sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

60 ANOS DO BAR DO ARMANDO & A BICA

 




Por José Rocha

Era o ano de 1963, quando o português Armando Dias Soares (1935-2012), alugou da Prelazia do Alto Solimões, um casarão construído no início do século vinte, situado na Rua Dez de Julho, 593, centro de Manaus, onde foi morar com a sua esposa, a Dona Lourdes Soeiro Soares.

Na parte defronte, abriu um pequeno negócio, conhecido naquela época como venda de “Secos & Molhados”, tais como: conservas, azeite português, pães, jabá, bolachas, farinha, pirarucu seco etc.

Possuía o nome de fantasia “Mercearia Nossa Senhora de Nazaré”, uma homenagem a Maria, mãe de Jesus, pois o Armando e sua esposa eram devotos, como a maioria dos portugueses, após uma famosa aparição e milagre ocorridos em Portugal.

Com o passar do tempo, a bodega começou a vender cervejas estupidamente geladas, o que lhe rendeu muita fama na cidade, tornando um lugar muito frequentado pelos boêmios de Manaus, forçando o Armando a transferir a sua família para outra casa na Avenida Getúlio Vargas, pois o espaço estava pequeno para tanta gente.

O sucesso foi tão grande que chegava a vender em torno de quatrocentas grades de cervejas por semana. Era uma loucura, aumentando ainda mais com aquele famoso marketing do “boca-a-boca”, inclusive, atraindo a presença dos advogados, juízes e funcionários do Tribunal de Justiça, situado na Avenida Eduardo Ribeiro.

O Armando Soares fez uma adequação do espaço para acomodar mais gente: afastou o balcão para dentro, onde foi possível abrigar mais boêmios, notando que seria mais vantajoso, economicamente, parar com a venda de secos e molhados e entrar direto com a venda de cervejas, bebidas destiladas, tira-gostos de pernil e queijo bola.

Em 1967, fui morar com a minha família na Rua Tapajós, no Beco Paraíso, ano em que comecei a passar por frente da mercearia. O meu saudoso pai, o luthier Rochinha era frequentador assíduo do boteco. Certa vez, a Dona Lourdes Soeiro, falou-me:

- O seu pai era um homem educado, bebia a sua cervejinha bem comportado e era amigo do Armando, os dois gostavam de conversar bem baixinho, depois, pagava a sua conta e ia embora sem perturbar ninguém, agora, você, Rochinha filho (referindo-se ao escriba aqui) bebe e grita feito um maluco, coloca o som alto, perturbando todo mundo, mas apesar de todos os teus defeitos eu e o Armando gostamos muito de você!

- Merci beaucoup – agradeci, gentilmente

- O quê, caralho! – respondeu, babando de raiva.

Em 1987, frequentava o Bar da Sogra, da Afonso e Conceição Toscano, na esquina da Rua Huascar de Figueiredo e Avenida Joaquim Nabuco. Lembro muito bem, o Toscana mostrou-me uma Ata na qual constava o seguinte “Foi fundada no dia 17.11.87, por Celito, Afonso Toscano, Manuel e Buriti, tendo como presidente de honra o Armando, e atendendo a antigos anseios dos frequentadores do Bar Mercearia N. S. de Nazaré – popular Bar do Armando – a BICA (Banda Independente da Confraria do Armando.....

Pois bem, o Toscano pediu-me para assinar e colaborar com algumas “ampolas de cevadas” para a fundação da BICA e assim o fiz. Anos depois, tornei-me um “biqueiro”, frequentando, assiduamente, o Bar do Armando e, reconhecido pelo Anchieta, Jomar Fernandes, Manuel Batera, Deocleciano Bentes (Deco) e outros, como sendo um dos fundadores da BICA.

Juro que nem lembrava que havia assinado a Ata de Criação da Bica. Somente ao ler o livro “Bica do Armando”, do saudoso Francisco Cruz (Chicão) e do Simão Pessoa, foi possível comprovar na página 27, onde consta os nomes dos fundadores, incluído o José Rocha.

Recebi em 2003, a minha primeira “Camisa da Diretoria”, um privilégio para poucos. A última que recebi doei para o meu amigo Flávio Grillo Filho, presidente atual do Luso Sportig Club.

Em 2006, o BLOGDOROCHA nasceu dentro do Bar do Armando, ano em que fui motivado pelo "biqueiro" Rogélio Casado, a escrever num diário eletrônico, hoje, fora de moda, mas continuo escrevendo, inclusive este texto é em homenagem ao Armando, seu bar e a BICA, onde tudo começou. Gracias.

Uma das melhores homenagens ao Armando e ao seu famoso bar, foi quando no aniversário de 500 anos do descobrimento do Brasil (22 de abril de 2000), o GRES Reino Unido da Liberdade, fez uma homenagem ao Armando Soares e a BICA, com o tema “Armando Brasileiro”.

“Meu Reino/Soletrando seus versos/De braços abertos/Vejo o céu beijando o mar/Vento forte, navegando rumo à sorte/Terra à vista, enfim aportei/Pau-brasil teu nome reluz/Ilha de Vera Cruz/Um solo que espelha riquezas/Atraía a Coroa em Portugal/Girar, girei/No giro da Coroa me encantei/Minha escola é soberana/Sem igual/Quando o tema é carnaval/Pra festejar 500 anos/Nesta terra, portugueses dão as mãos/ Sou história, costumes e tradições/É o carnaval de rua/Bota a BICA pra zoar/Celestiou em teu olhar/Com Graça e louvação/Sou do Morro, sou boêmio/Salve São Sebastião.

Eu e o meu irmão Rocha Filho, fomos até o Sambódromo de Manaus. Ficamos na concentração para ouvir o “esquenta” da Bateria Furiosa da Reino Unido da Liberdade. Foi muito emocionante. 

Neste ano, a Reino foi campeã e, a partir de então, virei a casaca “Sou Reino Unido da Liberdade Até Morrer”. Olha já, mermão!

O chão de ladrilhos brancos e pretos faz parte do Bar do Armando. Alguns bares tradicionais de Manaus possuem o chão bem trabalhado pelos antigos donos, porém este é dos mais bonitos e enigmáticos.  Não sou maçom, mas este chão é o igualzinho ao utilizado por eles dentro do templo maçônico.

É o “Piso Mosaico”, simbolizando que ele deve ser pisado por qualquer pessoa, independentemente da sua raça, credo ou filiação. Por ter duas cores, preto e branco, formando quadrados perfeitos, simboliza a harmonia que deve reinar ente os irmãos, o sair da noite para o dia, das trevas para a luz.

Em homenagem ao chão e aos sessenta anos do Bar do Armando, em noite de inspiração, faço a seguinte canção:

POR ESTE CHÃO

           

Por este chão, 
pisaram gente famosa, bacana,

pobre e peão. 
Por este chão,
muita gente derramou cerveja, quebrou copos

e chamou palavrão.
Por este chão,
foi festejado velhos carnavais, aniversários,

futebol e muita “bebemoração”.
Por este chão,
muitos cantaram, brigaram

e choraram de emoção.
Por este chão,
muitos beberam e dançaram

muito samba canção.
Por este chão,
muitos comemoraram 60 anos

de tradição.
Por este chão,
fincou bandeira o Bar do Armando,

0 Bar do nosso coração

Por este chão...


No dia 10 de abril de 2012, os “biqueiros” ficaram órfãos, um dia triste que marcou a passagem do Armando Dias Soares, para o plano superior. Para muitos, incluindo o escriba aqui, acabou a magia e a graça do bar.

 

Continuei a frequentar o Bar do Armando, participando de todos os eventos cultuais e etílicos, além de ajudar a BICA nas apresentações até antes da Pandemia, quando aconteceu a minha última apresentação. Valeu! Foi bom demais!

 

A BICA se profissionalizou, agora é a vez dos mais jovens. O primeiro apresentador foi o Manoel Batera, depois, peguei o microfone e mandei ver, agora, passo o bastão para os profissionais. A vida é assim, sempre renovando!

 

Em 2023, o Bar do Armando faz 60 anos. Que Bom! E a BICA faz, no sábado magro de carnaval, uma justa homenagem a fundação do Bar do Armando, com o “Sessenta na Bica”.

 

Existe uma Marchinha Oficial, composta pelo Rui Machado, Edu do Banjo e Davi Almeida, com a voz da afinadíssima Márcia Siqueira. Muito legal.

 

É mais ou menos assim:

 

“O Bar do Armando faz 60 anos

E a gente comemora na Bica Sessenta,

Sessenta, na Bica Sessenta sem reclamar.

Não venha, pois, pois, com mimimi

Que é aqui que você vai sessentar

 

A minha homenagem ao Bar do Armando é a seguinte:

 José Rocha

 60 ANOS DA BICA

SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU

É FESTA DE SANTO, BOÊMIO

E ATEU

 

O BAR DO ARMANDO É PATRIMONIO

CULTURAL IMATERIAL

E A BICA COM EMOÇÃO

VAI MOSTRAR NO CARNAVAL

 

BOTA A BICA

PRA ZOOAR

CELESTIOU

EM TEU OLHAR

 

BAR DO ARMANDO

60 ANOS DE TRADIÇÃO

NÃO É PARA

QUALQUER

BOTECO, NÃO

 

SOU DO BAR DO ARMANDO

SOU SESSENTÃO

SOU BOÊMIO E ATEU

SOU DE SÃO SEBASTIÃO

 

Tantas coisas acontecem e acontecerão neste reduto boêmio, temas de milhares de reportagens e dissertações, muitas histórias e estórias e causos, que daqui a cem anos, algumas pessoas do futuro, irão postar nas mídias sociais como eram os bares tradicionais de Manaus e os carnavais de rua do final do século vinte e do inicio do vinte um. 

Num futuro próximo, as mídias sociais publicarão, com certeza, noticias históricas, fotos  e muito mais sobre o Bar do Armando e a BICA.

Aparecerão, no futuro, tudo isto, pois o Armando, seu Bar e a Bica fazem e farao parte  da história de Manaus.

 

É isso aí.


Fografias:

"A fotografia é mais do que um registro. É um bem precioso relacionado a um fato histórico. É um momento da vida que tem um significado naquele instante, mas   fica   para       a       posteridade"


 [JM1]