quinta-feira, 18 de setembro de 2025

O DELEGADO DO DIABO


 Por José Rocha

Na Manaus de antigamente, conhecíamos praticamente todas as autoridades pelo nome — entre elas, os delegados de polícia. Um deles entrou para a história como o “Delegado do Diabo”.

Para os mais jovens, que não sabem nem o nome do secretário de Segurança Pública e muito menos dos delegados atuais, soa estranho ouvir que, em Manaus, havia um homem da lei apelidado de “Delegado do Diabo”. Com razão: a princípio, dá a impressão de que ele teria feito pacto com forças malignas.

Nada disso, meu jovem! Estamos falando de José Ribamar Soares Afonso — paraense, bacharel em Direito, assistente social, jornalista e um verdadeiro maníaco por quadrinhos, um gibiófilo.

Ele morava na Avenida Getúlio Vargas, número 193, e foi casado com a professora Heloisa Helena Antony Afonso, com quem teve duas filhas: Adriana Eugênia e Viviane.

No jornalismo, passou por A Gazeta, O Jornal, Diário da Tarde e Diário Carioca, do Rio de Janeiro — trabalhando em todos até o fechamento.

Quando menino, José Ribamar abriu pela primeira vez uma revistinha Tico-Tico, em 1947, e levou uma bronca da mãe: “Larga isso, menino, é coisa do demônio”. Mas ele não obedecia e continuava lendo as “coisas do Satanás” no banheiro e nas matinês dos cinemas Polytheama e Guarany, que ficavam próximos à sua casa.

Naquela época, considerava-se que essas obras podiam distorcer a personalidade em formação das crianças, por isso professores as proibiam — e sua mãe não o deixava ler tais gibis.

Sem exagero, José Ribamar chegou a ter a maior coleção de quadrinhos da América Latina, com mais de três mil volumes encadernados. Viajou a Portugal, Espanha e França para participar de exposições e adquirir exemplares. Era amigo do radialista Joaquim Marinho, outro grande colecionador da cidade.

Mas por que o chamavam “Delegado do Diabo”? Boa pergunta, que merece resposta.

Ele fez curso de Polícia e Trânsito nos Estados Unidos e ganhou fama nacional ao desvendar o massacre da expedição do padre Calleri pelos índios Waimiri-Atroari.

O apelido, porém, veio de um fotógrafo do jornal A Crítica, Irandi Ferreira. Por ser rigoroso no cumprimento da lei e enérgico em seus plantões — sempre que ele assumia, surgiam crimes dos mais horrendos —, o fotógrafo achou que ele tinha “parte com o diabo”.

José Ribamar adorava diligências policiais e era considerado um “maluco” por impor ordem em Manaus de 1968 a 1979 sem disparar um único tiro. Combatia sem trégua o violento mundo da marginalidade. No DETRAN, chegou a esvaziar centenas de pneus de motoristas infratores. Eita!

Que história doida, não é mesmo?

Após aposentado, voltou a cavalgar o velho Oeste ao lado de Kid Colt, Zorro e Tecas; cortou a galáxia nas naves de Flash Gordon; e perambulou pelas ruas de Gotham City, sempre na esperança de encontrar Batman e Robin em ação — nada era impossível para um colecionador de gibis.

Em 1980, a comunidade reconheceu seu trabalho: o “Delegado do Diabo” recebeu o título de Cidadão de Manaus, em propositura do vereador Walter de Miranda Freitas (PDS).

Segundo o nobre vereador, José Ribamar foi um homem íntegro, muitas vezes injustiçado como delegado-geral de Polícia, pois tornou a instituição mais eficiente e proveitosa para a segurança e tranquilidade da comunidade. Não dava colher de chá aos bandidos e combatia a corrupção, gerando inimizades e despeitos.

O tempo passou, a cidade cresceu, o trânsito ficou infernal e a criminalidade, descontrolada — faz muita falta, com certeza, a figura do “Delegado do Diabo” para colocar ordem em Manaus.

Fontes: Jornal A Crítica e Jornal do Comércio

Foto: Jornal A Crítica