sexta-feira, 22 de abril de 2022

DE BAR EM BAR

 

DE BAR EM BAR

José Rocha

Parte I

Sou da Mana Manaus, manauara da gema, escritor e boêmio igual ao meu saudoso pai Rochinha; conhecedor e frequentador assíduo desde tempos idos de todos os botecos tradicionais da nossa cidade, onde presenciei in loco muitos causos e causas perdidas em noites quentes cheias de gentes sedentas de cervejas, músicas e corações para se apaixonar e desapaixonar no dia seguinte.

O meu amigo de longas datas, o Jack Cartoon, editor do O Ralho (a visão contestadora, humorística e diária da realidade), pediu-me para fazermos uma parceria, para eu escrever as minhas crônicas e ele fazer as caricaturas, topei na hora. Será uma honra.

A Mesa da Diretoria do Bar Caldeira                                        

        Até hoje é a preferida pelos mais antigos por dar uma visão privilegiada de todo o interior do bar e ficar bem em frente ao aparelho de televisão. Um lugar ótimo para assistir a um jogo de futebol ou a apresentação de shows musicais interno. Por ser grande é a preferida para fazer comemorações. Tradicionalmente, quem senta na cabeceira de qualquer mesa grande é uma pessoa importante, o chefe superior ou o pai de família. Traz destaque e status para a pessoa.  No Bar Caldeira é a mesma coisa. No entanto, ficou famosa até os dias de hoje por outro motivo. Segundo contam os mais antigos quem        sentar-se, costumeiramente, na cabeceira e de costa para a parede está chamando a morte, pois traz agouro, antecipando a lista da fila dos que irão para o andar de cima. Se for lenda ou não, eu não sento lá de jeito nenhum. Na realidade, aquele lugar é o preferido pela pessoa que bebe todo dia, pois dificulta a sua visualização por quem passa  à    ou  de carro.

        Pavão – É representante de laboratórios farmacêuticos. Grande músico e irmão do Mark Clark e do Flávio de Souza. Nunca o vi bebendo no bar, no entanto passava todos os finais de semana por lá, parava e olhava para dentro do bar e caso conhece o sujeito que estava sentado na cabeceira da mesa, falava, na brincadeira:

- Tu   vais     ser   o   primeiro   da    fila!

De tanto tirar saro da cara dos outros foi apelidado de “Rasga Mortalha”.  

       Tapinha – O seu prenome era Atalpha, mas por ser baixinho ficou conhecido no bar como Tapinha. Certa vez ele foi à missa de sétimo dia de um boêmio do Bar Caldeira, na Igreja de São Sebastião, ele chegou atrasado e bêbado, ao entrar falou bem alto:                 

- Falavam que eu era o primeiro da fila, né? Tô nem ai. Ainda irei enterrar muita gente, incluindo até o padre que está ai no altar!                    

A galera do Bar Caldeira estava em peso, todo mundo começou a rir, incluindo a viúva, os parentes e até o padre e os coroinhas.  O Tapinha continuou sentando na cabeceira da Mesa da Diretoria e

tempos depois atravessou o espelho. O seu filho, o Athalpa Filho, sucedeu ao pai na boêmia. Frequentava o Bar Caldeira aos domingos.  Ele tinha um mote:

- Prefiro  ser  corno  a  ser  diabético!

Certa vez, o Athalpa estava em companhia do advogado Dr. Marco Aurélio, conhecido por “Barrão”, os dois estavam bebendo no Caldeira, quando passou por lá a namorada do Sacy da Pareca, a “Sincera”, ela estava com um shortinho e sapatos altos, desfilando pela José Clemente, quando ia descer o ladeirão da Lobo D´Álmada caiu no chão, essa Athalpa deu uma risada bem alta e ficava apontando para ela. Depois dessa, a Sincera nunca mais apareceu por lá.   Quando ele ia ao bar ficava admirando a foto de seu pai ao lado do Vinicius de Moraes. Infelizmente, não resistiu a Covid-19 vindo   a   falecer   em   dezembro  de  2020.

          Doutor Lió – Era um dentista da melhor qualidade. Querido por todos. Foi um bom amigo. Era espiritualista. Gozador nato e tirava saro de tudo e de todos. Fumava que nem uma caipora. Era inveterado por cigarros. Em 2011 foi aprovada a Lei 12.546 chamada Lei Antifumo que proibia fumar em todo país em ambientes fechados públicos e privados. Apesar de ainda não ser regulamentada, o que somente aconteceu em 2014, o Adriano Cruz, colocou um aviso proibindo expressamente os clientes fumarem dentro do bar. A lei estabelecia multas e até a perda da licença de funcionamento em caso de desrespeito a norma. A segunda providência foi jogar no lixo todos os cinzeiros.  Falava em voz alta:                                      

- Quem quiser fumar, que fume, porém, lá fora, aqui dentro, não! Agora é lei. Leia o aviso na parede.                                                     

Foi complicado. Muitos não aceitavam e teimavam em fumar no interior do estabelecimento, o que eram na hora repreendidos. O Doutor Lió   era   a   única exceção.                                                         

Sempre após o expediente batia o ponto no bar e o seu lugar preferido era exatamente àquele em que   a      maioria       fugia     por ser agourento: a cabeceira da Mesa da Diretoria, de costas para a parede. Meu Deus.  O seu filho mais velho sempre ia ao bar pegar uma grana com o pai, depois que o primogênito saía, ele falava:                                         

- O filho passa nove meses na barriga da mãe e o resto da vida colocando no do pai! – ficava batendo a mão direita aberta na mão esquerda fechada.                     

Era tudo brincadeira, pois amava e admirava muito os seus filhos. Quando levantava para “tirar água do joelho” falava:

- Agora vou pegar no pesado! – referindo ao   seu bilau.

Segundo a atriz Socorro Papoula, ele tinha várias namoradas, mas possuía uma preferida, era uma enfermeira baixinha e bonitinha. Após tomar todas, pagava a conta e dizia:                                               - Agora vou prá casa fazer sexo, a minha namorada Juceta já me ligou várias vezes! – era   a   sua preferida.

Passou uma temporada sem fumar. Ficou abstêmio da nicotina. Quando alguém perguntava o que ele fez para parar de fumar,

respondia:

- Prometi a mim mesmo se voltasse a fumar daria o traseiro duas vezes por semana! 

Não cumpriu a promessa e voltou a fumar novamente. Com o tempo apareceu o nódulo no pescoço, foi crescendo lentamente. Um dia reuniu alguns amigos do bar, entre eles o Adriano, Miudinho e o Jorginho, foram para Maués, no navio Dona Carlota. Ninguém sabia, mas estava se despedindo dos amigos e da vida. Morreu de câncer pouco tempo depois. Será sempre lembrado por  todos  os velhos   boêmios.

       O Lanterninha Farias – Trabalhou por longos anos no Cine Guarany ajudando assentar as pessoas que chegavam atrasadas, pois com a sua lanterninha sabia perfeitamente onde existiam cadeiras vazias.               Ele era um cara que tinha uma grande cabeleira, tirando a todo instante do bolso um pente da marca “Flamengo” para penteá-la. Usava sempre um enorme óculo de sol, acho que se inspirava em algum ator de cinema das antigas, além de ter um vozeirão daqueles e falava pelos cotovelos, parecia com aquele comediante famoso, o “Zé Bonitinho”. O cinema era frequentado por um grupo especial formado pelo Jeremias, Mococa e outros rapazes alegres, que davam em cima da molecada.  O Farias sempre ficava de olho nessa turma que aproveitava a escuridão para alisar os marmanjos. Muitos anos depois, reencontrei o Lanterninha Farias, no Bar Caldeira, pois ele morava por aquelas imediações. Conversamos muito sobre o nosso saudoso Cine Guarany, lembrando e sorrindo dos velhos e bons tempos que não voltarão jamais.  Aparecia somente aos domingos quando a Velha Guarda se apresentava. Bebia somente no lado de fora do bar. Era invocado com a Mesa da Diretoria, falava que ela trazia agouro e quem ali se abancasse por um bom tempo, faleceria precocemente. Coisas de louco. Passou uma temporada enchendo “a cara” debaixo de uma árvore frondosa, no Bar Mangueira, vindo a falecer tempos depois. De nada adiantou fugir tanto da Mesa da Diretoria.

        Artista Plástico Palheta – Era frequentador assíduo do Bar Caldeira. Tive o privilegio de conhecer dezenas de trabalhos realizados pelo grande artista plástico, bem como, de usufruir da sua amizade e de ter tido a oportunidade de conhecer alguns causos muitos hilários, tendo como personagem principal o nobre amigo. Trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, no período de 1975 a 1980, na respeitada função de ilustrador botânico. Tinha uma capacidade incrível para retratar o rosto humano, chegando até ser colaborador da Polícia Civil,  fazendo o famoso “retrato                           Durante todos esses anos de amizade, sempre o apoiei, valorizando os seus trabalhos artísticos, com publicações no BLOGDOROCHA, além de passarmos horas conversando, rindo das piadas e causos que somente ele sabia contar. Gostava de sentar-se somente na Mesa da Diretoria, pois era um artista considerado por todos. Viva somente de seu trabalho, no entanto, passava meses sem vender nenhuma obra, o que o deixava cabisbaixo, mesmo assim não deixava de frequentar o bar e os amigos do peito sempre pagavam umas ampolas para ele. Quando estava “Barão”, andava bem vestido “no linho”, levantava os ombros e a cabeça e pedia somente doses de Uísque. Falavam que ele ficava esnobe e chato (boçal), mas era “mão aberta” e fazia questão de retribuir pagando cervejas para aqueles que ele “serrava”, brindando até com tira-gosto de Queijo Bola.  Quando a fonte secava, voltava novamente a “estaca zero”.  Era o momento para armar-se de sua prancheta, papel A4, lápis e borracha para fazer caricaturas no Bar Caldeira, principalmente aos domingos à tarde quando se reunia a velha guarda mais abastada financeiramente. Certa vez, ele contou-me um acontecido no bar: chegou por lá um sujeito que ninguém conhecia, ele ficou a observar o Palheta fazendo o seu digno     trabalho, chegou perto e falou-lhe:                                          

- O amigo pode fazer a minha abreugrafia?                                    

O Palheta arregalou os olhos e disparou:                                           

- Olha aqui meu amigo, sou o artista plástico Palheta e faço caricaturas, quem faz      abreugrafias     é     ali          embaixo       na   Rua  Lobo  D´Álmada, vai lá e      procura       o      Ambulatório           Cardoso      Fontes!

O cara insistiu:

- Faz essa porra ai mermo!                                    

O Palheta levantou-se, tufou o peito e pensou “Puta que o pariu, seu eu não estivesse liso e com duas contas de luz atrasadas eu daria umas porradas neste tuberculoso, somente para respeitar o trabalho do artista plástico”.  Mesmo assim fez um trabalho caprichado e pelo abuso do camarada cobrou   dobrado pela abreugrafia.

Outra vez, a jornalista Hermengarda Junqueira, do Jornal Amazonas Em Tempo, encomendou uma obra do Palheta. Trancou-se em seu ateliê na Rua Maués, no bairro da Cachoeirinha e fez um belo trabalho. Ele estava “mais liso do que sabão na tábua”. O jeito foi ir de ônibus até o bairro do Aleixo onde ficava a sede o jornal. O busão estava lotado, colocou o quadro na cabeça e foi em pé. Ficava esbarrando em todo mundo. Um cidadão falou:

- Não dá para o senhor abaixar essa Tábua de Pirulito!   

Pense num cara puto de raiva:                                          

- Isto     aqui      é uma obra de arte.  Tábua        de      Purulito  é  o  caralho!                     

Quando chegar lá depois de muito sacrifício, a jornalista falou:                 

- Passe daqui uma semana para receber o seu dinheiro!                    

Ai foi para acabar de vez com o artista:                                            

- Pelo o amor de Deus! Tô na lisura. Vim de ônibus e fui xingado por todos.   Sem    chance.                     Pague        pelo        menos    a      metade          agora!

Ela ficou sensibilizada e pagou tudo no monte. Ai foi graça. Pagou as contas atrasadas e foi direto para o Bar Caldeira, sentou-se na  Mesa da Diretoria e começou a tomar Uísque com queijo bola, é claro!                      

Outra vez, ele e o artista plástico Inácio Evangelista foram contratados para fazerem a ornamentação de carnaval do Clube Sírio Libanês, na Avenida Constantino Nery. Quando estava tudo pronto, chegou o promoter da festa para fazer a verificação dos trabalhos. Falou:        

- Quem fez esta decoração?

O Palheta “subiu nas tamancas”:

- Olha aqui, meu amigo, decoração é coisa de viado. Eu e o Inácio somos artistas plásticos e fazemos uma obra de arte e não decoração!                                      

O Evangelista só achava graça  da   onda   do     Palheta.

        Teve problemas sérios de saúde e veio a falecer em agosto de 2015. Hoje, as suas obras impressionistas       e   abstracionistas  estão  muito  valorizadas em Manaus.

        A Turma do Meio-Dia – Existe uma turma que desde tempos idos gosta de beber quando relógio bate meio-dia, na hora do almoço. Falam que é para abrir o apetite. Geralmente a pedida é cerveja, cachacinha, limão e sal. Isto é tradição.  Passa o tempo, alguns deles partem para o andar de cima, chegam     outros,       sempre             renovando.

Detalhe: eles somente gostam de sentar exatamente na Mesa da Diretoria, sempre existindo um deles na cabeceira   de  costas  para   a   parede.  

Cruz, credo!

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