sábado, 11 de outubro de 2025

O CLUBE ACAPULCO DE MANAUS


 


José Rocha

Os boêmios manauaras mais antigos gostam de relembrar os clubes dançantes e os lupanares (conhecidos popularmente como puteiros) de outrora, onde se bebia sem medida, dançava-se até o amanhecer e “passava-se a régua” nas primas. Entre esses locais de diversão, o Clube Acapulco surge com destaque nas reminiscências da velha guarda. Nos seus primeiros dez anos de existência, foi um luxuoso cassino, frequentado pela fina e requintada sociedade amazonense.

Localizava-se na antiga Rua Recife (atual Avenida Mário Ypiranga Monteiro), nas proximidades da atual sede do DETRAN-AM. Era o “point” de Manaus, embora, à época, o local fosse considerado distante e de difícil acesso, praticamente encravado na mata.

O proprietário chamava-se Mário Oliveira, homem muito estimado por seus funcionários, a quem distribuía bônus provenientes dos lucros das mesas de baralho (bacará) e da roleta. O crupiê era o senhor Petruccio, pai dos irmãos Piolas — jogadores bastante conhecidos em Manaus.

Nas redondezas ficavam os famosos balneários da Estrada do V-8 (atual Avenida Efigênio Salles) e do Parque Dez de Novembro (em frente ao Acapulco), todos banhados pelo Igarapé do Mindú — hoje, infelizmente, transformado em um esgoto a céu aberto.

O “ACA”, como era carinhosamente chamado pelos frequentadores, iniciou suas atividades em 1958. Seu nome homenageava a cidade turística mexicana de Acapulco, cenário do belo filme Fun in Acapulco (1963), estrelado pelo cantor norte-americano Elvis Presley.

O clube era frequentado, inicialmente, pela alta sociedade. Era um ambiente chic (de bom gosto e requintado), com restaurante e bar de primeira, salões de dança, orquestra própria e apresentações de artistas locais — como Luiz Carlos Mello (Tical, a “Voz de Ouro ABC”) e Luiz da Conceição Souza Pinto (Little Box, o “Caixinha”) — além de astros de renome nacional, como Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Edith Veiga e Agnaldo Rayol, entre outros.

O grande atrativo, contudo, era o magnífico cassino, verdadeira fonte de renda do proprietário. O salão de jogos era movimentado e elegante, mas a jogatina desenfreada levou muitos à ruína — inclusive, segundo dizem, o próprio dono tornou-se vítima do vício em apostas.

Nos fins de semana, apenas uma linha de ônibus fazia o trajeto até o Parque Dez, facilitando o acesso das famílias ao balneário. Quem desejasse frequentar o Clube Acapulco à noite precisava dispor de automóvel próprio ou recorrer aos choferes de praça (os antigos táxis).

Certa vez, ao folhear um exemplar do jornal A Crítica, de dezembro de 1959, na Biblioteca Pública do Amazonas, encontrei este curioso anúncio do Acapulco Clube:

“Amanheça com sua família o ano-novo na mais bonita boite do Brasil — ACAPULCO — que lhes proporcionará ambiente, conforto, diversões, luxo e um perfeito serviço de bar e restaurante.

Com a participação de ALCIDES GERARDI, lançando músicas novas do Carnaval de 60.

Nos dias 1º e 2 de janeiro, exibir-se-á a grande orquestra de GUIÃES DE BARROS.

DIA 2, SÁBADO – 1º GRITO DE CARNAVAL – Espetacular! Fabuloso! Estupendo! Sensacional!

NOTA: A Direção do Night Club Acapulco avisa que, durante a temporada carnavalesca, permitirá traje esporte decente em todas as dependências. Para evitar desagradáveis contrariedades, não se façam acompanhar de criaturas não recomendáveis.”

A leitura desse anúncio revela que o Acapulco era um clube familiar, luxuoso, com serviços refinados de bar e restaurante, orquestra de primeira e ambiente elegante — permitindo, somente no Carnaval, o uso de traje esporte “decente” e restringindo a entrada de “criaturas não recomendáveis” (leia-se: prostitutas, lisos e bagunceiros).

Contam que o administrador do clube era frequentador assíduo das rodadas de baralho do Ideal Clube — o grêmio da elite manauara, localizado na cabeceira da Avenida Eduardo Ribeiro —, hábito que levou muita gente de bem à falência.

Os cassinos foram legalizados por Getúlio Vargas em 1938, mas proibidos em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. Assim, o Acapulco funcionava de forma clandestina, embora amplamente tolerada pelas autoridades locais.

Na década de 1970, o Acapulco entrou em decadência e perdeu o brilho dos anos dourados. Acabou fechando as portas — dizem que o proprietário perdeu o imóvel em uma mesa de jogo. Posteriormente, reabriu apenas como boate, tornando-se um ponto de encontro para quem queria beber, dançar e paquerar. Não havia “quartinhos” para casais, como nos prostíbulos da cidade, mas o ambiente era animado e popular entre os jovens manauaras. O fim definitivo veio em 1976.

E assim encerrou-se a história do lendário Acapulco Night Club, que ficou guardado apenas na memória dos mais velhos — tempos bons que não voltam mais!



Edifício Tartaruga

 Por Jose Rocha

Este prédio histórico, conhecido pelos manauaras como “O Patinho Feio do Centro” devido ao seu atual estado de abandono, está localizado bem em frente à Praça Adalberto Valle, na Rua Marquês de Santa Cruz. Uma de suas faces dá para a Rua Miranda Leão, e a outra para a Avenida Floriano Peixoto, em direção à Rua dos Andradas.

Segundo historiadores, no local existia originalmente o Banco de Manáos, que funcionou até 1910. Após o encerramento das atividades, o imóvel foi adquirido por um comerciante apelidado de Tico-Tico, que ali abriu uma loja com seu próprio nome. Ao lado, funcionava a famosa loja Malária Guerra. Os dois empresários, no entanto, viviam em constante atrito, o que culminou em um trágico incêndio supostamente provocado por Tico-Tico. O fogo destruiu ambas as construções, restando apenas ruínas.

A loja Malária Guerra, localizada na Rua Miranda Leão, foi posteriormente reconstruída por seu proprietário, um comerciante sírio. Após sua morte, a viúva, Dona Fátima Alen, assumiu o comando, seguido pela filha, Graça Alen, que continua à frente da loja até os dias atuais.

Já em meados da década de 1930, o português Hermano Amado Batista, conhecido na cidade pelo apelido de “Tartaruga”, adquiriu o terreno onde estavam as ruínas das lojas incendiadas. No local, construiu um prédio de estilo Art Déco, com térreo destinado a lojas comerciais e três andares com apartamentos para aluguel — muitos ocupados por membros das comunidades sírio-libanesa e portuguesa. O edifício também abrigou consultórios médicos, a sede do PSB, o curso General Osório, entre outros. Sua inauguração ocorreu em 1946, e, devido ao apelido do proprietário, passou a ser chamado até hoje de Edifício Tartaruga.

No térreo, funcionava uma filial da Loja Cearense, famosa pela venda de tecidos. Mas o espaço mais emblemático foi, sem dúvida, o Bar Jangadeiro, em atividade desde 1954, fundado pelo português Alfredo e depois assumido por seu filho João. Mesmo após o falecimento deste, o bar continuou funcionando sob nova administração. Frequentava o local nos velhos tempos para saborear um sanduíche de leitão com cerveja, enquanto ouvia a banda Amigos do Som, comandada pelo delegado Mariolino. Hoje, ainda passo por lá ocasionalmente aos domingos, para tomar uma cerveja com os amigos e ouvir um bom samba.

O nome “Tartaruga” sempre despertou a curiosidade de manauaras e turistas, que tentavam encontrar alguma semelhança entre o prédio e o quelônio — outrora muito comum e consumido na região. Mas a verdade é que o apelido nada tem a ver com o formato do edifício, sendo apenas o cognome do antigo proprietário.

Em 1963, durante o segundo mandato do governador Plínio Ramos Coelho, foi enviada uma mensagem à Assembleia Legislativa do Amazonas propondo a compra do prédio por 60 milhões de cruzeiros, para abrigar repartições públicas estaduais. Apesar da resistência da oposição — que alegava que o governo gastaria o mesmo valor na reforma e que seria mais sensato usar o prédio em construção na Praça da Saudade —, a proposta foi aprovada.

Durante décadas, o edifício sediou diversos órgãos públicos, como: Celetramazon, SEPLAN, EMATER, CANTEL, SUHAB, Tribunal de Contas, Junta de Conciliação, Secretaria de Aviação e Obras, SESAU, Defensoria Pública, além da Liga dos Radioamadores, que ocupava um espaço cedido. A única vez que entrei no prédio foi para resolver uma questão familiar na Defensoria Pública.

Em 2012, um incêndio agravou ainda mais o estado de conservação do imóvel. Hoje, o Edifício Tartaruga encontra-se em situação crítica de degradação, tanto interna quanto externa, sem condições adequadas de uso — o que afeta também os poucos comércios ainda existentes no térreo.

Em 2024, a estudante Aline Ariele da Silva Beleza, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), apresentou um excelente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) propondo a requalificação do Edifício Tartaruga como um espaço de Hospedagem Social. O projeto está disponível para consulta no repositório da universidade:

Descrição: 🔗https://riu.ufam.edu.br/handle/prefix/8120

Acredito que esse trabalho da aluna tenha sido entregue ao Governo do Estado do Amazonas, mas, até o momento, nenhuma iniciativa concreta foi tomada. Isso é extremamente lamentável, considerando que o Edifício Tartaruga é um patrimônio cultural de grande valor histórico e simbólico para a cidade de Manaus. Seu restauro representaria não apenas a preservação da memória urbana, mas também uma revitalização importante para a região central da capital amazonense.

Observação: Amanhã, passarei por lá para tirar algumas fotografias.



A Biblioteca Pública do Amazonas: Um Tesouro Escondido.


 


Por José Rocha.

A nossa Biblioteca Pública está numa rua estreita e discreta, escondida dos olhares de longe, ao contrário do Teatro Amazonas, da Igreja de São Sebastião e do Palácio Rio Negro, que se impõem na paisagem. Quando os visitantes passam em direção ao Teatro e avistam a fachada da biblioteca, sentem-se tomados por um espanto delicado diante daquela beleza serena e imponente.

Nós, manauaras, atravessamos a Rua Barroso milhares de vezes e, com exceções, não dão atenção à biblioteca, nem mesmo aqueles que, ocasionalmente, entram para consultar um livro ou um periódico. Considero-me parte desse pequeno grupo de exceção: frequento a BPA com assiduidade e sempre me detenho a admirar sua fachada, a escadaria que conduz ao primeiro andar, os grandes portões de madeira trabalhada e o quadro monumental que ocupa a parede do hall superior.

Na minha adolescência, quando não existiam os atalhos digitais e os sites de pesquisa, aquela casa era o lugar-comum das minhas investigações, embora eu tivesse em casa a famosa Coleção Barsa. O tempo passou e, apesar de toda tecnologia, nada substitui uma pesquisa em fontes primárias, especialmente jornais antigos, acervos gerais, obras especiais, raras e amazonianas.



Como observador, noto estudantes, jornalistas, escritores e turistas impressionados com o número de pessoas que pesquisam nos jornais antigos e com as intermináveis estantes de periódicos. Nos intervalos das buscas, gosto de ficar junto à janela principal do hall do primeiro andar e ver os visitantes contemplando a fachada com surpresa. Aqueles que entram surpreendem-se com a bela escadaria — trazida de Glasgow, na Escócia — e, no andar superior, com o quadro “A Redenção do Amazonas”, obra grandiosa do artista Aurélio de Figueiredo, datada de 1888, com dimensões aproximadas de 6,65 m por 3,65 m.

Mesmo depois das perdas no Centro Histórico, as construções que resistiram ao boom da borracha e à fúria do progresso — quando tantos prédios se reduziram a cubículos para lojinhas de importados — ainda arrancam suspiros dos visitantes pela sua beleza e imponência. A Biblioteca Pública do Amazonas é, certamente, um deles: um tesouro escondido.

Fotos: Acervo José Rocha