Por José Rocha
Nós somos da geração dos anos cinquenta e sessenta, a
maioria de nós nascida no Hospital da Santa Casa de Misericórdia e criada no
centro histórico de Manaus. Somos manauaras da gema, alimentados à base de
peixe e farinha.
Tivemos o privilégio de pular da Ponte da Sete diretamente
para o Igarapé de Manaus. Lembro-me de irmos com nossos pais e irmãos para os
“Banhos do V8”, explorando lugares como o Parque Dez de Novembro, a Ponte da
Bolívia e Tarumã, e, também, tomávamos “Banho de Cacimba”.
Éramos moleques travessos, brigávamos nas ruas e levávamos
broncas em casa. Tínhamos rivalidades com a garotada de outras ruas e bairros. Quando
nos encontrávamos em clubes, praças, cinemas ou na rua, as brigas eram
inevitáveis. Tudo era resolvido no “mano a mano”, sem armas brancas ou
revólveres, apenas tapas, chutes e pontapés.
Lembro-me de soltar papagaios de papel feitos pelo “Russo”,
com linha de cerol e rabiola, cortando o céu com pedaços de gilete. Jogávamos
bola nos campinhos de futebol, pois éramos “peladeiros” também das quadras dos
colégios, com arranhões e hematomas de brigas inevitáveis.
Brincávamos de peão e colecionávamos bolinhas de gude e
caroços de tucumã, escapole-bate-e-fica, queimada, esconde-esconde, quadrilhas
e pula-fogueira, com xote e baião.
Nossos dias de escola foram no Barão do Rio Branco,
Estadual, Divina Providência, Nilo Peçanha, IEA, Escola Técnica Federal e Benjamim
Constant. As palmatórias e os castigos na diretoria faziam parte da rotina, e
nosso lanche consistia em pão com pão e leite de Soja e Nescau, sem direito a
repetir nem reclamar.
A “Fanfara” era um espetáculo à parte, e os desfiles
orgulhosos do “Sete de Setembro”, na Avenida Eduardo Ribeiro, eram seguidos por
sorvetes no Pinguim e no A Gogô, além de Caldo de cana com pastel de vento e
bolo de macaxeira nas confeitarias completavam nossas tardes de feriado
nacional.
Passar no vestibular da Universidade do Amazonas era um
privilégio para alguns “CDF”. A maioria estudava Direito na Velha Jaqueira e
Ciências Sociais e Humanas no ICHL, pois faculdades particulares ainda não
existiam.
Nossa turma frequentava os Cines Guarany, Polytheama,
Avenida e Odeon. Assistíamos às apresentações das “Pastorinhas do Luso”, aos
shows musicais do “Titio Babosa” e às peças teatrais do “Vovô Branco”. Os
“Circos” também eram uma atração constante em nossa cidade.
Vivenciamos a chegada dos sinais de televisão da TV
Ajuricaba e Baré, assustados e maravilhados. E o futebol amazonense brilhava na
era de ouro, com partidas emocionantes no “Parque Amazonense”.
Na cidade, todos se conheciam, pelo menos de vista. Sabíamos
os nomes dos vereadores, deputados, senadores, delegados de polícia,
presidentes da COSAMA e da CEM, juízes e promotores de justiça.
O começo da Zona Franca de Manaus trouxe brinquedos,
quinquilharias “made in Japan”, perfumes, alimentos e aparelhos de som.
As lojas Lobras, S. Monteiro, Moto Importadora, Central de
Ferragens, Souza Arnaud, Canavarro, Antônio M. Henriques, TV Lar e Bemol faziam
parte do nosso cotidiano.
Não tínhamos internet nem aparelhos celulares. Nossas
informações vinham das rádios Baré, Rio Mar, Difusora e da famosa “Rádio Cipó”,
além dos jornais do Comércio, A Crítica e A Notícia. Pesquisas apenas em livros
na Biblioteca Pública ou emprestar volumes da Barsa dos amigos mais
aquinhoados.
Minha geração testemunhou a chegada da “Bossa Nova &
Rock”. Adorávamos artistas como Elvis Presley, Beatles, Roberto e Erasmo
Carlos, Wanderléia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, entre outros. Éramos da
época dos “Discos de Vinil” e “Fitas Cassete”, das festas no Acocho, Sheik
Clube, Bancrevia e União Esportiva e das “porradas das galeras do mal”.
Naquela época, as mulheres eram esperadas para casar
virgens. Se um malandro “avançasse o sinal” e a mulher engravidasse, o
casamento era realizado às pressas. Embora não houvesse casamentos entre
pessoas do mesmo sexo, existia algo “por detrás dos panos”.
Homossexuais sempre existiram em todos os tempos, mas
naquela época, eles casavam na igreja e tinham filhos. No entanto, a grande
maioria optava por permanecer solteira pelo resto da vida, sem constituir
família.
Pois é, meus amigos, a nossa geração vivenciou todas essas
nuances. Presenciamos a chegada da internet, dos aparelhos celulares, das TVs
inteligentes e dos sons digitais tipo Spotify e Youtube Music. Mesmo assim, não
nos cansamos de relembrar e escrever sobre aquela época boa de nossas vidas.
Passamos pela pandemia do Covid-19, vendo muitos amigos
partirem. Aqueles que resistiram agora são sessentões, setentões e poucos
oitentões. Aos poucos, nossos amigos da nossa geração estão nos deixando.
Diabetes, problemas cardíacos, AVCs, DSTs e doenças renais os levam
gradualmente.
A vida segue seu curso, e agora é a vez de nossos netos e
bisnetos aproveitarem as modernidades da vida. Quando eles crescerem,
pesquisarão e sorrirão ao descobrir como era a vida de seus avós e bisavôs
naquela época: “Da Nossa Geração”.