sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A VOCAÇÃO PARA SER MÚSICO

 



Por José Rocha

Eu tive o privilégio de nascer em uma oficina de conserto e fabricação de instrumentos de cordas, principalmente violões. Cresci e trabalhei até os meus dezessete anos com meu pai, o famoso luthier Rochinha. Tinha tudo para ser um músico ou um luthier, mas não possuía vocação para ambas as profissões.

Eu lixava, raspava, envernizava, serrava e observava atentamente meu saudoso pai fazer e consertar violões, cavaquinhos, bandolins, guitarras, violinos, cítaras e demais instrumentos de cordas, mas nunca aprendi a fabricar nenhum deles.

Convivi desde criança com a oficina de meu pai cheia de músicos nos finais de semana. Eles tocavam, cantavam, bebiam, comiam e celebravam a vida com muita música de qualidade e bons papos. Eu observava tudo aquilo e gostava, mesmo sem saber nem afinar um violão.

Meu pai falava para os amigos que nenhum de seus filhos possuía vocação para a luteria e muito menos para serem músicos. Na realidade, papai tinha vocação para fazer instrumentos musicais, mas não sabia tocar violão, fazer composições e muito menos cantar.

Sabemos que um músico é uma pessoa que compõe, interpreta ou executa música. Eles podem tocar instrumentos musicais, cantar, ou fazer ambas as coisas. Eles também podem fazer composição de melodias, escrita de letras, arranjos musicais, performance ao vivo, gravação em estúdio, ensino de música e muito mais. A profissão de músico pode envolver apresentações solo, como parte de uma banda, orquestra, ou coro, bem como colaborar com outros artistas em projetos criativos.

Eu, o Rocha Filho e o Henrique não tínhamos nenhuma vocação para nada disso, apesar do nosso convívio diário com a fabricação de instrumentos musicais e com as performances dos músicos regionais.

Mas, afinal, o que significa o termo vocação? Segundo os estudiosos, é um chamado ou inclinação natural que uma pessoa sente para seguir determinada profissão, carreira ou estilo de vida. É frequentemente associado a um senso de propósito ou missão pessoal que orienta as escolhas de alguém ao longo da vida.

Uma pessoa vocacionada para ser músico transmite alguns sinais desde cedo, tais como: paixão pela música e talento natural. Com o passar do tempo, dedica várias horas à prática musical sem sentir que é um sacrifício, além de ter uma vontade de melhorar constantemente e outros atributos.

Apesar de possuir dois violões feitos pelo meu pai, realmente, essa não era a minha praia. Gosto muito dessa profissão, tanto que frequento os lugares onde os músicos de nossa terra tocam e cantam. Às vezes queria estar ali no palco fazendo o que eles sabem fazer, no entanto, com o passar do tempo, descobri que a minha vocação é para ‘escrever quase certo por linhas tortas’, tanto que poderia passar a noite toda escrevendo sobre este assunto sem parar ou até escrever um livro sobre a minha vivência com os músicos e a profissão do luthier Rochinha.

Por falar em músico, hoje, é comemorado no Brasil o Dia do Músico, em homenagem a Santa Cecília, padroeira dos músicos, que segundo a tradição cristã, sofreu o martírio neste dia. A celebração do Dia do Músico busca reconhecer e valorizar o trabalho dos músicos, que com suas habilidades e talentos, enriquecem a cultura e a vida das pessoas.

Parabéns a todos os músicos de nossa terra! Vocês tiveram a vocação para serem músicos, isto não é para qualquer um não!

sábado, 2 de novembro de 2024

PAPAGUARA S.A. – MASSAS ALIMENTÍCIAS



Foi inaugurada às 11:30 do dia 11 de dezembro de 1966, na Avenida João Coelho, 2.164 (atual Avenida Constantino Nery), tendo como Diretor-Presidente o Senhor Antônio Simões. Um empreendimento arrojado e avançado para a época, contando com um forno Eletro-Vulcão, construído em São Paulo pela firma Útil S.A. – Indústrias Metalúrgicas. Um equipamento que produzia, em oito horas, quatro mil e quinhentos quilos de bolachas ou biscoitos. Produzia, também, três mil quilos diários de macarrão, além de pão.
A fábrica possuía uma área coberta de dezessete metros e setenta centímetros de frente por oitenta e oito metros de fundos. O empreendimento contou com financiamentos do Banco do Brasil e do Banco do Estado do Amazonas, com um investimento de cento e oitenta milhões de cruzeiros. A diretoria era composta por: Antônio Andrade Simões (Presidente), Délio Santiago Farias (Diretor Comercial), Nestor Neves (Diretor Industrial) e Wilson Guimarães de Oliveira (Diretor Secretário).
A inauguração contou com a presença do governador em exercício, Doutor Anfremon Monteiro, que cortou a fita simbólica e oficializou a nova fábrica. Em seu discurso, enalteceu a obra e parabenizou seus criadores pelo empreendimento de grande interesse para o Estado do Amazonas. Também estiveram presentes o Arcebispo Dom João de Souza Lima, que proferiu as bênçãos de Deus, o Cel. Neper Alencar, Chefe da Casa Militar, e João Furtado de Mendonça, presidente da Federação das Indústrias do Amazonas. Os diretores e empregados inauguraram uma placa de bronze em homenagem ao presidente, que ficou surpreso e emocionado.
O Diretor David Melo fez o seguinte discurso: “Pode-se dizer que o estabelecimento industrial que agora se inaugura teve sua semente plantada no distante ano de 1904, quando o lusitano Clemente Rodrigues Simões constituiu a firma Simões & Cia., na Rua Barão de São Domingos, onde ainda hoje funciona a Fábrica Brasil. Nessa firma social de seu genitor, Antônio Andrade de Simões, Diretor-presidente da atual Papaguara S.A. – Massas Alimentícias, trabalhou como empregado, realizando serviços chamados de ‘banca’, sendo admitido como sócio em 1947. Houve um desdobramento da firma Simões & Cia. em 1957, quando foi constituída a Panificação e Pastifício Guarani Ltda., da qual surgiu a sigla Papaguara, composta pelos quotistas Antônio de Andrade Simões, Manoel Alexandre dos Santos, Antônio Alexandre Pereira, Delio Farias e Nestor Neves, todos eles que começaram sua vida como empregados.
Transformação jurídica operou-se na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, que passou a ser por ações em 15 de outubro de 1962, surgindo a Papaguara S.A. – Massas Alimentícias, cuja primeira diretoria, ainda em exercício, ficou constituída por Antônio Andrade Simões, Delio Farias, Nestor Neves e Ilson Oliveira. Em julho de 1962, iniciou-se a construção do prédio desta fábrica, cujo equipamento para bolachas e biscoitos existe em três ou quatro estabelecimentos similares nas grandes capitais do país. A seção de macarrão está montada com equipamento da SIam – Torquato de Tella S.A. e com secadores de Saima S.A.
A Fábrica Papaguara foi projetada e executada com observância dos requisitos técnicos necessários para oferecer ao nosso Estado um estabelecimento à altura de seu progresso e desenvolvimento. Na fase experimental, foi contratado um profissional de renome internacional, a fim de que os produtos aqui produzidos, pelos processos mais recentes e sob rigorosas condições de higiene, em nada fiquem devendo quanto à composição, sabor e apresentação aos produtos das grandes praças, ainda assim vendidos por preços bem acessíveis.
A Diretoria sente-se no dever de expressar seu reconhecimento a quantos colaboraram para a concretização deste empreendimento, pois o fruto dessa colaboração é um atestado das excelências dos regimes democráticos, que asseguram e estimulam a livre empresa, como uma das condições básicas para a prosperidade e bem-estar de um povo, dando ainda a oportunidade aos homens de trabalho, iniciativa e visão. Moção especial aos empregados da casa, às autoridades, aos comerciantes e industriais, aos senhores e senhoras, a todos, enfim, nossa maior gratidão.”
Passados mais de sessenta anos, quem passa pela Avenida Constantino Nery, em direção aos bairros, nota um pequeno prédio em frente ao Colégio Solon de Lucena, praticamente abandonado, e ao seu lado um outro prédio com fachada mais moderna, também abandonado, com fundos na Avenida Djalma Batista. Os mais jovens sequer imaginam que naquele local foi instalada a Fábrica Papaguara e a Fábrica da Coca-Cola.
Não entendo até hoje o motivo deste abandono por parte dos atuais diretores do Grupo Simões. Para quem não sabe, o referido grupo é atualmente formado por seis empresas e uma sede administrativa, organizadas em três grandes divisões: Gases Industriais, Veículos e Logística Portuária. Localizadas nos estados do Pará, Rondônia e Amazonas, geram mais de 500 empregos diretos, além de tantos outros indiretos – resultado do desdobramento das atividades com clientes e fornecedores. Incluem a Fábrica da Coca-Cola, Terminal Portuário de Novo Remanso, Carboman, Murano Veículos e Shizen Veículos.

Homenagem aos Entes Queridos e Vizinhos

 

                                                           Foto: José Rocha

Jose Rocha

Hoje, 02 de novembro, é um dia especial para refletir sobre a vida e homenagear àqueles que fizeram parte de nossas vidas, sejam familiares, vizinhos ou amigos que deixaram suas marcas.

Lembro-me do meu tio José Martins, um cearense que veio jovem para Manaus e nos deixou poucos anos depois. Meu irmão primogênito, José Rui, partiu quando ainda era um bebê, uma dor que marcou profundamente nossa família.

Minha primeira experiência com a perda foi aos dez anos, com o velório da minha avó paterna, Lídia Martins. Ela cuidou de mim e dos meus irmãos desde o nosso nascimento até seus últimos dias. Tempos depois, perdi também minha avó materna, Maria Soares, que sempre era uma presença querida em nossa casa.

Minha mãe, Neli Soares, sofreu longamente com o diabete, ficando cega e precisando amputar parte da perna. Seu sofrimento foi imenso, mas sua bondade e amor continuam presentes em minha memória. Sinto sua falta todos os dias.

Meu pai, o querido Rochinha do Violão, foi um batalhador que passou muitos anos em uma cadeira de rodas. Cuidei dele até seu último suspiro. A dor de perder meu primeiro netinho, que nasceu prematuro e faleceu em seguida, ainda ecoa. Também perdi meu sobrinho recém-nascido, filho do Rocha Filho.

Entre outros parentes queridos que partiram estão minha tia Margarida, e meus tios Roberto, Manuel e Raimundo. A saudade se estende a inúmeros primos e tantos vizinhos e amigos, como Quirino, Bahia, Boanerges, Geovina, Lucy, Cilo, Deusa, Taca, Branco, Lindalva, Walder, Dorval, Nascimento, Morena, Paulinho, Zé Maria, Lapinha, Renato Chaves, Edson, Dona Vanda, Tia Daka, Tio Jorge, Compadre Otávio, Paulinho, Anubio, Madeira, Joaninha, Nelvia, Pedro, Dona Isabel, Mendonça, Jordan, Mira, Dona Ramide, Radize, Virginia, Padrinho Acrísio, Regina, Rui, Bringel e Dona Mariazinha, Tiko, Sarto, Conte Telles, Hélio, Goiaba, Dona Noêmia Bitar, Dona Maria Geovina e Senhor Zé, Toscano, Marcus, Armando, Carlinhos, Marcão, Dudu Braga, Dona Branca, Jokka, Pinha, Palheta e tantos outros que cumpriram sua missão e voltaram à terra, com seus espíritos elevados a um plano superior.

Hoje, prestamos nossa homenagem a todos esses entes queridos, cujas lembranças permanecem vivas em nossos corações. Que eles encontrem paz e que suas memórias sejam uma luz que continua a nos guiar. 
🌹 

Ver menos

— em Cemitério São João Batista

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

ESTÁDIOS DE FUTEBOL DE MANAUS – UMA VERGONHA Por Ari Neto

 

Em 2014, ano da Copa do Mundo de Futebol, o Brasil foi palco de um dos maiores eventos esportivos do planeta. Manaus, nossa querida cidade, foi agraciada com quatro jogos, o que nos encheu de orgulho. No entanto, esse evento também deixou alguns dissabores que perduram até hoje.

Para que o evento ocorresse em nossa cidade, o governo federal e estadual realizaram pesados investimentos para adequar a infraestrutura ao megaevento, tudo ditado e supervisionado pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). O Estádio Vivaldo Lima foi demolido em 12 de julho de 2010 para dar lugar à “Arena da Amazônia”. Tempos depois, por força de lei, passou a chamar-se “Arena da Amazônia Vivaldo Lima”, como forma de preservar um pouco de nossa história.

Para o treinamento dos jogadores antes dos quatro jogos, foram credenciados três campos de futebol, entre eles o antigo Campo da Colina (São Raimundo) e o Estádio Municipal Carlos Zamith (Aleixo), com todas as obras sendo supervisionadas para estarem dentro do chamado “Padrão FIFA”.

Passados 10 anos, a Arena da Amazônia virou um ‘Elefante Branco’, servindo mais para shows musicais do que para eventos esportivos. O custo elevadíssimo de manutenção afugenta os times locais, que só jogam lá em grandes eventos com potencial de lotação.

Os Centros de Treinamento, que também estavam ociosos, tornaram-se a opção dos times locais para jogos de menor porte. No entanto, por terem sido construídos com o ‘Padrão FIFA’, não levaram em consideração nosso clima, com seis meses de chuva e seis meses de sol intenso.

Para exemplificar, o outrora ‘Campo da Colina’ possuía uma parte coberta para a torcida ‘VIP’. Com a reforma, não há mais nada que proteja os torcedores do sol inclemente e das chuvas de inverno.

O Estádio Carlos Zamith é um caso muito sério. Recentemente, o governo do Estado do Amazonas, em parceria com o Amazonas FC, investiu uma fortuna para adaptá-lo para um público de dez mil pagantes. No entanto, apesar de todos os investimentos, não pensaram no público: não existe nenhuma cobertura para proteger os espectadores do sol e da chuva.

Com a ascensão do clube Amazonas FC, mulheres e crianças começaram a frequentar os estádios, o que é muito positivo. No entanto, percebo o sofrimento deles, principalmente no Carlos Zamith.

Isto é uma vergonha!

O ‘Parque Amazonense’ possuia cobertura. O Estádio Vivaldo Lima também tinha, assim como o antigo Estádio da Colina. A atual ‘Arena da Amazônia’ possui cobertura, mas tornou-se antieconômica para os jogos locais. Os atuais ‘Campo da Colina’ e ‘Carlos Zamith’, que deveriam ser os ‘Salvadores da Pátria’, deixam todos os espectadores à mercê do sol e da chuva, pois não possuem nenhuma cobertura.

Isto é, mais uma vez, uma vergonha!

sábado, 28 de setembro de 2024

O ZÉ MUNDÃO DE MANAUS Por José Rocha Parte I – Livro E-book

 Nasceu em Manaus, na Santa Casa de Misericórdia, na década de 1950. Quando veio ao mundo, os sinos da Igreja de São Sebastião batiam doze badaladas, exatamente no aniversário do presidente Juscelino Kubitschek. Seus familiares cogitaram chamá-lo pelo prenome do mandatário maior da Nação, porém, ao ser batizado na Igreja dos Remédios, recebeu na pia batismal o nome de José, em homenagem ao seu avô, um cearense que veio para a Amazônia coletar látex.

Seu primeiro lar foi um flutuante (casa de madeira apoiada em enormes toras, próprias para flutuar na água), no Igarapé de Manaus. Para não fugir à tradição, sendo filho e neto de cearenses, passaram a chamá-lo de Zé, um diminutivo carinhoso de José, o mais novo dos irmãos, o caçula queridinho da família. Seus irmãos mais velhos eram conhecidos por José “Galinha Preta”, José “Pacu” e a única mulher, batizada de Maria José, mais conhecida por Zezinha. O nome Zé tinha que estar presente de qualquer maneira.

O local onde Zé morava era um braço do rio, parte de um conglomerado de residências conhecido como Cidade Flutuante, com a maior concentração de casas situada atrás da Rua Barão de São Domingos. O processo de ocupação do leito do rio foi iniciado com o declínio do fausto da borracha, que ocasionou a falência dos seringalistas e levou uma multidão de seringueiros a ficarem sem eira nem beira. Sem ter onde morar, a solução inicial foi a construção de casas sobre as águas da orla do rio Negro e, naturalmente, pelos igarapés que cortavam a cidade de Manaus.

 

As habitações construídas sobre troncos submergíveis, tornando-as flutuantes, possuíam assoalhos e cômodos de madeira, com a cobertura, em sua maioria, feita de palha. Aqueles que dispunham de mais recursos as cobriam com folhas de zinco. Formavam um imenso conglomerado, tão grande que chegou a ser conhecido como uma cidade dentro da própria cidade de Manaus, com mais de duas mil casas e aproximadamente doze mil habitantes.

Neste local existia, além de moradias, todo tipo de comércio: estivas, ferragens, restaurantes, gabinetes dentários, consultórios médicos, drogarias, oficinas de conserto de motores marítimos, vendas de borracha, castanha, juta, couros e peles de animais. Qualquer atividade existente em terra também existia na cidade flutuante! Alguns achavam que aquilo era um cancro, uma vergonha para os habitantes da terra firme, mas foi exatamente ali que o pequeno Zé passou sua infância de forma muito feliz.

Morar em flutuante tinha seus pontos negativos, mas também positivos. A família do Zé era discriminada pelos moradores da parte de cima da Rua Igarapé de Manaus, que se achavam superiores aos pobres moradores de flutuantes. A maioria das famílias residentes nas ruas Huascar de Figueiredo e Lauro Cavalcante, pertencentes à classe média e possuidoras de belíssimas residências, manifestavam preconceitos ainda maiores: falavam que aqueles moravam no bodozal (na lama, onde se reproduz o peixe acari bodó).

Durante a enchente, a família e os animais de criação (gatos e galinhas) ficavam ilhados, com acesso à terra permitido apenas por uma pequena tábua, espécie de escada. O pequeno Zé sofria bastante para passar, pois o risco de queda dentro do rio era grande. Com a água batendo seis meses na madeira, ocorria o rápido apodrecimento das toras de sustentação – dessa maneira, para a troca das bóias, era realizado um mutirão. O danado do Zé era vigiado 24 horas por dia, pois corria risco de afogamento. Em decorrência disso, ele aprendeu a nadar ainda curumimzinho (menino pequeno).

Outra complicação: todos sofriam também com o ataque de animais peçonhentos, cobras e jacarés. Na casa dele não havia luz elétrica nem água encanada. O sufoco era total, pois tinham que recorrer às lamparinas, candeeiros e lampiões para iluminação dos cômodos - um martírio, pois não podiam usar nenhum aparelho eletrodoméstico em casa. O café era torrado e pilado dentro da habitação e fervido num fogareiro à lenha; as roupas eram passadas com ferro de engomar a carvão e a comida era cozida num fogão a lenha, tudo manual, típico de uma casa de ribeirinhos da Amazônia.

Na vazante, a família levava alguns meses para limpar toda a área externa, pois ficava muito lixo espalhado pelo chão, como garrafas de vidro quebradas, latas enferrujadas, tábuas com pregos etc. Por isso, o coitado do Zé vivia sempre com cortes nos pés e muitas feridas pelo corpo. Os banhos eram feitos em cacimbas ou camburões de metal, com água de beber sendo filtrada em potes, bilhas e filtros de barro.

Existia uma grande vantagem: caso o caboclo tivesse algum problema sério com o vizinho, bastava pegar o machado e cortar a corda principal que amarrava o flutuante à beira do rio, ou colocar uma amarra num barco regional, pedir para ser puxado e mudar-se para o outro lado do rio. Como a família do Zé era benquista por todos os vizinhos, nunca precisou sair do local onde morava.

Durante a enchente, o balneário ficava à altura da janela do flutuante do Zé, bastava pular dentro do rio e tomar banho nas águas refrescantes, pois ainda não havia poluição em demasia, apesar dos moradores despejarem dejetos de privadas diretamente no igarapé. Os barcos regionais ancoravam no flutuante do Zé, oferecendo a preço acessível peixe, leite, queijo, farinha e outros produtos regionais, além de tábuas e palhas para a manutenção da casa.

Zé foi estudar no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Sua avó o matriculou no primeiro ano forte (equivalente à segunda série), mas o Zé não sabia ler nem escrever. A primeira tarefa na escola foi realizar uma cópia e ele, na malandragem, pediu ao seu colega Nascimento para fazê-la. Ocorre que seu confrade era canhoto, que pegou o caderno do Zé Mundão, virou na melhor posição e fez a cópia todinha. O Zé foi entregar o trabalho:

– Fessora Genevova, taí a cópia, tá bonita? – falou todo gabola da vida.

– Vá fazer outra cópia, você fez com o caderno de cabeça para baixo! – disse a professora, dando-lhe aquele ralho.

Não se conteve, chorou que nem um bezerro desmamado. Então, a professora descobriu que ele estava na série errada e o encaminhou para a alfabetização. Cobrir as letras foi uma graça para Zé Mundão. Mas, o que ele mais odiava era a hora da merenda, pois não trazia nada de casa e ainda tinha que encarar aquele leite de soja, enviado ao Brasil em decorrência do projeto dos ianques “União Para o Progresso”. O jeito era filar a merenda dos meninos do pré-escolar.

Num certo dia, Zé foi pego e levado pela orelha até a diretoria. Seus pais foram chamados à atenção - moral da história: ganhou uma lancheira novinha em folha, com direito a suco de maracujá e sanduíche de pão com pão. A partir daí, começou a adorar a hora da merenda, gostava de deixar seus colegas com água na boca, e nunca mais tomou o famoso leite de posto!

sábado, 7 de setembro de 2024

‘Ária Ramos subindo ao Céu – Amor e Tragédia em 1915’ - E-book em formato PDF à venda por R$ 20,00

 

E-book em formato PDF à venda por R$ 20,00

Interessados podem fazer o pagamento via Pix para a chave 92991537448

(José Martins Soares). 


Após o pagamento, envie o comprovante para o WhatsApp no mesmo número.

O e-book será enviado para o e-mail informado e/ou via WhatsApp.

Agradeço pela sua compra e pela colaboração com o autor.

 

Este livro é resultado de intensas pesquisas em jornais antigos, revistas, livros e documentos judiciais sobre o caso de Ária Ramos, cuja morte ocorreu na madrugada de 17 de fevereiro de 1915, um período marcante na história da cidade de Manaus. Apresenta-se como um romance histórico que narra um assassinato em um baile de carnaval no Ideal Clube. Para a justiça, foi considerado uma fatalidade; para a sociedade manauara, um crime passional.

Ao escrever este livro, levei em consideração tanto a memória coletiva do povo amazonense quanto os registros históricos. Enquanto a memória coletiva é subjetiva e apresenta diferentes versões do mesmo evento, os fatos históricos são objetivos e precisos, baseados em fontes oficiais e aceitos pelos historiadores. A fusão desses elementos enriqueceu a narrativa, tornando-a atraente para diversos públicos. Embora a história em si possa parecer insossa, a memória coletiva dá cor e brilho ao fato histórico, revestindo-o de vida. Essa combinação de elementos também aumenta o interesse dos leitores.

O livro, fruto de minha imaginação criativa, além de fatos narrados em diversos meios de comunicação e da colaboração da Inteligência Artificial, baseada em sistemas neurais artificiais inspirados no cérebro humano, pode conter erros e omissões. No entanto, seu objetivo principal não é julgar aqueles já absolvidos pela justiça dos homens, mas sim oferecer um vislumbre da história antiga, atual e futura de Manaus, bem como do que perdura na memória de seu povo através dos séculos.

Ao explorar o passado, o presente e até mesmo o futuro distante da cidade de Manaus, espero incutir nas pessoas a ideia de que um homem não é dono de uma mulher nem de seu destino, mas sim que o respeito deve prevalecer em todas as relações.

O feminicídio, um assassinato de uma mulher, é motivado por ódio, desprezo, prazer ou um sentimento de posse em relação à vítima. Isso exige dos governos e dos políticos uma ação mais efetiva na criação de uma legislação e aplicação mais severa da lei, além de educação e conscientização por meio de campanhas de sensibilização e mudanças culturais e sociais.

‘Ária Ramos subindo ao Céu – Amor e Tragédia em 1915’ é o meu debute literário em um romance histórico. A obra envolveu uma série de desafios, destacando-se o desenvolvimento da trama, dos personagens e a construção de um mundo real e irreal. Inspirada pela física teórica e pela liberdade criativa da ficção, desafiou as fronteiras do tempo e espaço. Na trama, a personagem principal está no passado e encontra-se em sonhos com uma personagem do presente. Ambas viajam para o passado por meio de um portal, voltam ao presente e, posteriormente, desloca-se para o futuro com outra personagem. Essa exploração de diferentes épocas é estudada na física teórica, onde algumas teorias, como a relatividade geral de Einstein, sugerem que sob condições extremas isso é possível. No entanto, na prática, atual, ainda não é viável, sendo mais ficção científica do que realidade.

Por outro lado, na minha imaginação de escritor, tudo é possível. Personagens vivenciam aventuras em diferentes épocas, presenciam eventos importantes e até mesmo mudam o curso da história. A ficção oferece um espaço seguro onde as regras da física são flexibilizadas para levar até você, leitor, a minha mensagem.

Num sábado de verão amazônico, por volta do meio-dia, visitei o Cemitério São João Batista. Esse horário é considerado um ponto intermediário entre o nascer e o pôr do sol, um momento de convergência de energias, equilíbrio entre a luz e a escuridão, ideal para as sensações especiais. Com uma dica da administradora do campo-santo, procurei o mausoléu de uma moça com um violino na Quadra 5, que ficava próximo ao Cemitério Israelita ‘Chevrah Kadishah de Manaus’ (Sociedade de Sepultamento). Entre centenas de túmulos, eu não conseguia localizar o de Ária Ramos. Enquanto olhava para um lado e para o outro, ouvi o timbre de um violino, um som que o distinguia dos demais instrumentos de cordas. Juro que não havia uma viva alma naquele lugar. Após muita busca, acredito que a própria Ária tenha me guiado até ela. Ao longe, conseguir visualizá-la entre uma imensidão de túmulos. Ao ficar bem em sua frente, fiz o sinal da cruz e pedi sua permissão para escrever este livro sobre sua história. Fechei os olhos e senti, no fundo da alma, que fui autorizado. Agradeci e me despedi, orando para ela continuar ao lado do Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao chegar em casa, fiz questão de ouvir a valsa ‘Subindo ao Céu’, tocada no violão pelo músico Dilermando Reis, em sua homenagem.

Este pequeno livro, com pouco mais de quarenta páginas, é repleto de emoção e inspiração histórica. Desejo a todos uma boa leitura, que enriqueçam seus conhecimentos, reflitam sobre suas vidas, valorizem mais nossa história e memória coletiva. Que todos tenham uma envolvente viagem no tempo!

Que Deus nos abençoe. Amém.



quinta-feira, 5 de setembro de 2024

OS CINEMAS DE MINHA VIDA

 Por José Rocha

CINE POLYTHEAMA - Por ficar próximo à minha rua, era um dos que eu frequentava na minha infância. Minha meia-irmã Kelva trabalhava no Cine Polytheama como bomboniere (vendedora de bombons e goma de mascar), ficando às vezes na portaria quando o movimento estava fraco. Era o momento certo para eu entrar sem pagar e ainda desfrutar de algumas balas de minha preferência, o gardano (sabor menta). O Cine Polytheama ficava na esquina das avenidas Sete de Setembro e Getúlio Vargas, e pertencia à empresa São Luiz (nome de fantasia do grupo Severiano Ribeiro). Seu nome era uma junção de “poli”, de origem latina, significando muito, e “theama”, procedente do grego, denotando espetáculos, ou seja, muitos espetáculos. Trata-se de uma denominação utilizada em diversos cinemas e teatros no Brasil. A saída dava-se pela Avenida Sete de Setembro. Com problemas estruturais sérios e sob fiscalização rigorosa da Prefeitura e do Instituto Nacional do Cinema, o estabelecimento teve as suas portas fechadas definitivamente. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional está mais vigilante, pois, a partir de 2012, todo o centro histórico de Manaus foi tombado. Infelizmente, os cinemas de Manaus foram destruídos antes da proteção por lei. Atualmente, abriga uma loja de departamentos. Conservada a parte externa pela Avenida Sete de Setembro, o restante do prédio foi totalmente destruído pelo “progresso” e falta de sensibilidade por parte do proprietário e empresários.

CINE GUARANY - Eu contava com a opção de assistir sem pagar no Cine Polytheama, mas o cinema de minha preferência era o Cine Guarany, que eu frequentava aos domingos, sempre na sessão das 12h45, quando passavam dois filmes: um de bangue-bangue (faroeste) e outro sobre o império romano. O Guarany ficava na Avenida Sete de Setembro, esquina com a Rua Leovegildo Coelho, tendo sido originalmente Cine Olympia, depois Cine Teatro Alcazar. Foi construído com um estilo arquitetônico inspirado no Oriente Médio (mourisco). O último proprietário foi o empresário Adriano Bernardino, tendo na gerência o Vovô Vasco. O aniversário do cinema ocorria no dia 6 de agosto, ocasião em que a cidade ficava em festas, com a programação iniciando bem cedo, com fogos de artifício soltados às seis da manhã, além de ser tocada repetidamente nos alto-falantes a ópera “O Guarany”, do maestro Carlos Gomes. Nesse dia, assistia-se a Cinema ao Ar Livre, com a tela montada no teto do Bar do Pina (que ficava em frente ao cine), passando filmes desde as nove da manhã até às oito da noite. Durante o dia, eram distribuídos centenas de brindes, além de bombons, balões e gibis para a petizada. Este cinema fechou definitivamente as suas portas, sob intenso protesto dos manauaras. Presenciei a derrubada do prédio para dar lugar a uma nova edificação, que abriga uma agência bancária. Foi mais um prédio histórico que foi destruído pelos empresários e pessoas insensíveis que não tinham o menor respeito pela nossa história. Ficou somente a lembrança e nada mais.

 

EU E O CINE GUARANY - Antes de ir ao cinema, eu passava parte da manhã tomando banho no igarapé, pulando da ponte, tanto que, quando dava conta do horário, já era próximo do meio-dia. Corria até em casa, tomava um banho rápido para tirar o cauixi e vestia às pressas a domingueira. Não dava tempo para almoçar. Saía correndo em direção ao cinema que, ainda bem, ficava próximo à minha residência. Enquanto estava na fila para comprar o ingresso, aproveitava para saborear um famosíssimo cachorro-quente (sanduíche de pão com picadinho de carne), servido com refresco de maracujá. Eu gostava de observar a estratégia de um pedinte chamado Jaú. Um senhor moreno de idade, que ficava remexendo umas moedas antigas (patacão) nas mãos, a fim de chamar atenção dos que estavam na fila dos ingressos. Vez ou outra, fazia o pedido: “Uma esmolinha para o cego, uma esmolinha, por favor!” Os mais velhos diziam que ele não era totalmente cego, pois sempre conseguia desviar-se dos homens. Das mulheres, nem tanto, indo direto aos seios, daí ser conhecido por Jaú Mão Boba. Gostava de ficar na área de cima, chamada de poleiro. Quando as luzes se apagavam, era o momento certo para xingar, jogar papel e cuspir no pessoal que ficava no térreo. Algumas vezes era pego, ocasião em que não se livrava de uns doloridos cascudos; outras, era somente advertido pelo lanterninha Farias. Tudo era diversão: o sinal sonoro avisando do início da sessão, o barulho dos ventiladores centrais e laterais, o fechamento das portas de madeira, a escuridão, a abertura das cortinas do telão e o piscar das luzes multicoloridas, o defender do ataque dos veados (homossexuais) que davam em cima dos jovens, os gols da rodada e a gritaria da molecada enxotando o “Condor” para iniciar o filme. Isso marcou a vida de toda uma geração. Lembranças que ficam para sempre.

ASSISTINDO AO FILME “E O VENTO LEVOU” - Eu vendia gibis usados em frente ao Cine Guarany. Sempre fui fissurado em cinema desde a minha tenra idade. Ficava louco para entrar e assistir a um filme, não importando qual o gênero. O importante era sentar numa poltrona e desfrutar da Sétima Arte. Fiquei afoito para assistir ao famoso “E O Vento Levou” (que versa sobre a Guerra Civil americana, com o acidentado romance entre a bela e mimada Scarlett O’Hara e o cínico e aventureiro Rhett Butler, naquele que é considerado o maior filme de todos os tempos. Superprodução de 4,25 milhões de dólares, o mais caro até então e, em se tratando de atualização monetária, um dos mais caros de todos os tempos). Havia dois problemas: primeiro, era de longa duração, em torno de quatro horas e, segundo, o juizado não permitia menor de doze anos entrar para assistir à película. Minha intenção era entrar na marra. Com um olho no gato e o outro no peixe, quando o porteiro abriu a guarda, dei aquela furada (entrar sem pagar). Corri na escuridão do cinema, fiquei quieto na última fila de um lugar chamado poleiro, com um olho na tela grande e o outro no “lanterninha” Farias (funcionário que usava uma lanterna para ajudar as pessoas a encontrar uma poltrona vazia), para não ser pego de surpresa. As quatro horas passaram num passo de mágica e, na saída, misturei-me à multidão, saindo sem ser notado. Já era quase meia-noite. Quando me aproximava da cabeça da Ponte Romana I (na Avenida 7 de Setembro), uma multidão veio ao meu encontro, sem que eu soubesse o que estava ocorrendo. Nessa ocasião, choveram perguntas sobre o meu paradeiro. Fiquei meio sem jeito, mas falei que estava assistindo ao filme “E o Vento Levou”, e nada mais! Avisados os meus pais, estes começaram a chorar de alegria quando me avistaram, pois tinham mobilizado os moradores da Rua Igarapé de Manaus e seu entorno para procurar-me. Na época, a cidade de Manaus era bem pacata, as crianças brincavam na rua até no máximo às nove horas da noite, quando todos entravam em suas casas. Fiquei proibido por uns meses de ir ao Cine Guarany. A peia eu encarei sem chorar, mas ficar sem assistir a um filme foi um martírio; chorava todo final de semana. Mas não teve jeito, tive que cumprir o castigo.

Fonte: Livro e-book ‘O Igarapé de Manaus, José Rocha’

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

FOTO ANTIGA DE MANAUS

 

José Rocha


Faz dez anos que fiz uma montagem de uma fotografia antiga em que aparecem o Chafariz da Praça da Matriz e, ao fundo, a sede dos Correios e Telégrafos.

Hoje, o Facebook me relembrou da foto que publiquei e sugeriu que eu colocasse uma imagem atual ao lado, para que as pessoas pudessem ver como o local está hoje.

Confesso que não tive a menor vontade de fazer isso. O lugar está em estado deplorável — não apenas os terminais de ônibus, mas todo o entorno, que está caindo aos pedaços por falta de manutenção da administração do prefeito David Almeida

O que sinto é uma profunda vergonha do que se tornou a nossa porta de entrada. 


— Em Praça Da Matriz, Centro De Manaus



domingo, 4 de agosto de 2024

LIVRO 'ÁRIA RAMOS SUBINDO AO CÉU - AMOR E TRAGÉDIO EM 1915, JOSÉ ROCHA'

Meu livro e-book "Ária Ramos Subindo Ao Céu - Amor e Tragédia em 1915" foi publicado na Amazon.com.br. Em breve, estará disponível para venda. Aguarde.

Este livro é resultado de intensas pesquisas em jornais antigos, revistas, livros e documentos judiciais sobre o caso de Ária Ramos, cuja morte ocorreu na madrugada de 17 de fevereiro de 1915, um período marcante na história da cidade de Manaus. Apresenta-se como um romance histórico que narra um assassinato em um baile de carnaval no Ideal Clube. Para a justiça, foi considerado uma fatalidade; para a sociedade manauara, um crime passional.

Ao escrever este livro, levei em consideração tanto a memória coletiva do povo amazonense quanto os registros históricos. Enquanto a memória coletiva é subjetiva e apresenta diferentes versões do mesmo evento, os fatos históricos são objetivos e precisos, baseados em fontes oficiais e aceitos pelos historiadores. A fusão desses elementos enriqueceu a narrativa, tornando-a atraente para diversos públicos. Embora a história em si possa parecer insossa, a memória coletiva dá cor e brilho ao fato histórico, revestindo-o de vida. Essa combinação de elementos também aumenta o interesse dos leitores.

O livro, fruto de minha imaginação criativa, além de fatos narrados em diversos meios de comunicação e da colaboração da Inteligência Artificial, baseada em sistemas neurais artificiais inspirados no cérebro humano, pode conter erros e omissões. No entanto, seu objetivo principal não é julgar aqueles já absolvidos pela justiça dos homens, mas sim oferecer um vislumbre da história antiga, atual e futura de Manaus, bem como do que perdura na memória de seu povo através dos séculos.

Ao explorar o passado, o presente e até mesmo o futuro distante da cidade de Manaus, espero incutir nas pessoas a ideia de que um homem não é dono de uma mulher nem de seu destino, mas sim que o respeito deve prevalecer em todas as relações.

O feminicídio, um assassinato de uma mulher, é motivado por ódio, desprezo, prazer ou um sentimento de posse em relação à vítima. Isso exige dos governos e dos políticos uma ação mais efetiva na criação de uma legislação e aplicação mais severa da lei, além de educação e conscientização por meio de campanhas de sensibilização e mudanças culturais e sociais.

‘Ária Ramos subindo ao Céu – Amor e Tragédia em 1915’ é o meu debute literário em um romance histórico. A obra envolveu uma série de desafios, destacando-se o desenvolvimento da trama, dos personagens e a construção de um mundo real e irreal. Inspirada pela física teórica e pela liberdade criativa da ficção, desafiou as fronteiras do tempo e espaço. Na trama, a personagem principal está no passado e encontra-se em sonhos com uma personagem do presente. Ambas viajam para o passado por meio de um portal, voltam ao presente e, posteriormente, desloca-se para o futuro com outra personagem. Essa exploração de diferentes épocas é estudada na física teórica, onde algumas teorias, como a relatividade geral de Einstein, sugerem que sob condições extremas isso é possível. No entanto, na prática, atual, ainda não é viável, sendo mais ficção científica do que realidade.

Por outro lado, na minha imaginação de escritor, tudo é possível. Personagens vivenciam aventuras em diferentes épocas, presenciam eventos importantes e até mesmo mudam o curso da história. A ficção oferece um espaço seguro onde as regras da física são flexibilizadas para levar até você, leitor, a minha mensagem.

Num sábado de verão amazônico, por volta do meio-dia, visitei o Cemitério São João Batista. Esse horário é considerado um ponto intermediário entre o nascer e o pôr do sol, um momento de convergência de energias, equilíbrio entre a luz e a escuridão, ideal para as sensações especiais. Com uma dica da administradora do campo-santo, procurei o mausoléu de uma moça com um violino na Quadra 5, que ficava próximo ao Cemitério Israelita ‘Chevrah Kadishah de Manaus’ (Sociedade de Sepultamento). Entre centenas de túmulos, eu não conseguia localizar o de Ária Ramos. Enquanto olhava para um lado e para o outro, ouvi o timbre de um violino, um som que o distinguia dos demais instrumentos de cordas. Juro que não havia uma viva alma naquele lugar. Após muita busca, acredito que a própria Ária tenha me guiado até ela. Ao longe, conseguir visualizá-la entre uma imensidão de túmulos. Ao ficar bem em sua frente, fiz o sinal da cruz e pedi sua permissão para escrever este livro sobre sua história. Fechei os olhos e senti, no fundo da alma, que fui autorizado. Agradeci e me despedi, orando para ela continuar ao lado do Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao chegar em casa, fiz questão de ouvir a valsa ‘Subindo ao Céu’, tocada no violão pelo músico Dilermando Reis, em sua homenagem.

Este pequeno livro, com pouco mais de quarenta páginas, é repleto de emoção e inspiração histórica. Desejo a todos uma boa leitura, que enriqueçam seus conhecimentos, reflitam sobre suas vidas, valorizem mais nossa história e memória coletiva. Que todos tenham uma envolvente viagem no tempo!

Que Deus nos abençoe. Amém. 





O NOVO POINT DO CENTRO DE MANAUS

 

José Rocha

A Rua Ferreira Pena, entre a Rua Dez de Julho e Avenida Ramos Ferreira, tornou-se um lugar que está conquistando cada mais os “botequeiros” em Manaus.

Um pouco de história: Ferreira Pena foi um político brasileiro do século XIX. Nasceu em 1812 e faleceu em 1848. Desempenhou um papel significativo na política da época, mas sua vida foi tragicamente curta. A cidade de Manaus o homenageou dando-lhe o nome de rua.

A Rua Ferreira Pena inicia na Rua Dez de Julho e termina na Avenida Álvaro Maia. Sua abertura se deu por volta de 1890.

Possui alguns prédios de interesse histórico, dentre eles o Palacete Mourisco, datado de 1908, fica na esquina da Rua Simão bolívar. Na esquina da Avenida Ramos Ferreira fica o Palacete Afonso de Carvalho, construído entre 1907 e 1908. Nas proximidades da Ramos Ferreira encontramos o majestoso Casarão que pertenceu a tradicional família Benzecry, trata-se de um bangalô de estilo californiano, construído em 1940.

Voltando ao presente, além desses acima citados, existem vários outros imóveis da Belle Époque, dentre eles onde fica hoje a Aliança Francesa, outrora Museu do Luso Club, além da antiga residência da Charufe Nasser, um imóvel dos mais bonitos do local, mas estava esquecido e abandonado.

O Jápeto Bar e Restaurante, do meu amigo Norberto e família, sobressai com som ao vivo e atendimento de primeira. Neste mesmo imóvel já funcionou famoso ‘Chefão’. Já estive lá duas vezes e aprovei.

O Bar Sarará é uma ótima escolha para quem busca samba, culinária de boteco e um ambiente animado, responsável por lotar a Rua Ferreira Pena.

O Abaré Central, antiga residência da família Benzecry é um local que atrai frequentadores em busca de boa comida e ambiente agradável.

Muitos outros imóveis antigos estão sendo recuperados para servirem de bar e restaurante, incluindo o da Charufe Nasser, que está sendo limpo e até já colocaram várias plantas para voltar a brilhar como antigamente.

Em uma noite de sábado, parei em frente ao Bar Sarará, preferindo ficar do outro lado da rua, tomando umas cervejas na barraca dos meus vizinhos da Rua Tapajós, o Raimundo & Mara.

Eles não economizaram elogios: - Amigo, Rochinha, esses bares estão deixando os outros no chinelo. Aqui, os barraqueiros disputam acirradamente um lugar para vender suas cervejas, pois este se tornou o novo point do centro de Manaus!

Fotos: José Rocha. Pela manhã de domingo, reina a calmaria no local, muito diferente do que ocorre à noite.








sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Tiko Ramos do Igarapé de Manaus

 



Por José Rocha

Tiko nasceu, cresceu, casou, teve filhos e netos, sempre residindo na Rua Igarapé de Manaus. Esse local também faz parte das minhas lembranças de infância, assim como dos meus irmãos.

Ele era filho do Senhor Luiz e tinha cinco irmãos: Carlos, Roberto, Aluísio, Ademir e Edson. Sua família era uma das mais tradicionais da nossa rua.

Tiko era conhecido por seu senso de humor afiado e suas piadas únicas. Nos sábados, a turma antiga se reunia no Bar da Sogra, do Afonso Toscano & Conceição, na esquina da Rua Huascar de Figueiredo com a Avenida Joaquim Nabuco. Ali, além de beber e jogar conversa fora, todos se divertiam com as piadas do Tiko. Isso incluía as da velha guarda do Igarapé de Manaus, dentre eles de meu pai, o luthier Rochinha, um conquistador inveterado.

Seu irmão Aluísio, um habilidoso técnico em edificações, montou um circo no quintal de sua casa, tendo o Palhaço Tiko como atração principal. Eu e meus irmãos também participamos desse empreendimento, sendo conhecidos como “Os Irmãos Borracha” devido às nossas habilidades em contorcionismo.

Na minha juventude, trabalhei na Braga & Cia, que hoje é o Supermercado DB da Eduardo Ribeiro. Lá, tive a oportunidade de colaborar com Tiko Ramos, despachando mercadorias e veículos.

Escrevi um livro de memórias chamado “O Igarapé de Manaus”, onde Tiko aparece em várias passagens. Uma delas é intitulada “Senhor Arthur”. Arthur era proprietário de um boteco que vendia secos e molhados. Ele namorou, casou, morou e criou seus filhos nos fundos do estabelecimento. Arthur era um verdadeiro escravo do trabalho, labutando de domingo a domingo. Diferentemente dos concorrentes, ele não fechava o boteco nem na hora do almoço. Quando alguém entrava, ele acordava da soneca com o barulho do assoalho de tábuas.

Certa vez, Tiko entrou no boteco devagar, pegou uma botija de gás vazia, levantou-a e jogou-a ao chão, gritando:

Tem gás, Seu Arthur? – tentando acordá-lo com muito barulho.

Não tenho, não! - respondeu Arthur ainda meio sonolento. Tiko agradeceu, colocou a botija no ombro e “pegou o beco”.

Dias depois, o Dr. Tiko voltou ao boteco:

Seu Arthur, meu pai está vendendo algumas botijas de gás. O senhor tem interesse em comprar?

Tenho sim, pois as minhas botijas estão desaparecendo!

Não estou vendendo, não, Seu Arthur. Vim devolvê-la, levei na brincadeira. Peço desculpas! – falando meio sem jeito.

Um dos irmãos de Tiko, o médico Roberto, deu a ele a oportunidade de fazer um comercial na televisão para promover seu consultório. Tiko apareceu vestido com avental e estetoscópio no pescoço, simulando uma consulta com um paciente e promovendo a clínica do irmão médico. A partir de então, ele passou a ser chamado pela galera do Igarapé de Manaus como “Doutor Tiko”.

A última vez que conversei com Tiko foi há uns quatro anos. Ele, sempre bem-humorado, compartilhou uma história sobre seu irmão Aluísio:

“Certa vez, Aluísio estava dentro do Bumbódromo de Parintins, na companhia de um vizinho do Igarapé de Manaus, quando este passou mal e foi levado às pressas para o pronto-socorro. De lá, dava para ouvir o início do apresentador do Boi:

"Meu coração é vermelho, hei, hei, hei. De vermelho vive o coração, ê, ô, ê, ô. Tudo é garantido após a rosa vermelhar. Tudo é garantido após o sol vermelhecer. Um, Dois, Três e Já!

Aluísio começou a chorar copiosamente quando o médico falou:

Não chores, seu filho ficará bom logo! – tentando tranquilizá-lo.

Ele não é meu filho, não! Estou chorando por não estar dentro do Bumbódromo vendo a apresentação do meu boi do coração!”

Segundo Tiko, certa vez fez um pedido ao seu irmão:

Quando eu morrer, não quero choro nem velas no meu velório, apenas fitas encarnadas gravadas com o nome do meu boi. Não quero coroa com espinhos, apenas repique e o surdo a rufar da minha Batucada, com toque da caixinha, para encher de alegria e fazer balançar os presentes na minha despedida! Meu caixão deverá ficar em pé, amarrado na parede para não cair, vestido com a camisa do Boi do Povão e um Cocar do Pajé. Nada de café com bolacha de motor. Todos bebendo cerveja e dançando toadas de boi, do Garantido, é claro!"

O tempo passou, e Tiko continuou apaixonado pelo Vasco da Gama, motocicletas de altas cilindradas, cachorros grandes de raça, pela mulher, filhos, netos e pelos amigos de infância do Igarapé de Manaus. Hoje, aos setenta anos, partiu para o andar de cima, deixando saudades nos corações dos amigos do Igarapé de Manaus e de sua amada família. Que Deus o tenha ao seu lado, meu amigo Tiko Ramos.

Foto: Tiko cabeça branca sem camisa a esquerda, com a galera do Igarapé de Manaus, brincando o carnaval.



 

sexta-feira, 26 de julho de 2024

A NOSSA GERAÇÃO

 Por José Rocha

Nós somos da geração dos anos cinquenta e sessenta, a maioria de nós nascida no Hospital da Santa Casa de Misericórdia e criada no centro histórico de Manaus. Somos manauaras da gema, alimentados à base de peixe e farinha.

Tivemos o privilégio de pular da Ponte da Sete diretamente para o Igarapé de Manaus. Lembro-me de irmos com nossos pais e irmãos para os “Banhos do V8”, explorando lugares como o Parque Dez de Novembro, a Ponte da Bolívia e Tarumã, e, também, tomávamos “Banho de Cacimba”.

Éramos moleques travessos, brigávamos nas ruas e levávamos broncas em casa. Tínhamos rivalidades com a garotada de outras ruas e bairros. Quando nos encontrávamos em clubes, praças, cinemas ou na rua, as brigas eram inevitáveis. Tudo era resolvido no “mano a mano”, sem armas brancas ou revólveres, apenas tapas, chutes e pontapés.

Lembro-me de soltar papagaios de papel feitos pelo “Russo”, com linha de cerol e rabiola, cortando o céu com pedaços de gilete. Jogávamos bola nos campinhos de futebol, pois éramos “peladeiros” também das quadras dos colégios, com arranhões e hematomas de brigas inevitáveis.

Brincávamos de peão e colecionávamos bolinhas de gude e caroços de tucumã, escapole-bate-e-fica, queimada, esconde-esconde, quadrilhas e pula-fogueira, com xote e baião.

Nossos dias de escola foram no Barão do Rio Branco, Estadual, Divina Providência, Nilo Peçanha, IEA, Escola Técnica Federal e Benjamim Constant. As palmatórias e os castigos na diretoria faziam parte da rotina, e nosso lanche consistia em pão com pão e leite de Soja e Nescau, sem direito a repetir nem reclamar.

A “Fanfara” era um espetáculo à parte, e os desfiles orgulhosos do “Sete de Setembro”, na Avenida Eduardo Ribeiro, eram seguidos por sorvetes no Pinguim e no A Gogô, além de Caldo de cana com pastel de vento e bolo de macaxeira nas confeitarias completavam nossas tardes de feriado nacional.

Passar no vestibular da Universidade do Amazonas era um privilégio para alguns “CDF”. A maioria estudava Direito na Velha Jaqueira e Ciências Sociais e Humanas no ICHL, pois faculdades particulares ainda não existiam.

Nossa turma frequentava os Cines Guarany, Polytheama, Avenida e Odeon. Assistíamos às apresentações das “Pastorinhas do Luso”, aos shows musicais do “Titio Babosa” e às peças teatrais do “Vovô Branco”. Os “Circos” também eram uma atração constante em nossa cidade.

Vivenciamos a chegada dos sinais de televisão da TV Ajuricaba e Baré, assustados e maravilhados. E o futebol amazonense brilhava na era de ouro, com partidas emocionantes no “Parque Amazonense”.

Na cidade, todos se conheciam, pelo menos de vista. Sabíamos os nomes dos vereadores, deputados, senadores, delegados de polícia, presidentes da COSAMA e da CEM, juízes e promotores de justiça.

O começo da Zona Franca de Manaus trouxe brinquedos, quinquilharias “made in Japan”, perfumes, alimentos e aparelhos de som.

As lojas Lobras, S. Monteiro, Moto Importadora, Central de Ferragens, Souza Arnaud, Canavarro, Antônio M. Henriques, TV Lar e Bemol faziam parte do nosso cotidiano.

Não tínhamos internet nem aparelhos celulares. Nossas informações vinham das rádios Baré, Rio Mar, Difusora e da famosa “Rádio Cipó”, além dos jornais do Comércio, A Crítica e A Notícia. Pesquisas apenas em livros na Biblioteca Pública ou emprestar volumes da Barsa dos amigos mais aquinhoados.

Minha geração testemunhou a chegada da “Bossa Nova & Rock”. Adorávamos artistas como Elvis Presley, Beatles, Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléia, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, entre outros. Éramos da época dos “Discos de Vinil” e “Fitas Cassete”, das festas no Acocho, Sheik Clube, Bancrevia e União Esportiva e das “porradas das galeras do mal”.

Naquela época, as mulheres eram esperadas para casar virgens. Se um malandro “avançasse o sinal” e a mulher engravidasse, o casamento era realizado às pressas. Embora não houvesse casamentos entre pessoas do mesmo sexo, existia algo “por detrás dos panos”.

Homossexuais sempre existiram em todos os tempos, mas naquela época, eles casavam na igreja e tinham filhos. No entanto, a grande maioria optava por permanecer solteira pelo resto da vida, sem constituir família.

Pois é, meus amigos, a nossa geração vivenciou todas essas nuances. Presenciamos a chegada da internet, dos aparelhos celulares, das TVs inteligentes e dos sons digitais tipo Spotify e Youtube Music. Mesmo assim, não nos cansamos de relembrar e escrever sobre aquela época boa de nossas vidas.

Passamos pela pandemia do Covid-19, vendo muitos amigos partirem. Aqueles que resistiram agora são sessentões, setentões e poucos oitentões. Aos poucos, nossos amigos da nossa geração estão nos deixando. Diabetes, problemas cardíacos, AVCs, DSTs e doenças renais os levam gradualmente.

A vida segue seu curso, e agora é a vez de nossos netos e bisnetos aproveitarem as modernidades da vida. Quando eles crescerem, pesquisarão e sorrirão ao descobrir como era a vida de seus avós e bisavôs naquela época: “Da Nossa Geração”.