sábado, 4 de abril de 2009

A SAGA DE UMA FAMÍLIA CEARENSE NA AMAZÔNIA - I PARTE


Na década de 20 do século passado, o cearense José Martins, partiu da sua querida Uruburetama rumo à Amazônia desconhecida, embarcou na terceira classe de um navio para Manaus, deixou para trás a sua esposa Lidia Martins Pires e os dois filhos, o primogênito José da Paixão Martins Pires e o mais novo José Martins Pires.
Fugia da seca que assolava o nordeste; prometeu aos familiares que um dia voltaria para buscá-los, pois iria trabalhar na coleta de látex, fazer o seu pé-de-meia e, voltar e propiciar uma vida mais digna para os seus.

Chegando a Manaus, foi trabalhar para um seringalista, dono de uma propriedade no Alto Juruá; por lá permaneceu por vários anos, chegou a ser um dos homens de confiança do coronel, conseguiu amealhar alguns tostões.

Em Uruburetama, a família Martins passou por várias privações, apesar da ajuda de alguns parentes. A Dona Lidia, confeccionava calças e camisas, os meninos ainda eram pequenos, duas bocas para alimentar. Era uma senhora católica fervorosa, frequentava diariamente a igreja, uma forma de amenizar o sofrimento material através das orações.

O pároco da igreja chamava-se padre Rocha, um homem de estatura mediana, barrigudo e com o cabelo pixaim. O José da Paixão, nome dado por ter nascido numa sexta-feira de paixão, era a cara cuspida do homem de batina, em decorrência dessa aparência, foi apelidado de Rochinha.

O imigrante José Martins, pelos bons serviços prestados, recebeu a permissão do coronel para ir buscar a família no Ceará; partiu para a sua cidade querida. Por falta de comunicação, a esposa e os filhos fizeram o caminho inverso, conseguiram passagens do governador e, rumaram para Manaus, houve o desencontro da família.

Em Manaus, a família Martins foi morar no Asilo de Mendicidade, na Rua Recife, em frente à fábrica Magistral. A Dona Lidia continuou o oficio de costureira, para tirar algum sustento para a prole.

O menino José da Paixão “Rochinha” foi servir de “escravo” na mansão do coronel, situada na Rua José Clemente, centro antigo, hoje é o Hotel Xavante. A patroa era viciada em morfina, as filhas viviam numa vida boa, comiam, bebiam e dormiam, não levantam nem para levar o penico para o vaso sanitário, o Rochinha tinha que fazer tudo e mais um pouco.

Certa vez, o coronel viajou para visitar os seus seringais, não deixou abastecida a droga para o consumo da patroa; num acesso de loucura pela falta da morfina, determinou ao Rochinha que queimasse todos os documentos da contabilidade do patrão; obedeceu na hora, fez a fogueira no fundo do quintal e mandar para o espaço até as escrituras públicas dos imóveis da família.

O regressar, o patrão deu por falta dos documentos, ao inquirir a patroa, ela na maior cara de pau disse que o Rochinha era o culpado, pois tinha queimado uma porção de documentos sem a sua autorização. O coronel ficou fulo da vida, partiu para matar o menino, mas como ele tinha sebo na canela, correu, sem parar, até chegar ao Asilo; no trajeto, prometeu a si mesmo que, se um dia tivesse filhos, jamais permitiria a nenhum deles trabalhar em casa de família.

Passado alguns meses, o pai José Martins aporta no Rodaway e, reencontra a família; o Rochinha fala para o seu genitor o que tinha ocorrido na casa do patrão; o coronel ficou sabendo da verdade, pediu desculpas pelo acontecido e, depois deu várias peias na mulher e nas filhas molengonas, cortando de vez com todas as mordomias e drogas, obrigado-as a trabalharem por longo período no seringal.

A família Martins partiu para o Alto Juruá, aonde o genitor veio a falecer meses depois, em decorrência da Malária. Voltaram para Manaus, sem eira nem beira, a Dona Lidia vendeu o seu único bem, a maquina de costura; foi obrigada a trabalhar em casa de família, o Rochinha foi ralar numa fábrica de castanha, na Rua Joaquim Nabuco; o irmão caçula, era a ovelha negra da família, fazia alguns trabalhos de pouca monta e tomava todas. Alugaram uma casa na Avenida Getúlio Vargas, na Vila do David. A vida continua!

Num belo dia, os fiscais da Delegacia do Trabalho, fizeram uma blitz no local de trabalho do Rochinha, o mesmo não tinha nem lenço, imagina documentos, foi quando foi obrigado a ser tornar um cidadão, com a ajuda de um advogado que morava na Vila do David, foi tirar a sua Certidão de Nascimento, quando aproveitou para incluir o seu apelido de infância, passou a chamar-se José Rocha Martins, cortou o Paixão, pois não era nem um pouco católico, apesar da relutância da Dona Lidia.

O filho caçula aprontou tudo o que tinha direito ou não, tornou-se alcoólatra, adquiriu várias doenças venéreas, veio a falecer ainda muito jovem; a família não tinha grana para fazer um enterro decente, faltava boró até para pagar uma carroça, o caixão foi levado a pé até o Cemitério São Batista, no Boulevard Amazonas,

Agora a família resumia somente na Dona Lidia e o Rochinha. Com o passar do tempo, o varão começou a correr atrás de um rabo de saia. Certo dia marcou uma lamparinada com uma nega, na sala de estar da própria casa, aguardou a velha começar a roncar, apagou as luzes e iniciou o abate da lebre, quando estava no bem-bom, a velha acendeu a luz, aí o bichou pegou! Foi caco de mulher para todos os lados. Tomou uma decisão: iria arranjar uma mulher e colocaria para morar no mesmo teto.

Num belo domingo de verão amazônico, o Rochinha foi dar um passeio pela Praça da Policia e tomar um sorvete de cupuaçu, quando conheceu uma jovem chamada Nely, gestante de três meses, abandonada pelo pai da criança, um potyguar, que se arrependeu até a morte, aos noventa anos de idade. O casal resolveu juntar as trouxas e morar juntos; a Dona Lidia nunca aceitou esta união. A vida continua!