Por José Rocha
Dizem que os nomes têm alma. E se
Manaus pudesse falar, contaria histórias de rios, florestas e povos que
existiam muito antes de qualquer bandeira tremular por estas terras.
Antes do apito dos vapores, do
luxo da Belle Époque e das luzes do Teatro Amazonas, aqui já havia um povo: os
Manau, filhos do Rio Negro, guerreiros de tronco Aruaque, donos de uma lÃngua,
uma cultura e uma história que o tempo não conseguiu apagar.
Quando os portugueses fincaram o
Forte de São José da Barra do Rio Negro, em 1669, eles nem imaginavam que
estavam sobre as terras dos Manau. A data virou marco simbólico da fundação da
cidade, mas a verdadeira origem vem de muito antes — vem da floresta, dos
igarapés e das vozes indÃgenas que chamavam este lugar de lar.
Com o tempo, o pequeno povoado ao
redor do forte foi crescendo, mudando de nome e de rosto. Foi Lugar da Barra,
depois Vila da Barra de São José do Rio Negro, Barra do Rio Negro, Cidade de
Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro… Até que, em 24 de outubro de
1848, o governo imperial elevou a vila à categoria de cidade, batizando-a
oficialmente de “Cidade de Manáos”.
A grafia “Manáos” refletia o
português do século XIX e aparecia em jornais, contratos e documentos de
exportação. Durante o Ciclo da Borracha (1890–1915), o nome brilhou em letras
douradas nos papéis da riqueza e do progresso, soando elegante até em francês e
inglês.
Mas o tempo, senhor de todas as
mudanças, quis aproximar a escrita da fala do povo. Assim, com as reformas
ortográficas do inÃcio do século XX, o nome foi se transformando, até que, em
1939, passou a ser oficialmente Manaus — simples, sonora, amazônica.
“Manaus” passou a soar como o
povo a pronunciava desde sempre, com o mesmo ritmo dos remos cortando a água e
o mesmo sotaque caboclo que vem do fundo do peito.
Ainda hoje, sobrevivem vestÃgios
das grafias antigas em nomes de edifÃcio, bairro e estabelecimentos: Manaos,
Manáos, Manaós e até Manôa. Todas guardam um pedaço da história e, por isso,
continuam certas — porque nome próprio é memória, e memória também é
identidade.
Como lembra o professor e
antropólogo Ph.D. Ademir Ramos, da UFAM e do Projeto Jaraqui:
“Esse negócio de estipular a data
de 1669 como fundação de Manaus é apenas simbólico. A tribo Manau já estava
aqui há milhares de anos. Somos filhos de Ajuricaba, o nosso herói, que
preferiu se afogar a ser escravizado pelos invasores. Somos manauaras, e não
manauenses!”
E é assim que seguimos — filhos
de Ajuricaba, netos da floresta e herdeiros do povo Manau.
De Manau a Manaus, o nome
cresceu, amadureceu e virou sinônimo de resistência, de identidade e de amor Ã
terra.
Manaus: cidade de alma indÃgena,
coração caboclo e nome que o tempo consagrou.
