segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O MOTOR DE CENTRO DO LUTHIER ROCHINHA


O Luthier Rochinha, um cearense cabra da peste, mas, amazonense inconteste - aprimorou a sua profissão com um português conhecido no meio artístico como Nascimento, proprietário da fábrica de instrumentos de cordas “Bandolim Manauense” – fez história em Manaus pelo seu amor a arte e as pessoas e, esta postagem é dedicada e ele e, a incrível história do seu motor de centro.

A sua oficina-casa ficava num flutuante no Igarapé de Manaus, na época em que o Rio Negro fluía livremente no seio da nossa cidade, hoje, totalmente barrado pelos aterros e dos “Prosamims” da vida – por ser um artista que trabalhava com instrumentos musicais, a sua principal matéria-prima era a madeira, inicialmente, comprada em tábuas nas serrarias que ficavam nos arredores do bairro de Educandos.

Possuía muitas dificuldades em beneficiar o cedro, a macacaúba e o marupá, pois não dispunha de serras circulares ou de fita - o único jeito era partir para o penoso trabalho com um serrote bem amolado – certa vez, instalou luz elétrica em sua oficina e, resolveu comprar um motor possante para facilitar o seu honrado trabalho.

Não tinha dinheiro e muito menos assessoria técnica, mas, possuía crédito na praça – então, partiu para a escolha do motor ideal – entrou numa loja conhecida como Antônio M. Henriques, na Rua Marechal Deodoro e, escolheu um motor muito possante e caro.

O pagamento fora acertado em doze “suaves” prestações (no carnê), pois naquele tempo todo mundo se conhecia em Manaus e, um fio de bigode tinha o seu valor. Para poupar e ajudar no pagamento, deixou de fumar, pois consumia em média três maços de cigarros por dia – fez uma boa economia e contribuiu para a sua saúde física.

O motor foi transportado na carroceria de um velho caminhão Ford, mas, o problema maior foi transferi-lo da Rua Igarapé de Manaus até o flutuante onde seria instalado – várias pessoas ajudaram, foi um trabalho penoso, mas, conseguiram colocá-lo no lugar exato.

Passado todo aquele sufoco, chegou o momento de um técnico fazer a instalação e, colocar para funcionar aquela pesada fera – quando o homem botou o olho na máquina, foi logo disparando: - Sêo Rocha isto aqui é um motor de centro, ele serve apenas para movimentar embarcação!

O velho Rochinha foi a loucura, chorou e babou de raiva: - É agora, José? Tô na merda, pois fui enganado, o vendedor me induziu a comprar a máquina errada!  

Pense num cearense cabeça dura, ele simplesmente decidiu ficar com o motor de centro e, fazer as devidas adaptações, transformando o seu flutuante num barco regional! É mole ou quer mais!

Pois bem, ele instalou um tanque de combustível, uma bomba d’água, dois tanques externos para fazer a refrigeração (a água) do motor, descarga, parte elétrica ete cetara – a partida era feita manualmente através de uma manivela (movimento de rotação com a mão), quando o motor pegava, a zoada era igualzinho a de um motor regional – o negócio era folclórico, pense numa cena dessas!

Na parte do motor em que deveria movimentar a hélice do barco, foi colocada uma polia (roda presa a um eixo), com uma imensa correia (tira de couro) para movimentar uma serra (disco dentado de aço) presa a uma bancada de madeira, onde eram cortadas as madeiras na medida exata para o fabrico de violões e cavaquinhos.

Vez e outra a correia quebrava, pifava a bomba d’água, faltava o combustível e a água, mas, o motor de centro adaptado nunca falhou – prestou serviços durante muitos anos, sempre bem conservado, muito assediado pelos donos de embarcações que encoravam no flutuante quando da cheia do rio.

Num certo dia, apareceram rumores de que o governo do Estado do Amazonas e a Marinha do Brasil iriam desmontar toda a “Cidade Flutuante”, inclusive os flutuantes que ficavam nas margens dos rios – o velho Rocha foi um dos primeiros a procurar uma casa para alugar e encontrar um lugar para instalar a sua oficina – ele desmontou todo o seu imenso flutuante, guardou todas as tábuas e caibros e, encaixotou o seu motor de centro.

O seu amigo João Bringel cedeu os porões da sua residência para o velho Rocha instalar a sua oficina, mas, com uma condição, nada de motor de centro fazendo um barulho infernal – o jeito foi adaptar uma bancada com uma serra movida por um pequeno motor elétrico - passou a comprar parte da madeira de um compadre que morava no interior, a maior parte vinham beneficiadas (no tamanho exato dos instrumentos).

Cansado de pagar aluguel, foi visitar uns amigos na Vila Paraíso (entre a Rua Tapajós e a Avenida Getúlio Vargas), onde estavam sendo vendidos vários lotes de terra – o Rochinha fechou o negócio na hora e, correu para vender o seu velho e conservado motor de centro.

Mesmo com o erro da compra do motor e, fazendo as devidas adaptações, trabalhou, sustentou a sua família e, o vendeu no momento certo – com dinheiro da venda, comprou o terreno, aproveitou parte do material do flutuante e, construiu a sua casa, foi o seu único imóvel, onde morou até a sua morte, tudo graças a compra errada do motor de centro. É isso ai. 

Um comentário:

Anônimo disse...

É o velho ditado: "Deus escreve certo com letras tortas"...
No fim, tudo deu certo, não?