sexta-feira, 9 de setembro de 2022

FORRÓ DA MARIA BELÉM


Dona Maria Belém era uma senhora que veio com a família do interior do Pará. Tornou-se uma mulher festeira e, por isso, foi considerada uma referência no quesito diversão, com muito forró em sua residência, situada no igarapé de Manaus. Apesar de os paraenses gostarem muito do Carimbó, tipo de dança de roda, originário da cidade de Marapanim (PA), a Maria Belém adotou o forró, o famoso arrasta-pé, música originalmente instrumental, parente do baião, porém com andamento mais acelerado, muito apreciada no nordeste, principalmente no Ceará. Ela foi influenciada por famílias de nordestinos que migraram para a Amazônia, na época “dos soldados da borracha”, na coleta do látex para os esforços de guerra (Segunda Grande Guerra Mundial).
Morava numa grande casa-flutuante ancorada na Rua Ipixuna, no igarapé de Manaus, ao lado do “Edifício do Homem de Brasília”. Sua casa tinha uma distribuição interior igual as dos caboclos ribeirinhos da Amazônia, feita de madeira, com um grande salão, pequeno quarto, cozinha com jirau (espécie de pia), banheiro e privada juntos, casa com duas portas, uma na frente e outra nos fundos, além de várias janelas laterais. Enfim, coberta de palha, sem água encanada, nem luz elétrica.
Nas sextas-feiras e sábados, sua residência era transformada num grande salão de danças. Os músicos que se apresentavam eram originários da Banda da Polícia Militar, das Pastorinhas da Rua Major Gabriel e de alguns moradores que tocavam instrumentos de sopro, advindo das ruas do entorno do Igarapé de Manaus. A entrada era gratuita: bastava apenas ter fôlego para dançar até o sol raiar e gogó de aço para entornar bastante batida de Cocal.
Eu e meus irmãos e outros moleques, que moravam no entorno da casa, podiam entrar para apreciar a festa desde que ficassem comportados. Mas eram logo expulsos, pois aprontavam muito, como ficar o tempo todo chupando limão bem na frente dos músicos de metais, que os deixavam com a boca cheia d água, impedindo-os de soprarem o saxofone e o clarinete. Eu sempre dava um jeito de retornar a casa, pois gostava de ver os mais velhos dançando e bebendo uma batida de limão, um tipo de ponche feito numa grande panela de alumínio, com muitas garrafas de Cocal (cachaça originária do Pará). O pessoal tomava a batida num caneco de alumínio, soldado em uma haste, o mesmo que era utilizado para tomar água de pote de barro. Eu saía da festa somente quando sentia que o clima estava ficando tenso. Quando os frequentadores começavam a ficar bêbados e a soltar impropérios uns contra os outros, as brigas eram inevitáveis. A iluminação era realizada à base de lamparinas (feitas de metal, com um pavio e querosene) e algumas vezes os mais afoitos apagavam a chama, aproveitando a escuridão para pegar nos seios de alguma cabocla ou dar um acocho numa vizinha.
Todo final de semana era assim: na hora da briga, muitos pulavam pelas janelas dentro do rio (quando o rio estava cheio) e os músicos corriam em debandada juntamente com a mulherada. Numa dessas brigas, o flutuante começou a tremer, uma lamparina caiu dentro da panela de batida, quando entrou em ação a turma do “deixa disso”. Ânimos acalmados, todos voltaram ao forró da Maria Belém. Quando foram reiniciar os trabalhos, a cachaça estava com gosto esquisita. Dona Maria Belém meteu a mão dentro da panela, de lá tirou a lamparina e a jogou pela janela, mostrando aos gritos um terçado tipo facão:
– E aí cambada de valentões, ordinários, não vão mais encarar a minha batida de limão?
– Até que dá para tomar, mesmo com este gosto escroto de querosene! - argumentou um deles.
Dona Maria procurou amenizar a situação:
– Tá bom! Podem beber e dançar novamente, mas se começarem a brigar de novo vou acabar na hora com a porra desta festa e botar todo mundo prá correr!
Durante anos foi sempre assim: muita dança, batida de limão e brigas no Forró da Maria Belém.
Fonte: Livro E-book "O Igarapé de Manaus, Jose Rocha"