Bola é o apelido de um colega de rua que possui a estatura mediana, moreno, gordinho e redondinho, daí o apelido por ser parecido com uma bola de futebol – Vila Martins era uma imensa casa da “belle époque”, que pertencia a uma seringalista e que ficava na Rua Leonardo Malcher, onde é hoje é uma faculdade da Uninorte, com o fim do primeiro ciclo da borracha aquele imóvel foi dividido em dezenas de quitinetes – era o local onde o Bola morou por longos anos, mudando-se depois para o bairro da Matinha.
Mesmo morando em outro
bairro, o seu local preferido continua sendo a Avenida Getúlio Vargas, Vila
Paraíso e Rua Tapajós, onde conserva a amizade de velhos amigos de rua e de
birita.
Ele e outros colegas de
rua faziam parte da “Galera Selvagem”, um grupo infanto-juvenil que deu muito
trabalho para os homens da lei, pois aprontavam todas naquele entorno,
promovendo brigas e arruaças dentro do Bancrévea Clube e no Sheik Clube, ambos
na Getúlio Vargas.
Este grupo não existe mais,
são todos cinquentões e sessentões, porém, gostam de se reunir no final de ano
para lembrar os velhos tempos.
O Bola desde novinho
sempre gostou de batucar em qualquer coisa que desse som, mesa, prato, garrafa
de plástico ou de vidro etc. Com o tempo, foi pegando gosto por pandeiro,
atabaque, tantã e o surdo de primeira, sendo chamado para as baterias das
escolas de samba de Manaus.
Ele faz parte do livro O
Zé de Mundão de Manaus “...Agora, imagine o Zé Mundão com a sua Galera. na época do carnaval. O bicho pegava. Eram seis e faziam
parte da bateria da Escola de Samba Unidos da Getúlio Vargas. Nos ensaios, o Zé
queria ditar o ritmo, mandar mais que o Mestre Bola, um negão barrigudo, grande
sambista importado lá da Matinha. O Bola ficou chateado e mandou ver: – Zé
Mundão, tu tá atravessando o samba, cai fora agora ou quebro tua cara de
porrada! O Zé não se fazia de rogado: – Tá bom, mas tem um detalhe: vai comigo
toda a minha galera, inclusive o Bira, o cara que ia pagar logo hoje três
grades de cerveja, mano! Mestre Bola sentiu a parada dura, pois sabe como é a
vida: sem veludo no gogó, não dá samba! Procurou logo amenizar: – Tá bom, Zé,
mas bate devagar no surdo de primeira, vou fingir que nem estou ouvindo! O Zé
somente aprontava nos ensaios, pois, no desfile na Avenida Eduardo Ribeiro, o
cara ficava dentro do ritmo, apesar de só descer a avenida depois de ter
detonado várias doses do padrinho Acrísio, uma bebida alcoólica preparada
artesanalmente pelo “Sêo Acrísio”, famoso “químico” da fábrica do guaraná Baré...”.
Um micro empreendedor da Rua Leonardo Malcher resolveu inovar: fez um rodízio de sanduíches + refri a vontade por dez reais, achando que o caboco não aguentaria comer mais de três samdubas. O Bola foi lá e detonou seis X-Salada e um Kokão. O dono acabou a promoção na hora. Para quem come um pacote de macarrão e seis ovos antes do jantar, aqueles sanduichinhos eram moleza para o Bola.
Certa vez, houve uma roda
de samba na Rua Costa Azevedo, próximo a Calçada Alta, com direito a palco e
tudo o mais, lá pela tantas o locutor anunciou: - E agora com vocês, um grande
sambista vindo diretamente do Rio de Janeiro, o Bola da Vila Isabel. Entra um gordinho sambando e tocando um surdo
na maior bossa. O Jorge Faraó, outro
amigo de infância deu um grito para ecoar em todo o quarteirão: - Esse ai é o
Bola lá da Vila Martins. Não é do Rio, não, ele é da Vala da Vila Paraíso. Ele não deu a mínima,
botou pra tocar e animou a festa.
Na época das galeras, ele e
o Peri (filho de criação do Dr. Viriato) eram malinos, gostavam de botar para
correr quem não era da área. Numa noite escura, os dois estavam na entrada da
Vila Paraíso e avistaram ao longe um bêbado que vinha na direção deles. O Bola falou: - Peri, corre um dá
um tapa naquele vagabundo, se ele não correr eu dou o arremate aqui. O Peri
voltou ofegante: - Bola, Bola,
não bate nele não, é o porra do Maroco (um vizinho da Vila Paraíso que quase
apanha na escuridão).
Outra vez, passou por lá
um “filhinho-de-papai” todo becado com um tênis All Star zerado (o desejo de
consumo do Bola). Não deu outra, o Bola deu-lhe um tapa e gritou: - Tira agora
o sapato e calça o meu surrado! O Bola todo boçal foi para o baile no Sheik, lá
o camarada reconheceu o Bola e foi buscar um segurança para tomar o tênis. Os dois ficaram se encarando. O Bola
abriu a mão que tem o tamanho de um pandeiro de quatorze polegadas, o camarada
como já tinha sentido o peso da parruda, falou: -
Parece com o meu, mas não é, não!
O Bola fez semana passada
55 anos de idade. Ele não apronta mais. É um cara de responsa. Um amigo de
infância o empregou numa locadora onde faz lavagens e higienização dos
veículos.
Continua batucando e
batendo com força no surdo de primeira da Pareca e do Reino Unido, além de
encontrar com os amigos no Bar Aroeira da Getúlio Vargas para lembrar dos
velhos tempos da Vila Martins.