Ao passar pela ponte da
minha infância, a Ponte Romana I, na Avenida Sete de Setembro, lembrei daquela
famosa música do Chico da Silva “sonho de criança é crescer, ganhar o
mundo, depois dormir, num sono mais profundo...”, num passe de mágica, viajei
ao passado, lembrei dos meus vizinhos do Igarapé de Manaus: Mal Feito a
Martelo, Helio, Soraya, Solon, Artur, Artuzinho, Judico, Zé Roberto, Sabá,
Diva, Norberto, Zé Carlos, Neuza, Adena, Oscar, Diquinha, Márcia, Rosa, Pátria,
Neno, Wanda, Nego Sarto, Zé Inácio, Hilário, Rubinho, Gadelha, Rogério, Goiaba,
Wangler, Sargento, Totonho, Aluisio, Tico, Beto, Nego, João Bringel, Pingo,
Gurgel, Dural, Triunfo, Norma, e, mais uma duas dezenas de outros que não me
recordo dos nomes, mas as fisionomias ficaram marcadas para sempre.
Senti saudade dos pulos da
ponte, dos banhos de rio - os meus pais não permitiam, mas, eu e os meus irmãos
colocávamos os nossos calções num arbusto qualquer e, tomávamos banho pelado,
certa vez, um engraçadinho levou o meu calção, deixei anoitecer e corri pelo
meio da rua, peladinho da silva, passei o maior vexame, foi gozação total, dei
o troco, fiz a mesma coisa com outro moleque.
Acordávamos às cinco da
manhã, deixávamos a Leiteira na porta da nossa casa e, corríamos para pegar manga Rosa, no terreno do Hospital da Beneficente Portuguesa, certa vez, ao
voltar, encontramos um gato lambendo parte do leite derramado, aquilo seria um
motivo para uma boa peia, a solução foi colocar água para completar o litro de
leite, apesar de ficar fraco e com pelos do felídeo, durante o café, com exceção
da mamãe e do papai, ninguém quis saber do leite, tomamos o café puro, os
velhos desconfiaram, não teve jeito, a peia comeu no centro.
As brigas de rua eram
“normais”, existiam muitas rixas com o pessoal da Rua Ipixuna e Major Gabriel -
usávamos somente os braços e as pernas, nada de arma de fogo ou branca, cada um
ficava no seu quadrado, entrar no território do inimigo, nem pensar, quem
ousasse, apanharia na certa, certa vez, fomos convidado para jogar no Campo do
Bodozal, pertencia ao pessoal da Rua Major Gabriel, foi uma cilada, apanhei sem
pena e nem dó, marquei um por um, o tempo passou, mas quem apanha não esquece,
dei o troco na maioria dos meus agressores.
Existiam dois Circos na
rua, um pertencia ao Sarto, conhecido por Nego Mau - apesar de ser circo de
brincadeira, era tudo bem organizado, tinha bilheteria, arquibancada, trapézios
e palhaços – eu e os meus irmãos fomos “contratados” para fazer acrobacias,
ficamos conhecidos como “Os Irmãos Borracha”, acabou a temporada e o patrão não
pagou o nosso cachê, depois de trinta anos, fizemos o Nego Mau pagar um jantar
e uma grade de cervejas para o Neno, Rocha, Zezinho e o Henrique.
O outro circo pertencia ao Aluízio - fui “trabalhar” para ele, certa vez, estava no trapézio de cabeça para
baixo, o Nego Mau pegou uma baladeira e, com uma bolinha, acertou bem no meu
“ovo esquerdo”, cai de cabeça no chão, acho que com o baque na cachola fiquei
tantã até hoje.
A nossa criação foi muito
rígida, mas, moleque não tem jeito, sempre que os velhos davam bobeira eu fugia
para brincar na rua, gostava de nadar, jogar bola, curtir as brincadeiras de
papagaio de papel, jogar pião e gangapé, subir em mangueiras, pular da ponte,
morcegar a carroça do Sêo Hilário, dentre outras - pelas as minhas peraltices,
acho que pegava uma peia todo dia, pior que além dos meus pais tinha também a
vovó paterna, uma cearense braba, qualquer coisa errada era motivo para pegar
uns bolos na mão.
Acordei, voltei para o
século XXI, tudo acabou, restaram poucos vizinhos que teimaram em ficar no
lugar, o nosso Igarapé de Manaus foi aterrado, todas as casas da sua margem
foram retiradas, transformaram o local num centro de convivência para os
jovens, com bastantes quadras de futebol de salão, ciclovias e praças de alimentação.
Depois, resolvi fazer uma
caminhada pelo entorno do Parque Desembargador Paulo Jacob, uma justa homenagem
a um antigo morador da Rua Major Gabriel – tristeza, muita tristeza, pois o
local está abandonado, com muito mato e lixos por toda parte – dizem que a
Prefeitura de Manaus não aceitou tomar conta do parque, em decorrência de não
ter sido o “pai da criança”.
Encontrei com o meu amigo Aluízio
ele ainda mora na mesma casa onde nasceu há sessenta e seis anos atrás,
inclusive, fui convidado para o seu aniversário no próximo dia 13 do mês corrente
mês – estarei lá para rever os amigos.
Apesar de toda a
descaracterização do local, continua sendo o lugar mais querido da minha
infância, o meu Igarapé de Manaus! É isso.
Fotos: 1.J Martins Rocha/2. Desconhecido/3.Chico Batata
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