terça-feira, 16 de julho de 2024

DOUTOR CAPA ONÇA

 

Trecho do livro e-book em elaboração “Crônicas do Bar Caldeira, José Rocha”:


Ele morava na Rua José Clemente, próximo ao Salão Grajaú. Foi Diretor do Colégio Estadual (Praça da Polícia) e funcionário da Petrobrás onde se aposentou. Foi também advogado, formado pela antiga UA (atual UFAM), e passou anos militando na profissão.

Doutor Capa Onça tinha seus hábitos peculiares. Adorava tomar cerveja e fazer um esquenta com conhaque (para abrir o apetite). Era fumante inveterado, com aquele pigarro característico. De vez em quando, soltava tossidas tão altas que pareciam convocar uma assembleia de pulmões. E, claro, não podia faltar a cusparada no meio da rua. Coisas de um autêntico boêmio, que curtia seu cigarrinho.

Mas o que realmente chamava atenção era seu apelido: “Doutor Capa Onça”. Todo mundo tremia só de pensar em chamá-lo assim. Afinal, o sujeito que teve a coragem de pegar uma onça pelo braço, imobiliza-la e arrancar-lhe os culhões com uma faca peixeira devia ser um verdadeiro herói. Quem mais faria isso? Só o Doutor Capa Onça! Se ele realmente fez isso, ninguém sabe, mas o apelido pegou.

Eu costuma ouvir a Dona Mary Das Cruzes chamá-lo:

- Capa! Capa! – ele fingia que nem ouvia.

E ela insistia:

- Capa Onça, tô falando contigo! Tá surdo, é?

Ele balançava a cabeça negativamente e resmungava. A rapaziada virava a cara e ria da presepada.

Doutor Capa Onça gostava de conversar comigo e com o meu irmão Rocha Cão do Luso. Éramos contemporâneos dos sobrinhos dele no Igarapé de Manaus. Sempre tinha razão, não adiantava argumentar. Na mesa de bar, não havia espaço para o contraditório. Com aquele vozeirão, ele metia medo. Bebia sozinho no balcão e não era de papear muito com os outros frequentadores.

Um dia, apareceu um vendedor com um carrinho de mão cheio de melancias. Doutor Capa Onça pegou uma por uma, batendo com os dedos fechados e ouvindo o som. Escolheu a maior e mais cara. E, para todo mundo ouvir, declarou:

- Sou nascido e criado no interior, no meio das plantações de melancias. Conheço como a palma da minha mão. Só na batida sei se está boa ou não. Malandragem da capital não me engana, não!

Pagou pela melancia e correu para deixa-la em casa. Quando voltou para reiniciar os trabalhos etílicos, o vendedor já tinha “pego o beco”. Minutos depois, a empregada jogou a bendita melancia na calçada, espalhando pedaços para todos os lados. Ela gritou para o quarteirão inteiro ouvir:

- Doutor, a patroa mandou jogar aqui, porque essa melancia está podre!

Doutor Capa Onça soltou um palavrão e admitiu:

- “PQP”! Foi a primeira vez na vida em que errei!

A galera não se conteve da presepada do Doutor Capa Onça. Segundo Adri Das Cruzes, ele tinha a cara de mau, era valentão e que gostava de discutir sobre tudo com todos. Mas, no fundo era uma pessoa de bom coração.