O Liposarcus pardalis, conhecido popularmente como Acari Bodó, simplesmente Bodó para os manos do Amazonas – é o “patinho feio” na preferencia dos consumidores e pescadores - muitas pessoas não gostam nem um pouco dele, em decorrência do seu aspecto esquisito, bastante feio, parece de outro planeta, além do mais, o bicho é chegado a se alimentar de tudo o que aparece pela frente, não faz cerimônia, até merda ele come, na maior -, mesmo assim, dou o maior valor, o seu sabor é inigualável, além do seu nome está ligado a alguns fatos interessantes.
Na minha infância, ele sempre estava presente a nossa mesa, era sempre detonado assado na brasa ou na forma de caldeirada (cozido e servido com tucupi e bastante verduras) e também como farinha de piracui. Os meus filhos nunca tiveram a coragem de comê-lo, preferem os peixes nobres da água doce, puro preconceito, somente porque ele é feião, come fezes e nada mais!
Ele não tem escamas, possui uma puta de uma carapaça, você pode cometer uma gafe se pedir ao peixeiro um Bodó “ticado”. Somente pode ser preparado quando ainda estiver vivo, mesmo após o corte do rabo e parte do corpo, continua se mexendo! Um Bodó morto exala um fedor insuportável – um amigo meu comprou uma dúzia na Feira da Panair, colocou na mala do carro e esqueceu de tirá-los, passou o final de semana trancado, na segunda-feira quando entrou no carro notou o estrago que ele fez, foi uma semana de fedor, ficou entranhado. Dizem os especialistas que se forem tiradas as vísceras e conservado em gelo na temperatura de 20 graus, poderá ser comercializado até em doze dias.
O Igarapé de Manaus foi o local onde eu nasci, curti muito as enchentes e vazantes, o local era navegável, o Rio Negro invadia o seu leito e ia até a Rua Ipixuna; na seca, gostava de pescar o dito cujo, metia a minha mão nos buracos onde ele se escondia, sempre ficam dois, talvez um casal, não sei, - um era bastante grande, não fazia resistência, agora, o pequeno era brigão, não se entregava fácil.
O meu pai tinha um amigão do peito, o nome dele era Abdias, era conhecido pela alcunha de “Bodó” – pense numa figura, o cara era amolador de ferramentas no Mercado Adolpho Lisboa, nas horas vagas era polivalente: biriteiro, palhaço e cozinheiro.
Nos finais de semana, ele ia para a nossa casa/flutuante, a minha avó não gostava nem um pouco dele, pois foi ele quem incentivou o papai a começar a beber, além do mais, por ser católica fervorosa, considerava o Bodó o “sapato do diabo”, eis as razões da raiva da velha -, quando ele chegava, ela fazia o sinal da cruz e dizia: - Lá vem o Satanás, vou passar o dia fora de casa. O cara vestia uma bata da minha mãe, pintava os lábios, coloca uma peruca e um corpete, se transformava na cozinheira “Bodó do Igarapé de Manaus”, é mole!
Ele não era gay, gostava mesmo era da sacanagem, passava o dia todo tirando saro com todo mundo; contava piadas, colocava no máximo o som do rádio, preparava a batida de limão, fazia o almoço, jogava eu e os meus irmãos dentro d’água, dando o famoso “caldo” na molecada, enfim, ele era o cara mais divertido do pedaço. Os meus pais passavam todo o domingo sorrindo das travessuras do amigo, que legal, sinto ainda saudades do Bodó.
A minha amiga Celestina é sexy, digo, sexagenária -, faz bastante tempo que ela é viúva, ela diz que ainda dá no tranco, só pensa naquilo; atualmente, está sem namorado, pois o seu “carcará” o Sacy partiu para a cidade de Boa Vista, em Roraima, arranjou uma índia macuxi e não voltou mais para Manaus - certo dia um “caboco” gozador chegou próximo a um amigo meu e mandou ver: - Tu tens coragem de detonar a Celestina? Ele respondeu: - Te esperou, sou capaz de comer até cabeça de Bodó, imagine a Celé! Cruz credo, mano velho, sai prá lá “vovodófilo”!
Existe em Manaus uma banda chamada “Os Tucumanus”, gravaram uma música chamada “Acari Bodó”, composição do Mauricio Pardo e Denilson Novo, a letra é mais ou menos assim: "Acari Bodó/Bodó Bodó Bodó/Maniva utilíssima/H2O, H2O/Farinha utilíssima/ H2O, H2O/Misture tudo isso e faça um pirão/Êeeee refeição...Acari Bodó Bodó Bodó Bodó Bodó Bodó Bodó/É só levar ao fogo brando e esperar ferver/Mas não se esqueça, mexa, mexa, mexa/E pronto!
A última vez que eu provei do Bodó, foi no ano de 2008, no Festival Folclórico de Parintins, foram três dias brincando de boi, curtindo a cidade e dando com força no Bodó. No último dia, a cozinheira do barco onde eu estava alojado, fez uma "Panelada de Bodó", só em pensar dá água na boca – comi tanto que cheguei a passar mal.
No próximo ano, se Deus permitir, irei novamente a Parintins, irei comer Bodó que nem um doido. Haja Bodó, eu, hein!
FotoS: 1. Bodó Assado em Parintins - J Martins Rocha
2. Caldeirada de Bodó - http://machiparo.blogspot.com/2008/05/paca-com-bod-na-segunda-palestra-na.html
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