Por José Rocha
Quem foi pai, mãe, criança ou adolescente na
segunda metade da década de setenta jamais esquece a emoção que despertava a
novidade na Praça da Saudade: o famoso Avião da Praça da Saudade.
Era véspera de Natal de 1977 quando um imponente
DC-3 foi montado ali, ao lado da Avenida Ramos Ferreira, bem em frente ao atual
prédio da Caixa Econômica Federal. Ao seu lado, uma placa comemorativa trazia
estes versos: “A presença discreta e
silenciosa desta aeronave na principal Praça de Manaus, com sua proa voltada
para os céus, relembra não apenas as realizações da ‘Cruzeiro’, mas também de
suas coirmãs ‘Varig’ e ‘Tropical Hotel’, vindas do sul longínquo para a
Amazônia. Esses gestos simbolizam o amor e a solidariedade humana, tão
propícios de serem evocados. Nesta véspera de Natal, data felizmente escolhida
pela dinâmica administração da Prefeitura de Manaus, realizamos esta
inauguração. 24/12/1977.”
O prefeito daquele período era o coronel Jorge
Teixeira de Oliveira, o “Teixeirão”, que governou Manaus de 7 de abril de 1975
a 21 de março de 1979, nomeado pela ARENA — sucedendo Frank Abrahim Lima e
antecedendo José Fernandes.
Na juventude, tive o privilégio de entrar naquele
avião pela primeira vez. Anos depois, levei meus filhos pequenos para reviverem
o mesmo encanto. A Praça da Saudade transformava-se em ponto de encontro para
turistas e moradores, sempre lotada aos finais de semana, tomada por risos,
brincadeiras e olhares curiosos para a cabine de pilotagem.
Por sete anos, aquele DC-3 foi o cartão-postal
maior da nossa cidade, até que, em 24 de maio de 1984, a comoção tomou conta de
todos. A população, indignada, assistiu ao desmanche que arrancou o trem de
pouso e as rodas — retirados pela empresa Rico Táxi Aéreo — e, em seguida, viu
o resto da fuselagem ser fragmentado a machado e marreta por operários
contratados por ferros-velhos. Parecia uma produção incansável: não houve pausa
nem para um último olhar.
Jovens pulavam, gritavam e protestavam, mas não
conseguiram evitar o fim daquele símbolo. Com esforço, moradores conseguiram
resgatar a placa de doação e uma das portas, guardando-as como relíquias de um
tempo em que a praça era palco de sonhos. Todos apontaram o então prefeito
Amazonino Mendes como responsável: ele autorizara o desmonte sem ouvir a
comunidade e deixara de escalar um guarda municipal para proteger o DC-3 dos
vândalos.
A foto publicada no jornal A Crítica, em 24 de maio
de 1984, imortalizou o instante em que os operários destruíam o Avião da Praça
da Saudade. Hoje, a nossa praça jaz esquecida: não há mais risos infantis nem
curiosos passeios em volta da cabine. À noite, abriga apenas moradores de rua e
sombras solitárias, um silêncio que dói na memória de quem viveu dias tão
vibrantes.