Na terça-feira gorda de carnaval deste
ano, quando o Coronavírus ainda era coisa do outro lado do mundo, eu estava no
palco da Banda do Cinco Estrelas, fazendo a apresentação dos conjuntos musicais
que iriam animar a festa carnavalesca derradeira, quando um fato fez-me voltar
ao passado, viajando algumas décadas no túnel do tempo. Lembro de ter falado
algumas coisas que estavam escritas no meu roteiro, o resto e muito mais vieram
do fundo da minha memória, não tinha domínio do que estava falando, tudo do
passado voltava a minha mente, fazendo uma mistura entre o tempo atual e da
minha vida já vivida muitas décadas atrás naquele mesmo local.
Imaginem a situação: estava parado na Avenida Getúlio Vargas, o logradouro onde passei grande parte da minha juventude, bem em frente ao Cheik Club e próximo ao Bancrevea Clube, grêmios sociais onde frequentava semanalmente e, por estarem subindo ao palco os componentes do Conjunto Musical Blue Birds (Beto Sá, Lili Andrade & Companhia), os caras que animavam os embalos dos sábados calientes noturnos de Manaus de outrora. Para qualquer manauara da minha época, jovem morador de centro da cidade, não tem como se emocionar e voltar ao passado com esses ingredientes.
Aos doze anos de idade mudei para a
Vila Paraíso, com entrada pela Rua Tapajós e pela Avenida Getúlio Vargas,
logradouros onde passei as fases de qualquer cidadão: aborrecência, adúltera e idade
feliz. Um amigo falou que, esse negócio
de chamar o velho de feliz, quando está carregado até o toco de artroses,
diabetes avançada, coração quase parando e sem tesão no cidadão, isso é muita
sacanagem! Idade feliz é quando você é jovem! Pelo sim, pelo não, curti e curto
todas as fases da minha vida.
Na Getúlio como ela é chamada carinhosamente
pelos moradores em tempos idos, era uma das ruas mais largas e arborizadas de
Manaus, acho que é até hoje a única de Manaus. Segundos os mais antigos, quando
os americanos vieram para Manaus na época da Segunda Guerra (para levar
borracha para os USA), trouxeram máquinas e equipamentos pesados para construir
o Aeroporto de Ponta Pelada, e esses mesmos tratores e retroescavadeiras foram
utilizados para nivelar toda a Avenida Getúlio Vargas, pois ali era uma enorme buraqueira
e a passagem de um igarapé (onde desaguava a atual Vala da Vila Paraíso).
Por lá marcaram tempo o prédio da Camtel, depois Telamazon e atual Samel. A Casa Aroeira até hoje está aberta ao público. O Bar do Gordo ficava bem na esquina da Ramos Ferreira, ponto de encontro dos jovens antes de adentrarem ao Cheik e Bancrevea. As residências dos polícias Dr. Klinger Costa e do Delegado do Diabo, personagens folclóricas que metiam medo em todo mundo, até nos jovens inocentes daquele tempo.
Tinha Também: Galera Selvagem, Bateria
Unidos da Getúlio, Boate Porão, Curso Dinâmico do Mestre Nestor Nascimento, Esquina
do Chope, Hospital das Crianças, Casa A Ferreira Pedras, Hospital da Cruz
Vermelha, Posto do Inamps, Café do Pina, Bar Garfo de Ouro, Muro da Bené, Bar
do Alex, as Quadras de futebol dos colégios Doroteia e Estadual, os cinemas
Polyheam e Guarany e outros.
Sem dúvida o que mais marcou a minha
juventude e dos meus irmãos e vizinhos foi sem dúvida o Cheik e o Bancrévea
Clube, pois estávamos com os hormônios a mil por hora, doidos para dançar,
beber, extravasar e pegar com todo gás as mina do pedaço. O lugar era ali mesmo
próximo as nossas casas, com bailes todos os finais de semana, onde podíamos
tomar uns drinques, paquerar, dançar solto (rock nacional e international) ou
agarradinho (músicas românticas, deixando o cidadão naquela situação vexatória),
enfim, fazer o que todos os jovens gostavam na minha época.
Tinha alguns jovens que faziam “pegas” (corrida de velocidade), participavam de galera do mal e gostavam de brigas e confusões, fumavam dirijo (maconha), pegavam até os caras alegres para conseguir uma grana extra para gastar com seus vícios. Não foi o meu caso, pois sempre fui um cara maneiro, contido e nunca fui chegado a esses extremos, sempre trabalhei, tinha o meu fusquinha setentinha, gostava mesmo era de beber Montilha com Coca-Cola na Rolha e correr a mil por horas atrás de um rabo de saia de muêr.
O Cheik Club:
Foi fundado em 1954, fruto
do idealismo de um grupo homogêneo de brasileiros, sírios, filhos de sírios e
libaneses, tendo como objetivo a promoção de eventos sociais para entreter e
divertir os seus associados. Foi uma entidade social que marcou toda uma
geração de jovens da nossa terra, ficava na Avenida Getúlio Vargas esquina com
a Avenida Ramos Ferreira. O prédio continua o mesmo, com poucas intervenções,
funcionando atualmente no lugar uma academia de fitness. A sede própria somente
foi efetivada em 1969, quinze anos depois da fundação do clube, na administração
do Jones Isper Abrahim, possuindo linhas arquitetônicas que embelezavam a nossa
cidade. Na década de setenta, na minha juventude, tive o privilégio de
frequentar o clube, participava das suas programações de finais de semana,
incluindo os bailes carnavalescos. Foi um tempo que marcou a minha vida e de
muitos colegas que moravam na Avenida Getúlio Vargas.
Bancrevea Clube:
Muito antes de ser o Banco
da Amazônia, ele já fora chamado de Banco de Crédito da Borracha, conhecido
como Hevea, com a junção das palavras, o clube dos funcionários ficou conhecido
como “Bancrevea”. Foi inaugurada em 1972, um trabalho incansável dos diretores Hiram
Carvalho e do Jorge Motta. Quando jovens éramos conhecidos como “Surubim” (um
tipo de peixe), liso, mas, cheio de pinta (bonitões). Não dava para “furar”
(entrar sem pagar), alguns se aventuravam em adentrar pelo Colégio Brasileiro
Pedro Silvestre, pela Rua Dez de Julho, escalar os muros e, penetrar numa boa
nas festas do “acocho” (dançar, assediando as gatinhas). Lembro muito bem dos
embalos de sábados à noite: ficava tudo no escuro, somente na “luz negra”,
tinha três ambientes, com o segundo andar disputado a tapa, pois ali ficavam as
mulheres mais bonitas e onde se apresentavam os conjuntos musicais “Os
Embaixadores, The Blue Birds e The Rocks”, com o Jander, Chain, Manoel Batera e
Betão, fazendo a festa. Passados os tempos bons, a nova geração começou a
curtir os DJ famosos de Manaus, com o Raidi Rebello mandando ver, começaram a
surgir as galeras (turma de mau elementos), o “pau” (brigas) corria solto, a
negada não ia para dançar e/ou paquerar a mulherada, o negócio era partir logo
para a “porrada”, com o “couro comendo no centro”! Foi vendido à revelia dos funcionários do BASA
- os donos das faculdades UNINORTE destruíram completamente a sede e,
construíram uma academia de “Fitness”.
Banda Blue Birds:
Tudo começou em 1967, quando
quatro jovens decidiram criar uma banda de “iê-iê-iê”, tocando os sucessos de
Queen, Beatles, Rolling Stones e outros grandes artistas internacionais, com a
entrada do Beto Sá, também passou a tocar sucessos nacionais. Foram décadas
movimentando os clubes de Manaus, marcando a memória de muitos amazonenses com
o melhor da musica nacional e internacional, sendo declarada como Patrimônio
Cultural e Imaterial do Estado do Amazonas. Por lá passaram mais de 150
músicos, porém com os mesmos valores, com um grande profissionalismo e carinho
pelo fiel público dos Pássaros Azuis. Sobreviveu a concorrência dos anos sessenta,
setenta e oitenta e conseguindo passar ilesos no fim dos bailes da década de
noventa. Fez uma grande apresentação no Teatro Amazonas para comemorar os seus
50 anos de carreira. No carnaval deste ano resolveram tocar e animar as bandas
de carnal de rua de Manaus, participando do Galo de Educandos e do Banda do
Cinco Estrelas, com a participação especial da cantora amazonense Lili Andrade,
uma das mais bonitas vozes do nosso Estado.
No término da festa subi a
Getúlio e ao chegar à entrada da Vila Paraíso encontrei os velhos amigos na
maior festa em frente da Casa Aroeira, onde todos bebiam e dançaram as
marchinhas de velhos carnavais. Depois, o papo rolou sobre a apresentação do
Blue Birds na Banda Cinco Estrelas, sobre a antiga Getúlio dos nossos tempos
idos, os bailes de carnavais no Cheik e no Bancrevea. Lá fui eu, novamente, viajar
no passado!
É isso ai.
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