quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Edifício Aruba – O Primeiro da Ponta Negra


 


Crônica de José Rocha

No final da década de oitenta, quem fazia parte da classe média alta de Manaus sonhava em morar num edifício de frente para a Praia da Ponta Negra, desfrutando do mais bonito pôr do sol do mundo, cercado pela natureza amazônica.
Pois esse sonho começou a se tornar realidade com a construção do Edifício Aruba.

O nome, escolhido pela construtora Rayol Ltda., não foi por acaso. “Aruba” é uma ilha paradisíaca no sul do Mar do Caribe, conhecida pelo clima seco e ensolarado, pelas praias de areia branca e pelas águas azul-turquesa — um verdadeiro paraíso apelidado de “Ilha Feliz”.

E a nossa Ponta Negra? Situada na zona oeste de Manaus, afastada do centro, também é um lugar de clima quente e ensolarado, com uma imensa praia de areia branca e águas escuras e doces do Rio Negro. Um dos principais cartões-postais da capital amazonense, onde a natureza exuberante se encontra com a urbanidade moderna. Um orgulho para todos os manauaras.

Foi, portanto, um casamento perfeito: o primeiro edifício da Ponta Negra recebeu o sugestivo nome de Aruba, a “Ilha Feliz” do Caribe transportada para o coração da Amazônia.

O projeto inicial previa a construção de seis edifícios, formando um condomínio fechado chamado “Ilhas do Caribe”. Os apartamentos seriam amplos — com quatro suítes, varanda, biblioteca, salas de estar e jantar, além de dependências para duas empregadas. O condomínio ofereceria todas as mordomias possíveis: piscinas, saunas, salão de festas, quadras poliesportivas e elevadores panorâmicos.

Morar ali significava status. O conjunto ficava próximo ao luxuoso Tropical Hotel, em uma área ainda pouco urbanizada, mas já valorizada pela paisagem deslumbrante e pela proximidade com o rio.

Porém, nem tudo saiu como planejado. O ambicioso Residencial Ilhas do Caribe teve suas obras interrompidas pela crise econômica, pela inflação galopante e pelas dificuldades financeiras da construtora. O resultado foi um cenário desolador: os blocos inacabados transformaram-se em esqueletos de concreto visíveis da estrada — um símbolo de sonho interrompido.

Apenas o Edifício Aruba foi concluído e entregue aos proprietários, todos nomes conhecidos da sociedade manauara. Um deles era o então governador Amazonino Mendes, que costumava receber autoridades, políticos e celebridades em seu apartamento no sexto andar.

Em 2003, o prédio voltou às manchetes: rachaduras em pilares causaram tremores constantes, assustando os moradores. Muitos venderam seus apartamentos por valores baixos, outros simplesmente abandonaram o imóvel. Após uma série de reparos estruturais, o edifício foi recuperado e voltou a ser valorizado.

Hoje, o pioneiro Edifício Aruba sobrevive entre dezenas de modernos prédios que compõem o skyline da Ponta Negra. Com quase quarenta anos de existência, já carrega as marcas do tempo, mas conserva o charme e a aura de exclusividade que sempre o acompanharam.

Ainda é um objeto de desejo, reservado a poucos que podem pagar por aquele privilégio: viver na esquina da Estrada do Turismo, de frente para a icônica “Prainha”, onde a juventude dos anos oitenta se reunia nas noites quentes de Manaus.

Um edifício, uma época, um sonho que resiste — como um cartão-postal vivo da história recente da cidade.




segunda-feira, 27 de outubro de 2025

🌿De Manau a Manaus: o nome que cresceu com a cidade

 Por José Rocha

Dizem que os nomes têm alma. E se Manaus pudesse falar, contaria histórias de rios, florestas e povos que existiam muito antes de qualquer bandeira tremular por estas terras.

Antes do apito dos vapores, do luxo da Belle Époque e das luzes do Teatro Amazonas, aqui já havia um povo: os Manau, filhos do Rio Negro, guerreiros de tronco Aruaque, donos de uma língua, uma cultura e uma história que o tempo não conseguiu apagar.

Quando os portugueses fincaram o Forte de São José da Barra do Rio Negro, em 1669, eles nem imaginavam que estavam sobre as terras dos Manau. A data virou marco simbólico da fundação da cidade, mas a verdadeira origem vem de muito antes — vem da floresta, dos igarapés e das vozes indígenas que chamavam este lugar de lar.

Com o tempo, o pequeno povoado ao redor do forte foi crescendo, mudando de nome e de rosto. Foi Lugar da Barra, depois Vila da Barra de São José do Rio Negro, Barra do Rio Negro, Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro… Até que, em 24 de outubro de 1848, o governo imperial elevou a vila à categoria de cidade, batizando-a oficialmente de “Cidade de Manáos”.

A grafia “Manáos” refletia o português do século XIX e aparecia em jornais, contratos e documentos de exportação. Durante o Ciclo da Borracha (1890–1915), o nome brilhou em letras douradas nos papéis da riqueza e do progresso, soando elegante até em francês e inglês.

Mas o tempo, senhor de todas as mudanças, quis aproximar a escrita da fala do povo. Assim, com as reformas ortográficas do início do século XX, o nome foi se transformando, até que, em 1939, passou a ser oficialmente Manaus — simples, sonora, amazônica.

“Manaus” passou a soar como o povo a pronunciava desde sempre, com o mesmo ritmo dos remos cortando a água e o mesmo sotaque caboclo que vem do fundo do peito.

Ainda hoje, sobrevivem vestígios das grafias antigas em nomes de edifício, bairro e estabelecimentos: Manaos, Manáos, Manaós e até Manôa. Todas guardam um pedaço da história e, por isso, continuam certas — porque nome próprio é memória, e memória também é identidade.

Como lembra o professor e antropólogo Ph.D. Ademir Ramos, da UFAM e do Projeto Jaraqui:

“Esse negócio de estipular a data de 1669 como fundação de Manaus é apenas simbólico. A tribo Manau já estava aqui há milhares de anos. Somos filhos de Ajuricaba, o nosso herói, que preferiu se afogar a ser escravizado pelos invasores. Somos manauaras, e não manauenses!”

E é assim que seguimos — filhos de Ajuricaba, netos da floresta e herdeiros do povo Manau.

De Manau a Manaus, o nome cresceu, amadureceu e virou sinônimo de resistência, de identidade e de amor à terra.

Manaus: cidade de alma indígena, coração caboclo e nome que o tempo consagrou.




sábado, 11 de outubro de 2025

O CLUBE ACAPULCO DE MANAUS


 


José Rocha

Os boêmios manauaras mais antigos gostam de relembrar os clubes dançantes e os lupanares (conhecidos popularmente como puteiros) de outrora, onde se bebia sem medida, dançava-se até o amanhecer e “passava-se a régua” nas primas. Entre esses locais de diversão, o Clube Acapulco surge com destaque nas reminiscências da velha guarda. Nos seus primeiros dez anos de existência, foi um luxuoso cassino, frequentado pela fina e requintada sociedade amazonense.

Localizava-se na antiga Rua Recife (atual Avenida Mário Ypiranga Monteiro), nas proximidades da atual sede do DETRAN-AM. Era o “point” de Manaus, embora, à época, o local fosse considerado distante e de difícil acesso, praticamente encravado na mata.

O proprietário chamava-se Mário Oliveira, homem muito estimado por seus funcionários, a quem distribuía bônus provenientes dos lucros das mesas de baralho (bacará) e da roleta. O crupiê era o senhor Petruccio, pai dos irmãos Piolas — jogadores bastante conhecidos em Manaus.

Nas redondezas ficavam os famosos balneários da Estrada do V-8 (atual Avenida Efigênio Salles) e do Parque Dez de Novembro (em frente ao Acapulco), todos banhados pelo Igarapé do Mindú — hoje, infelizmente, transformado em um esgoto a céu aberto.

O “ACA”, como era carinhosamente chamado pelos frequentadores, iniciou suas atividades em 1958. Seu nome homenageava a cidade turística mexicana de Acapulco, cenário do belo filme Fun in Acapulco (1963), estrelado pelo cantor norte-americano Elvis Presley.

O clube era frequentado, inicialmente, pela alta sociedade. Era um ambiente chic (de bom gosto e requintado), com restaurante e bar de primeira, salões de dança, orquestra própria e apresentações de artistas locais — como Luiz Carlos Mello (Tical, a “Voz de Ouro ABC”) e Luiz da Conceição Souza Pinto (Little Box, o “Caixinha”) — além de astros de renome nacional, como Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Edith Veiga e Agnaldo Rayol, entre outros.

O grande atrativo, contudo, era o magnífico cassino, verdadeira fonte de renda do proprietário. O salão de jogos era movimentado e elegante, mas a jogatina desenfreada levou muitos à ruína — inclusive, segundo dizem, o próprio dono tornou-se vítima do vício em apostas.

Nos fins de semana, apenas uma linha de ônibus fazia o trajeto até o Parque Dez, facilitando o acesso das famílias ao balneário. Quem desejasse frequentar o Clube Acapulco à noite precisava dispor de automóvel próprio ou recorrer aos choferes de praça (os antigos táxis).

Certa vez, ao folhear um exemplar do jornal A Crítica, de dezembro de 1959, na Biblioteca Pública do Amazonas, encontrei este curioso anúncio do Acapulco Clube:

“Amanheça com sua família o ano-novo na mais bonita boite do Brasil — ACAPULCO — que lhes proporcionará ambiente, conforto, diversões, luxo e um perfeito serviço de bar e restaurante.

Com a participação de ALCIDES GERARDI, lançando músicas novas do Carnaval de 60.

Nos dias 1º e 2 de janeiro, exibir-se-á a grande orquestra de GUIÃES DE BARROS.

DIA 2, SÁBADO – 1º GRITO DE CARNAVAL – Espetacular! Fabuloso! Estupendo! Sensacional!

NOTA: A Direção do Night Club Acapulco avisa que, durante a temporada carnavalesca, permitirá traje esporte decente em todas as dependências. Para evitar desagradáveis contrariedades, não se façam acompanhar de criaturas não recomendáveis.”

A leitura desse anúncio revela que o Acapulco era um clube familiar, luxuoso, com serviços refinados de bar e restaurante, orquestra de primeira e ambiente elegante — permitindo, somente no Carnaval, o uso de traje esporte “decente” e restringindo a entrada de “criaturas não recomendáveis” (leia-se: prostitutas, lisos e bagunceiros).

Contam que o administrador do clube era frequentador assíduo das rodadas de baralho do Ideal Clube — o grêmio da elite manauara, localizado na cabeceira da Avenida Eduardo Ribeiro —, hábito que levou muita gente de bem à falência.

Os cassinos foram legalizados por Getúlio Vargas em 1938, mas proibidos em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. Assim, o Acapulco funcionava de forma clandestina, embora amplamente tolerada pelas autoridades locais.

Na década de 1970, o Acapulco entrou em decadência e perdeu o brilho dos anos dourados. Acabou fechando as portas — dizem que o proprietário perdeu o imóvel em uma mesa de jogo. Posteriormente, reabriu apenas como boate, tornando-se um ponto de encontro para quem queria beber, dançar e paquerar. Não havia “quartinhos” para casais, como nos prostíbulos da cidade, mas o ambiente era animado e popular entre os jovens manauaras. O fim definitivo veio em 1976.

E assim encerrou-se a história do lendário Acapulco Night Club, que ficou guardado apenas na memória dos mais velhos — tempos bons que não voltam mais!



Edifício Tartaruga

 Por Jose Rocha

Este prédio histórico, conhecido pelos manauaras como “O Patinho Feio do Centro” devido ao seu atual estado de abandono, está localizado bem em frente à Praça Adalberto Valle, na Rua Marquês de Santa Cruz. Uma de suas faces dá para a Rua Miranda Leão, e a outra para a Avenida Floriano Peixoto, em direção à Rua dos Andradas.

Segundo historiadores, no local existia originalmente o Banco de Manáos, que funcionou até 1910. Após o encerramento das atividades, o imóvel foi adquirido por um comerciante apelidado de Tico-Tico, que ali abriu uma loja com seu próprio nome. Ao lado, funcionava a famosa loja Malária Guerra. Os dois empresários, no entanto, viviam em constante atrito, o que culminou em um trágico incêndio supostamente provocado por Tico-Tico. O fogo destruiu ambas as construções, restando apenas ruínas.

A loja Malária Guerra, localizada na Rua Miranda Leão, foi posteriormente reconstruída por seu proprietário, um comerciante sírio. Após sua morte, a viúva, Dona Fátima Alen, assumiu o comando, seguido pela filha, Graça Alen, que continua à frente da loja até os dias atuais.

Já em meados da década de 1930, o português Hermano Amado Batista, conhecido na cidade pelo apelido de “Tartaruga”, adquiriu o terreno onde estavam as ruínas das lojas incendiadas. No local, construiu um prédio de estilo Art Déco, com térreo destinado a lojas comerciais e três andares com apartamentos para aluguel — muitos ocupados por membros das comunidades sírio-libanesa e portuguesa. O edifício também abrigou consultórios médicos, a sede do PSB, o curso General Osório, entre outros. Sua inauguração ocorreu em 1946, e, devido ao apelido do proprietário, passou a ser chamado até hoje de Edifício Tartaruga.

No térreo, funcionava uma filial da Loja Cearense, famosa pela venda de tecidos. Mas o espaço mais emblemático foi, sem dúvida, o Bar Jangadeiro, em atividade desde 1954, fundado pelo português Alfredo e depois assumido por seu filho João. Mesmo após o falecimento deste, o bar continuou funcionando sob nova administração. Frequentava o local nos velhos tempos para saborear um sanduíche de leitão com cerveja, enquanto ouvia a banda Amigos do Som, comandada pelo delegado Mariolino. Hoje, ainda passo por lá ocasionalmente aos domingos, para tomar uma cerveja com os amigos e ouvir um bom samba.

O nome “Tartaruga” sempre despertou a curiosidade de manauaras e turistas, que tentavam encontrar alguma semelhança entre o prédio e o quelônio — outrora muito comum e consumido na região. Mas a verdade é que o apelido nada tem a ver com o formato do edifício, sendo apenas o cognome do antigo proprietário.

Em 1963, durante o segundo mandato do governador Plínio Ramos Coelho, foi enviada uma mensagem à Assembleia Legislativa do Amazonas propondo a compra do prédio por 60 milhões de cruzeiros, para abrigar repartições públicas estaduais. Apesar da resistência da oposição — que alegava que o governo gastaria o mesmo valor na reforma e que seria mais sensato usar o prédio em construção na Praça da Saudade —, a proposta foi aprovada.

Durante décadas, o edifício sediou diversos órgãos públicos, como: Celetramazon, SEPLAN, EMATER, CANTEL, SUHAB, Tribunal de Contas, Junta de Conciliação, Secretaria de Aviação e Obras, SESAU, Defensoria Pública, além da Liga dos Radioamadores, que ocupava um espaço cedido. A única vez que entrei no prédio foi para resolver uma questão familiar na Defensoria Pública.

Em 2012, um incêndio agravou ainda mais o estado de conservação do imóvel. Hoje, o Edifício Tartaruga encontra-se em situação crítica de degradação, tanto interna quanto externa, sem condições adequadas de uso — o que afeta também os poucos comércios ainda existentes no térreo.

Em 2024, a estudante Aline Ariele da Silva Beleza, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), apresentou um excelente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) propondo a requalificação do Edifício Tartaruga como um espaço de Hospedagem Social. O projeto está disponível para consulta no repositório da universidade:

Descrição: 🔗https://riu.ufam.edu.br/handle/prefix/8120

Acredito que esse trabalho da aluna tenha sido entregue ao Governo do Estado do Amazonas, mas, até o momento, nenhuma iniciativa concreta foi tomada. Isso é extremamente lamentável, considerando que o Edifício Tartaruga é um patrimônio cultural de grande valor histórico e simbólico para a cidade de Manaus. Seu restauro representaria não apenas a preservação da memória urbana, mas também uma revitalização importante para a região central da capital amazonense.

Observação: Amanhã, passarei por lá para tirar algumas fotografias.



A Biblioteca Pública do Amazonas: Um Tesouro Escondido.


 


Por José Rocha.

A nossa Biblioteca Pública está numa rua estreita e discreta, escondida dos olhares de longe, ao contrário do Teatro Amazonas, da Igreja de São Sebastião e do Palácio Rio Negro, que se impõem na paisagem. Quando os visitantes passam em direção ao Teatro e avistam a fachada da biblioteca, sentem-se tomados por um espanto delicado diante daquela beleza serena e imponente.

Nós, manauaras, atravessamos a Rua Barroso milhares de vezes e, com exceções, não dão atenção à biblioteca, nem mesmo aqueles que, ocasionalmente, entram para consultar um livro ou um periódico. Considero-me parte desse pequeno grupo de exceção: frequento a BPA com assiduidade e sempre me detenho a admirar sua fachada, a escadaria que conduz ao primeiro andar, os grandes portões de madeira trabalhada e o quadro monumental que ocupa a parede do hall superior.

Na minha adolescência, quando não existiam os atalhos digitais e os sites de pesquisa, aquela casa era o lugar-comum das minhas investigações, embora eu tivesse em casa a famosa Coleção Barsa. O tempo passou e, apesar de toda tecnologia, nada substitui uma pesquisa em fontes primárias, especialmente jornais antigos, acervos gerais, obras especiais, raras e amazonianas.



Como observador, noto estudantes, jornalistas, escritores e turistas impressionados com o número de pessoas que pesquisam nos jornais antigos e com as intermináveis estantes de periódicos. Nos intervalos das buscas, gosto de ficar junto à janela principal do hall do primeiro andar e ver os visitantes contemplando a fachada com surpresa. Aqueles que entram surpreendem-se com a bela escadaria — trazida de Glasgow, na Escócia — e, no andar superior, com o quadro “A Redenção do Amazonas”, obra grandiosa do artista Aurélio de Figueiredo, datada de 1888, com dimensões aproximadas de 6,65 m por 3,65 m.

Mesmo depois das perdas no Centro Histórico, as construções que resistiram ao boom da borracha e à fúria do progresso — quando tantos prédios se reduziram a cubículos para lojinhas de importados — ainda arrancam suspiros dos visitantes pela sua beleza e imponência. A Biblioteca Pública do Amazonas é, certamente, um deles: um tesouro escondido.

Fotos: Acervo José Rocha