sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

SALÃO DE PARIS

 

José Rocha

Em uma das minhas andanças pelo centro histórico de Manaus, me deparei com uma placa que dizia “Salão Paris” na Rua Governador Vitório, logo antes da Rua Frei José dos Inocentes. Fiquei curioso e me aproximei de um senhor de idade que estava sentado na frente do estabelecimento. Pedi licença para tirar uma foto e comentei que aquele nome me trazia lembranças da minha infância.

O senhor me perguntou:

- Onde você morava?

- No Igarapé de Manaus – respondi.

- Ah, então você deve se lembrar do Salão Paris que ficava na Avenida Sete de Setembro, 1248, perto da Casa dos Óleos, no Canto do Quintela. O dono do prédio era o Senhor Sombra, um sujeito que tinha muitas propriedades naquela área.

- Sim, lembro muito bem. – confirmei.

Contei-lhe que era filho do luthier Rochinha e que morávamos no Igarapé de Manaus. O meu pai me levava ocasionalmente no Salão Paris para cortar o cabelo.

O senhor pareceu se interessar por mim e começou a contar a sua história:

“O meu nome de guerra é Fragata. Nasci em Parintins, em 1940. Vou fazer 84 anos em maio de 2024. Comecei a trabalhar no Salão Paris na década de 60. O Halph Assayag era um garoto e o pai dele, o Ambrósio Assayag, o trazia para cortar o cabelo comigo. Muita gente importante passou por lá. Em 1965, um militar do exército apareceu por lá e ficou me encarando. Eu fiquei nervoso, achei que ele me achava com cara de comunista. Depois de um tempo, ele veio até mim e disse que eu era um bom profissional e que eu seria contratado para cortar os cabelos dos oficiais duas vezes por semana, das sete às doze horas da manhã. Eu aceitei na hora. Na época da ditadura, todo mundo se recolhia às dez da noite e não tinha espaço para a malandragem. Naquele tempo, havia poucos salões de cabeleireiro, dava para contar nos dedos. Hoje, tem um em cada esquina. Aqui onde eu estou, a malandragem era grande quando as ‘meninas’ faziam ponto. Depois, elas sumiram e o movimento caiu. Os malandros também foram embora, mas a gente não pode relaxar na segurança. Eu casei quatro vezes e tive dezesseis filhos com as minhas esposas. Só dois morreram. Um deles foi o meu primeiro filho que nasceu quando eu tinha só 16 anos. Ele era dono de uma loja de material de construção que fica ao lado do Shopping Sumaúma. Agora, as minhas netas cuidam do negócio. Os meus filhos e netos querem que eu pare de trabalhar, mas eu não posso fazer isso. O homem tem que ser ativo, senão a morte vem buscar. Eu não quero morrer agora, não.”

Pesquisando nos jornais antigos, achei no Jornal do Commercio, edição de 27 de setembro de 1958, mostrando o resultado de uma “Consulta Pública”, na qual apareciam entre os “Maiores de Manaus – Serviços Diversos” o seguinte: Salão de Beleza: Messody Enrique. Salão de Cabeleireiros: Salão Paris. Isto demonstra o quanto era grande, bem equipado, que tinha uma grande clientela satisfeita com os seus serviços.

O Salão Paris de hoje é bem simples, com apenas duas cadeiras e poucos clientes. Mas, segundo o Seu Fragata, alguns fregueses antigos ainda vêm aqui para fazer a barba e cortar o cabelo. Um dia desses, vou voltar ao Salão Paris para cortar o meu pixaim e reviver os bons tempos.

Foto: José Rocha