraqui, é mole ou quer mais! Quando cresceu, arranjou uma parceira e foram comer carniça lá pelas bandas da Manaus Moderna, segundo o Paulo, ele colocou uma identificação, era uma aliança de ouro na pata do animal, afinal, foi seu xerimbabo por algum tempo! De vez e quando ele faz uns vôos rasantes por Paricá.
Os meus filhos estão adultos e são pais, mas, até hoje lembram com carinho da Samantha, da Dara e dos Periquitos da Vovó, enquanto eu, ainda lembro muito do Duque, do Mingo, da Samantha, do Papagaio falante (em tupi = sateré-mawé) da Daha e de todos os outros animais que passaram pelas nossas vidas!
Agora, os xerimbabos dos meus netos são todos eletrônicos, talvez criem um dia um Poodle ou um Gato Siamês, não sei, mas de qualquer forma, sempre que puder, os levarei aos zoológicos e ao interior, para apreciar e aprender a respeitar os animais e as aves.Está na moda brincar com os Botos Cor-de- Rosa e com a bicharada que fica solta no Hotel Ariaú Tower.
É isso aí macacada, viva os nossos xerimbados! Viva!
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