Em Janeiro de 2011, fiz
uma postagem com o título CIDADE FLUTUANTE DE MANAUS, o Daniel, um dos leitores do
BLOGDOROCHA fez o seguinte comentário: “Olá
prezado Rocha, seria interessante você fazer uma postagem contando um pouco
sobre como é viver num flutuante. Os pontos positivos, negativos, do que você
sente saudades, etc. Acho muito interessante essa peculiaridade da região
norte. Abraços” – atendendo ao nosso amigo, irei citar apenas alguns pontos:
Pontos Negativos:
Éramos discriminados pelos
moradores que moravam na parte de cima da Rua Igarapé de Manaus, pois se
achavam superiores aos pobres moradores de flutuantes. As famílias das ruas
Huascar de Figueiredo e Lauro Cavalcante, com a grande maioria pertencente à
classe média, com belíssimas residências, tinham preconceitos ainda maiores –
algumas falavam que morávamos no “bodozal”.
Na enchente, os moradores e
animais ficavam “ilhados”, com acesso a terra somente por uma pequena tábua,
onde os pequenos e os mais idosos sofriam muito para passar, com risco de queda
dentro de rio. Com a água batendo seis meses, havia o apodrecimento mais rápido das toras de sustentação das casas. As crianças que não sabiam nadar eram vigiadas 24 horas por dia,
pois corriam risco de afogamentos - sofriam também com o ataque de animais peçonhentos,
cobras, jacarés.
Na vazante, os moradores
levaram alguns meses para limpar toda a área, pois ficavam muitos lixos
(garrafas quebradas, latas enferrujadas, tábuas com pregos, etc.).
Para os moradores que não possuíam
luz e água encanada, o sufoco era total, pois tinham que recorrer a lamparinas,
candeeiros e lampiões, não podiam ter nenhum aparelho eletrodoméstico em casa –
na vazante, os banhos eram feitos em cacimbas ou camburões de metal, com água de
beber sendo filtradas em potes, bilhas e filtros de barro.
Os riscos de acidentes
eram maiores, com perfurações de pregos e vidros, muitas verminoses nas
crianças e com frequentes frieiras nos pés (o famoso mijacão) – os incêndios ocorriam
com maior incidência, pois os flutuantes eram construídos de madeira e a
cobertura, na grande sua grande maioria, eram de palhas.
Pontos Positivos:
Uma das grandes vantagens, era caso o caboco tivesse algum problema sério com o seu vizinho, bastava pegar o machado e, detonar a corda principal que amarava o flutuante a beira rio, colocar num “barco
regional”, pedir para ser puxado e, morar no outro lado do rio. Fácil, não!
Na enchente, o balneário
ficava na nossa janela, bastava pular dentro do rio e tomar banho nas águas
límpidas daquele tempo bom, não havia poluição, a não ser um “toletão” que vez
e outra passava ao largo.
Os barcos regionais
ancoravam nos flutuantes, oferecendo a preços mais acessíveis peixes, tábuas,
leites e queijos – os passeios pela orla do Rio Negro eram facilitados. Os
flutuantes serviam de base para muitos pescadores amadores, era o momento em
que os moradores da parte de cima, pediam favor para passar e, respeitavam os
moradores da parte de baixo.
Quando o rio secava, os
moradores se reuniam e faziam campos de futebol, tendo prioridade para formar
equipes e jogar, pois eram os donos da bola, os moradores da parte de cima
tinham que pedir para jogar – os campos serviam também para inúmeras brincadeiras
infantis, além de ser palco para muita porrada
entre a molecada de baixo contra a de cima.
Por morarmos em contato
direto com a natureza, dentro do rio, acompanhando todo o processo de enchentes
e vazantes, a cobocada tinha mais
anticorpos, eram poucas vulneráveis as doenças que acometiam normalmente as
crianças “filhinhos de papai” que não
pisavam de jeito nenhum num bosteiro.
Saudades:
Sinto saudades de todos os
meus colegas de infância do Igarapé de Manaus; das águas do Rio Negro que entravam no nosso igarapé; dos banhos
e dos pulos dentro d água da Primeira Ponte; dos meus vizinhos (Pátria, Cleia Franklin,
Neno, Nega e Wanda); da lamparina, do candeeiro e do aladim; do café torrado e
pilado que tomávamos no nosso flutuante; das peladas nos campos de futebol de
várzea; do nosso querido e amado flutuante; da minha família que morava lá,
principalmente dos que já foram para o andar de cima, a minha avó Lídia, do meu
pai Rocha e da minha mãe Nely. É isso ai.
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