(Trecho do livro "Zé Mundão" que será disponibilizado, brevemente, na forma de E-Book)
Conforme
o combinado, o Zé Mundão se mandou para o Rodoway
(um cais flutuante construído pelos ingleses no início do século passado) e comprou
a sua passagem para Maués num barco regional (fabricado de madeira).
O
seu cicerone, o Bené Sonson não deu o ar da graça, como já estava com a
passagem comprada, resolveu viajar sozinho “sem
beira, nem eira” para Maués.
O
município de Maués fica a 367 quilômetros de Manaus, no Médio Amazonas, entre
os Rios Madeira e Tapajós, conhecida nacionalmente como “A Terra do Guaraná”, o nome é em homenagem a nação Maué (tupi = papagaio curioso e
falante), o turismo é muito forte naquela região, em decorrência de suas lindas
praias e da realização da “Festa do
Guaraná” e do “Festival de Verão”.
O
barco estava lotado, o único local que ele encontrou para “armar a rede dormir” foi em frente a um pequeno “Boteco”, onde o movimento de pessoas
era intenso – o dono colocou uma caixa de som amplificada bem ao lado da rede
do Zé, ele não conseguia dormir, o jeito foi enrolá-la numa viga do barco.
Foi
dar um tempo no Boteco - toma uma aqui, outra acolá, o tempo vai passando e todo
mundo fica falando alto e, rapidinho se faz amizades.
O
Zé Mundão conheceu um sujeito por nome de Gondinho,
natural de Maués, fazia anos que ele não ia a sua terrinha, ele estava
acompanhado do seu filho, o Coroinha,
um jovem católico, apostólico e romano, além das Beldades, duas colegas de trabalho do Gondinho.
Fez
amizade também com um cara que era Padeiro
(dono de duas padarias em Manaus) e mais quatro “Pinguços” da melhor qualidade.
Lá
pelas tantas, o Padeiro fez a
seguinte declaração:
- Fiz a maior leseira!
Amanhã será o meu aniversário - passei a tarde toda tomando umas e outras lá no
Bar Caldeira, quando senti a maior saudade da minha terra Maués, fui para o
Rodo e entrei no barco com a roupa do corpo, não avisei nada para a minha
família, vai ter uma feijoada amanhã para os convidados lá em casa, como é que
eu vou explicar essa minha loucura!
O
Zé Mundão procurou consolar o camarada:
- Agora não vai dá para
consertar nada, estamos navegando a noite no meio da maior floresta do mundo, a
única solução será você ligar para a tua família quando chegarmos a Maués e
pegar o primeiro avião para Manaus! Por hora é melhor beber e esquecer.
A
viagem estava transcorrendo numa boa, muito forró/brega, com as Beldades mostrando aquele visual, o Gondinho contando piadas e o Coroinha enchendo o saco de todo mundo,
falando só de religião.
Depois
de meia-noite o Zé Mundão resolveu dormir, quando chegou ao seu lugar, os
Pinguços estavam jogando dominó bem embaixo da sua rede, teve que aguentar um
bom bocado aquela zoada de pedras na mesa, além daqueles comentários:
- Até que enfim tu jogaste a carroça de sena!
– Gato, não, papai! - Capote! Tu fechaste o meu jogo, Anta!
Uma
hora depois, a paciência do Zé Mundão chegou ao limite máximo, deu uma bicuda
na mesa de dominó, gritou um palavrão, mandando os Pingunços para aquele lugar!
Somente
assim conseguiu, finalmente, dormir.
Seis
da manhã em ponto, os Pinguços ficaram azucrinando:
- Zé, Zé Mundão, acorda, acorda, vamos tomar o
café da manhã!
Pulou da rede, um deles foi logo lhe dando um
copo de cerveja, o café para eles, para Zé, não! Mesmo assim, ele deu uma
golada e uma vomitada em seguida!
Fazia
uma manhã de Sol, dava para notar o quanto o
Rio Maués-Açu é bonito, mas, para o Zé Mundão, o mais admirável de tudo, superando
até a beleza do rio, foi ver as Beldades
de “fio dental” pegando um bronze na área de lazer do barco.
A
galera se reuniu novamente no boteco, haja suco de cevada; lá pelas dez da
manhã, o Padeiro mandou ver:
- Até
chegar a Maués tudo será por minha conta, vamos comemorar o meu aniversário,
macacada!
Ai foi graça para o Zé! Nesta altura do
campeonato, o Padeiro já tinha esquecido a sua mulher, os filhos e até o seus
convidados, não estava mais nem aí para a feijoada em Manaus!
Chegaram
às onze e meia da manhã, o barco parou ao lado da Praia da Ponta da Maresia, nesta época do ano é o “point” da galera, com areias brancas,
água cristalina, com 500 metros de extensão, palcos armados para shows - estava
apinhado de gente.
A
primeira missão era “forrar” o bucho,
foram para uma peixaria, o dono era amigo do peito do Gondinho - ao chegarem ao
estabelecimento, a festa foi total – ficaram acomodados numa imensa mesa de
madeira que ficava no quintal – o pedido foi feito pelo Padeiro:
- Quatro Tucunarés parrudos, refrigerantes
para as Beldades e um camburão de cervejas para os Pinguços & Cia! Tudo por
minha conta!
O
Zé Mundão ficou observando um curumim
(menino pequeno), filho da cozinheira, ela fez um prato de três andares e colocou
duas cabeças de Tucunaré, o moleque comeu tudo e ainda pediu bis –
muito diferente dos seus filhos quando eram pequenos, a sua mulher tinha que
fazer “aviãozinho” para eles comerem.
Um
senhor se aproximou e puxou conversa como Zé Mundão, ele era uma pessoa
simples, com a voz pousada, um típico interiorano:
- Você
vai ficar onde, Zé Mundão?
- Ainda não sei, mas
estou pensando em ficar num hotel ou na casa da prima do Gondinho.
- Se você quiser pode
ficar lá na minha fazenda!
- Poxa, muito agradecido
pelo convite, mas, já fiz amizade com essa turma e não posso ficar longe deles.
O Zé Mundão ficou surpreso com o convite, pois
ficou sabendo através do Gondinho que o velho era um fazendeiro, um dos mais
ricos de Maués.
Deixaram
a bagagem no restaurante e foram para a Praia
da Antártica, considerada a mais famosa e movimentada da cidade, muito
arborizada, de areias brancas e águas límpidas, possui o mais lindo pôr-do-sol
do Brasil.
O
Zé Mundão se lembrou de um amigo baiano, o Lúcio, um cantor e compositor que
passou uma temporada em Maués e, inspirado nas belas praias, compôs uma bela
canção chamada “Beira de Rio” – ele começou a cantarolar a música:
- “Como é bom morar na
praia, no lugar que se imagina, viver, numa praia, na beira do rio, me dar
arrepios, saber que a sua cabeça, não está nesse lugar, na beira do rio, canta
passarinhos, na beira do rio, olha o Sol se pondo, aonde ele se esconde, do
outro lado da praia, do lugar que se imagina, oi, oi, oi, Maués".
Voltaram
ao restaurante, pegaram as suas mochilas e rumamos para a casa da prima do
Gondinho, chegando lá, foram bem recepcionados – ela serviu aos visitantes o
jantar bem regional, um guisado de Paca.
O que mais chamou a atenção do Zé Mundão foi o
hábito que eles têm de ficar o tempo todo tomando Guaraná em Pó, ralado na língua do Pirarucu – análogo ao hábito que os paraenses possuem pela Cuia de Açaí com Farinha de Tapioca e,
os gaúchos, pelo Chá Mate no Chimarrão.
Segundo
os estudiosos, esse saudável hábito dos caboclos, aliado a dieta amazônica, que
inclui a alimentação básica de peixes, frutas e verduras regionais, conjugado
com exercícios físicos e noites bem dormidas – é a chave para alcançar a
longevidade - os nativos de Maués alcançam, estatisticamente comprovado, a
maior vida longa do país.
A
prima do Gondinho fez a gentileza de passar a roupa do Zé Mundão, pois ele iria
assistir a encenação da Lenda do Guaraná.
Ela comentou que aos domingos os índios Saterê-Mauê
vêm à cidade, para fazerem trocas e receberem donativos – num belo gesto, ele doou
algumas mudas de roupas para ela entregar aos índios.
Saiu
com o Coroinha para dar um “rolé”
pela cidade, mas o religioso o levou direto para a Igreja, não teve
escapatória, teve de assisti a missa todinha, depois, deu um drible nele, pois
a praia do Zé Mundão era outra, queria beber e ver a mulherada.
Voltou
altas horas da madrugada, não conseguia atar a sua rede, o jeito foi dormi foi
no chão. Foi acordado pelas Beldades, estavam convidando para voltar com elas
para a cidade. Ele foi na conversa delas e, apesar da insistência dos amigos
para ficar, mesmo assim, embarcou de volta para Manaus.
Na
saída do barco, comentou para as Beldades sobre um episódio acontecido muito
anos atrás, quando um padre foi expulso da cidade, no embarque ele fez a
seguinte maldição:
- Maués, mau és, mau
foste, mau serás!
Apesar
das poucas horas em que ficou em Maués, o Zé Mundão gostou muito da cidade e,
falou para elas:
- Cruz credo, ainda bem
que não vingou a maldição desse padre, pois ela é uma cidade mui bela, boa,
agradável, de um povo feliz e hospitaleiro. Não possui nada de mau! Oi, oi, oi,
Maués!
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