domingo, 10 de abril de 2016

O ZÉ MUNDÃO - I PARTE


J. Martins Rocha
1ª. Edição
2014

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Autor:
Rocha, J. Martins, nasceu em Manaus, em 1956, capital do Estado do Amazonas, formado em Administração de Empresas, pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), atua como pequeno empresário do ramo alimentício e, editor do BLOGDOROCHA, uma página na internet voltada para a cidade de Manaus, a Amazônia e a sua gente.
Contatos:
Celular: (92) 9153-7448
E-mail: jmsblogdorocha@gmail.com
Página Internet: BLOGDOROCHA
www.jmartinsrocha.blogspot.com

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Introdução
O livro surgiu em decorrência de centenas de postagens que publiquei no BLOGDOROCHA – no endereço eletrônico www.jmartinsrocha.blogspot.com - na qual edito desde 2006 – não sou jornalista, historiador ou pesquisador, mas, escrevo para o blog de forma amadora sobre a minha cidade, principalmente, da Manaus antiga e das décadas em que desfrutei das suas belezas, encantos, monumentos, praças, cultura, músicas e gastronomia - bem como, da contribuição cultural, social, educacional e econômica por parte das pessoas que aqui vivem ou viveram.
O personagem Zé Mundão foi criado, casualmente, nas postagens do BLOG, onde me permitia escrever contos e causos a vontade sobre a infância, adolescência, vida adulta e na idade feliz dos meus irmãos, amigos, colegas e, sobre a minha também.
Vários amigos e leitores aconselhavam-me a reunir os escritos num livro, não aceitando de imediato a sugestão, pois não me achava preparado suficientemente para tal empreitada. Recentemente, fui condensando as postagens e, consegui terminá-lo, contando com a ajuda e incentivo de muitas pessoas e colaboradores. 
Escrevi de uma forma leve, cômica e irreverente, misturando realidade com ficção, tendo como pano de fundo a cidade de Manaus e o interior do Estado do Amazonas. Este é o meu primeiro livro, uma obra simples, com os erros e acertos de um iniciante, mas, espero que ele cumpra a sua missão: elevar o estado de espírito das pessoas que o lerem.

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Dedicatória:
Aos meus pais Rocha e Neli (in memoriam) 
Aos meus filhos, Alexandre, Amanda e Adriana.
Aos meus netos, Victor e Eduarda.
Aos meus amigos e familiares.

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O Zé Mundão nasceu na Santa Casa de Misericórdia, na década de cinquenta, quando veio ao mundo, estavam batendo as dozes badaladas dos sinos da Igreja de Sebastião, exatamente no dia do aniversário do Presidente Juscelino Kubitschek; os seus familiares ensaiaram em chamá-lo pelo prenome do mandatário maior da nação, mas, ao ser batizado na Igreja dos Remédios, recebeu na pia batismal o nome de José, em homenagem ao seu avô, um cearense que veio para a Amazônia coletar o látex. O seu primeiro lar foi um “flutuante”, uma casa de madeira apoiada por duas enormes toras, própria para flutuar na enchente do Rio Negro, no Igarapé de Manaus.
Para não fugir da exceção, por ser um filho e neto de uma família de cearenses, passaram-no a chamá-lo de Zé, um diminutivo carinhoso de José - era o mais novo de todos os irmãos, o caçula queridinho da família; os seus irmãos mais velhos eram conhecidos como Zé Galinha, Zé Pacú e, a única mulher, foi batizada de Maria José, também chamada de Zezinha, tinha que ter Zé no meio de qualquer maneira.
O local onde morava o Zé era um braço do rio e, fazia parte de um conglomerado de residências conhecido como “Cidade Flutuante” (com maior concentração das casas por detrás da Rua Barão de São Domingos) – o processo de ocupação do leito do rio foi iniciado em decorrência do declínio do fausto da borracha e, com a falência dos seringalistas, levou uma multidão de seringueiros a ficarem sem eira nem beira, não tinha onde morar, a solução foi iniciar a construção de suas casas sobre as águas da orla do Rio Negro e pelos igarapés que cortavam a cidade de Manaus.
As habitações eram construídas sobre troncos de árvores, tornando-as flutuantes, com os assoalhos e todos os cômodos de madeira, tendo a cobertura, na sua grande maioria, feita de palhas - os que tinham mais recursos cobriam com folhas de zincos.
Formavam um imenso conglomerado de casas, era tão grande que chegou a ser uma “cidade” dentro da própria cidade de Manaus, com mais de 2.000 casas e aproximadamente 12.000 habitantes.
Neste local existia além de moradias, todo tipo de comércio: estivas, ferragens, restaurantes, gabinetes de dentistas, consultórios médicos, drogarias, oficinas mecânicas de consertos de motores marítimos, vendas de borrachas, castanhas, jutas, couros e peles de animais; qualquer atividade que tinha em terra, também tinha na cidade flutuante!
Alguns achavam que aquilo era um cancro, uma vergonha para os habitantes da terra firme, mas, foi exatamente onde o pequeno Zé passou de uma forma muito feliz a sua infância.
Morar em um flutuante tinha os pontos negativos e também positivos. A família do Zé era discriminada pelos moradores que moravam na parte de cima da Rua Igarapé de Manaus, pois se achavam superiores aos pobres moradores de flutuantes.
A grande maioria das famílias das ruas Huascar de Figueiredo e Lauro Cavalcante, pertencente à classe média, com belíssimas residências, tinham preconceitos ainda maiores – algumas falavam que eles moravam no “bodozal” (na lama, onde se reproduzem o peixe Acari Bodó).
Na enchente, a família e os animais de criação (gatos e galinhas) ficavam “ilhados”, com acesso a terra somente por uma pequena tábua, onde o pequeno Zé sofria muito para passar, com risco de queda dentro de rio. Com a água batendo seis meses,

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havia o apodrecimento mais rápido das toras de sustentação da casa – era feito um mutirão para a troca das “boias”.
O danado do Zé era vigiado 24 horas por dia, pois corria risco de afogamento, em decorrência disso, ele aprendeu a nadar ainda curumizinho (menino pequeno) - todos sofriam também com o ataque de animais peçonhentos, cobras e jacarés.
Na sua casa não existia luz nem água encanada, o sufoco era total, pois tinham que recorrer a lamparinas, candeeiros e lampiões para iluminar os cômodos - um martírio, pois não podiam ter nenhum aparelho eletrodoméstico em casa - o café era torrada e pilado dentro da habitação e, fervido num fogareiro à lenha; as roupas eram passadas num ferro de ferro de engomar a carvão e a comida era feita num fogão a lenha, com tudo manual, típico de uma casa de ribeirinhos da Amazônia.
Na vazante, a família levavam alguns meses para limpar toda a área externa, pois ficava muito lixo espalhando pelo chão, com garrafas de vidro quebradas, latas enferrujadas, tábuas com pregos, etc. – o coitado do Zé vivia sempre com cortes nos pés e muitas feridas pelo corpo.
Os banhos eram feitos em cacimbas ou camburões de metal, com água de beber sendo filtradas em potes, bilhas e filtros de barro.
Uma das grandes vantagens, era caso o caboco tivesse algum problema sério com o seu vizinho, bastava pegar o machado e, cortar a corda principal que amarava o flutuante a beira rio, colocar uma amara num “barco regional”, pedir para ser puxado e, morar no outro lado do rio – a família do Zé era benquista por todos os vizinhos e nunca precisou sair do local onde moravam.
Na enchente, o balneário ficava na janela do flutuante do Zé, bastava pular dentro do rio e, tomar banho nas suas águas refrescantes, pois ainda não havia poluição em demasia, apesar dos moradores jogarem os dejetos das privadas diretamente no
igarapé. 
Os barcos regionais ancoravam no flutuante do Zé, oferecendo a preços mais acessíveis peixes, leites, queijos, farinha e outros produtos regionais, além de tábuas e palhas para a manutenção da casa – o flutuante servia de base para muitos pescadores amadores e banhistas, era o momento em que os moradores da parte de cima, pediam favor para passar e, respeitavam a pobre família do Zé.
Quando o rio secava, os moradores se reuniam e faziam campos de futebol, tinham a prioridade para formar as equipes e jogar, pois se consideravam os donos da área - os residentes da parte de cima tinham que pedir para entrarem na peleja – os campos
serviam também para inúmeras brincadeiras infantis, além de ser palco para muitas brigas entre a molecada de baixo contra a de cima.
O Zé por morar em contato direto com a natureza, dentro do rio, acompanhando todo o processo de enchentes e vazantes, era um caboclo que tinha mais anticorpos, pouco vulnerável as doenças que acometiam normalmente as crianças “filhinhos de papai” da parte de cima, pois eles não pisavam descalços de jeito nenhum num lugar daquele.

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Desde bebê, o Zé não foi muito chegado ao leite materno, foi criado à base de “Mingau de Banana Verde” e papinha feita de “Araruta” e “Cremo Gema”, depois, a sua dieta passou a ser direto o peixe; por ser um pobre ribeirinho, não tinha acesso aos produtos industrializados, tudo era natural, fazia também a “dieta da sopa”, ou seja, dava sopa, ele comia, não fazia cerimônia, comia feito uma draga.
Pegou aquelas doenças comuns da sua época, como a “Papeira”, “Catapora” e “Sarampo”, criou bastantes lombrigas no bucho, pegou muita “Frieira e Mijacão”; as suas doenças eram curadas a base de “Mamona”, “Jalapa Pião”, “Copaíba”, “Chá de limão com Melhoral” e “Xarope Caseiro” – o seu genitor era um artesão, em razão disso, os ferimentos eram estancados a base de verniz (uma mistura de álcool com goma-laca) e, pegou muita surra para tomar “Magnésia” (um remédio para limpar os intestinos).
Apesar de todas as dificuldades materiais e, por morar em um flutuante, era um caboquinho feliz, cresceu forte e sadio, começando a aprontar desde cedinho.
Os seus brinquedos eram feitos manualmente por seu pai, um exímio marceneiro, tudo era de madeira, brincava de carrinhos, espada, pião, cangapé e, curtiu todas as brincadeiras que as criançadas de Manaus curtiam naquele tempo: Papagaio de Papel; Caroço de Tucumã, Bolinha de Gude; Boi de Pano, Estátua, Escapole-Bate-Fica, Boca-de-Forno, Queimada, Corrida de Saco, Macaca, Manja, Cemitério e Barra-Bandeira.
Certa vez, no seu aniversário, ganhou de presente da sua madrinha um pequeno “Globo Terrestre” de plástico – mesmo ainda não sabendo ler e a escrever, aprendeu com os seus irmãos mais velhos os nomes e onde ficavam os países - passava horas e horas girando a esfera, parava, apontava com dedo indicador e falava alto:
- Quando eu crescer quero viajar muito, conhecerei Portugal, França, Itália, Alemanha, Japão e os Estados Unidos, aliás, quero conhecer o mundo todo! – falava de uma forma determinada.
De tanto repetir que iria conhecer o mundo todo, foi um passo para a molecada o apelidar de “Zé Mundão”.
Quando ficou mais taludinho, recebeu a missão de esperar o “Padeiro” e o “Leiteiro” na rua e, numa manhã, deixou o pão e o leite escondidos e foi pegar “Mangas” num terreno de um enigmático senhor, conhecido por Durau.
Quando retornou, alguém tinha comido o “bico do pão” e um gato havia derrubado a leiteira e, estava lambendo o leite - a bronca ia ser alta pro Zé, mas, ele era um cara esperto:
- Vou completar o litro de leite com água, não quero nem provar, pois está cheio de pelos do gato, vou ver se o velho engole essa! – pensando rápido numa saída.
Dito e feito, o Zé tomou o “café puro” e ainda teve que explicar que foi ele quem comeu o “bico do pão” – dias depois, falou do ocorrido para o seu irmão mais velho, o Zé Galinha, mas, foi dedurado, pegou uma surra daquelas e ainda ficou um mês de castigo!

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O Zé tinha uma vizinha, a Wanda, ela falava palavrões o tempo todo, foi um passo para aprender rapidinho todo aquele vocabulário - pegou muito “tapa na boca” para perder aquele costume feio, mas, o famoso “sinal com o dedo” ele não deixou de mostrar para as pessoas que o acomodava:
- Tá qui prá ti, sêo leso! – gesticulando e gritando.
Era um hábito comum entre as famílias pobres de Manaus, criarem animais em seus quintais, os mais comuns eram as galinhas, os patos, os papagaios, os macacos de cheiro e barrigudos, os jabutis, os cachorros, os gatos e até porcos - eles eram chamados de xerimbabo (tupi = minha criação) – a família do Zé, inicialmente, criou um cachorro vira-lata, chamado Duque, era considerado o mascote, fazia o papel de segurança da casa, porém, ele pegou a hidrofobia, ficou doido, mordeu o Zé, a Zezinha (irmã) e a sua mãe.
O coitado do Zé pegou diversas injeções dolorosas no bumbum – o seu pai resolveu sacrificar o cão, pegou um terçado para degolá-lo, mas, o animal abaixou a cabeça, chorou aos seus pés e não o mordeu – o homem começou chorar também, deu uns passos para trás, foi embora e, deixou o cachorro morrer com a doença – a família nunca mais quis saber de criar outro cachorro.
Tempo depois, a sua avó paterna, comprou umas galinhas e um galo pedrês (carijó) -os primeiros ovos foram da casca azul, a molecada de casa ficou extasiada, mas ela resolveu guardá-los em cima de uma antiga Cristaleira.
O Zé e seus irmãos escalaram o móvel ao mesmo tempo, com o peso, ela tombou e caiu em cima deles, foram ovos, copos e taças de cristais, xícaras e bules de porcelanas, tudo foi para o chão, com cacos espalhados por todos os lados, ficaram cortados, mesmo assim, pegaram da avó uma bela surra de galho de goiabeira – dias depois, ela resolveu botar o galo e as galinhas na panela, acabando com a festa dos
pequenos.
Foi estudar no Colégio Estadual Barão do Rio Branco, a sua avó o matriculou no primeiro ano forte (o equivalente a segunda série), mas o Zé não sabia ler nem escrever, a primeira tarefa na escola foi fazer uma cópia e, na malandragem, pediu ao seu colega "Nascimento", para fazê-la, o seu confrade era canhoto, pegou o caderno do Zé Mundão, virou na melhor posição e fez a cópia todinha.
O Zé foi entregar o trabalho:
- Fessora Genevova, tai a cópia, tá bonita? – falou todo gabola da vida.
- Vá fazer outra cópia, você fez com o caderno de cabeça para baixo! – dando-lhe aquele ralho.
Não se conteve, chorou que nem um bezerro desmamado, a professora descobriu que ele estava na série errada e o encaminhou para a “Alfabetização” - cobrir as letras foi uma graça para Zé Mundão.
O que ele mais odiava era a “hora da merenda”, pois não trazia nada de casa e ainda
tinha que encarar aquele “leite de soja” que era enviado ao Brasil em decorrência do

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projeto “União para o Progresso” dos ianques; o jeito era filar a merenda dos meninos do pré-escolar,
Num certo dia, foi pego e levado pela “orelha” até a Diretoria, os seus pais foram chamados à atenção - moral da historia: ganhou uma “Lancheira” novinha em folha, com direito a suco de “Maracujá” e sanduíche de “Pão com Pão”, a partir dai, começou a adorar a hora de merenda, gostava de deixar os seus colegas com água na boca e, nunca mais tomou o famoso "leite de posto"!
Tempo depois, saiu do “flutuante” e vou morar com a família numa “casa de madeira”, na parte de cima - fora proibido de tomar banho no igarapé, mas não tomava jeito, tirava o calção, colocava num arbusto qualquer e pulava pelado dentro d’água, pois não era hábito usar cuecas naquela época.
Era um final de semana, quando o seu “amigo da onça”, o “Nego Mau”, escondeu a roupa do Zé Mundão, o coitado passou a tarde toda dentro do rio, deixou a noite chegar e, correu pelado pela rua até chegar à sua casa, com todos os moradores achando graça daquela cena inusitada e, ainda foi gozado por bastante tempo - mas o cara sabe muito bem dar o troco:
- Vou dá um tempo no tempo, pegarei o escroto do “Nego Mau” e todos os amigos deles que ficaram me gozando! – prometendo uma desforra.
Num sábado à tarde, estava o “Nego Mau” e toda a sua galera estavam tomando banho pelado no rio, como de costume, eles também não usavam cuecas; o Zé foi bem de mansinho e, pegou os calções de todos eles, quando estava bem distante, gritou:
- Ei, ei, Negou Mau, olha aqui, estou com o teu calção e da tua galera, quero ver todo mundo pelado correndo pela rua, sai da água se tu é macho, sai!
Foi um Deus nos acuda, prometeram uma bela sova no Zé, mas, ele não estava nem ai!
À noite, toda a molecada da rua estava à beira do rio, esperando a galera do Nego Mau sair da água – estava ficando tarde, não dava mais para ficar ali naquela situação, não deu outra, todo mundo saiu correndo pelado pela rua em direção as
suas casas, foi uma gozação total.
O Zé ficou uma semana sem sair da sua casa, estava com medo da represália, somente ia à escola escoltado pelos seus pais, mas, um dia o pegaram sozinho, deram a prometida surra nele e ainda tiraram o seu calção e, teve que correr novamente pelado pela rua até chegar a sua casa! Haja gozação!
Ficou mais uma semana hibernando em sua residência, pois estava cansado de servir de chacota pelos colegas de rua.
O Zé Mundão era um grande “perna-de-pau”, jogava uma bola “quadrada”, tanto que era sempre escalado para ficar no gol, além de “brabo” era também um goleiro “frangueiro”.
Passou alguns meses vendendo picolés, bolinhas de gudes, revistas em quadrinhos e fazendo mandado para os outros, tudo para arrecadar dinheiro e comprar uma ”Bola

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Oficial” - num belo dia, chega no “Campinho da Várzea” todo gabola, com a bola embaixo do braço e dando ordens:
- A partir de hoje quem manda no time sou seu, o Nego Mau vai para o gol e eu vou para o ataque, quem “frescár” vai para o banco, se não estiverem de acordo, levo a bola, tudo bem?
Todos respondiam:
- Sim, Zé Mundão, você é o dono da bola!
E assim foi por uma semana, pois a redonda caiu num quintal de um velho ranzinza que a cortou em vários pedaços, acabando com o reinado do Zé e, ele voltou novamente para o gol!
A grande maioria dos amigos de Rua do Zé era sapeca que nem ele, dentre os mais famosos estavam o Nego Mau e o Adelson Mau Elemento.
Pela alcunha de Nego Mau dá para se ter uma ideia o quanto ele aprontava, o cara era realmente um malvado, travesso e traquina, era um capeta em forma de guri.
Ele aprontou poucas e boas, era esperto, revelou bem novinho o seu lado empreendedor e, para ganhar dinheiro em cima dos otários, montou nos porões da sua casa o “Matinê do Nego Mau”, passava filmes em caixinhas de sapato, cobrava o ingresso da molecada, aproveitava para ganhar mais algum, vendendo KSuco de Uva com bolacha da Padaria Modelo.
Certo dia, resolveu majorar os preços, com a ânsia de faturar mais alto, um concorrente abriu outro Cine, com mais conforto e com os preços dos ingressos bem abaixo da concorrência, o Nego Mau foi à falência, mas, o capeta não se deixava abater, partiu logo para outro empreendimento, montou no mesmo local o “Circo do Nego Mau”, fez o cenário, figurino, treinou a molecada, formou palhaços, malabaristas e trapezistas.
O Zé Mundão foi um dos artistas do circo, caiu na lábia do Nego Mau, pois ele tinha prometido que somente no final da temporada iria pagar o cachê, falou que era bem melhor ele guardar o dinheiro e pagar a “bolada” no final do ano, o dinheiro daria para comprar uma bicicleta “Monareta” novinha em folha, o sonho infantil de consumo do Zé.
Era tudo brincadeira de criança, mas, o esperto do Nego Mau levava à sério, foram seis meses trabalhando todos os finais de semana, o porão sempre ficava cheio de expectadores mirins, bamburrando na bilheteria.
Quando chegou Dezembro, ele deu uma pernada na molecada, chorou miséria, era um artista, sabia representar muito bem, apresentou uma “contabilidade” fajuta, demonstrou na maior cara-de-pau que os gastos foram maiores do que a receita, - moral da história: prejuízo, nada de grana para o Zé e, o sonho da Monareta ficou para o próximo ano!
Na temporada do ano seguinte o negócio foi diferente, o Zé colocou o Nego Mau contra a parede, exigiu o pagamento no final de cada apresentação, mas, o esperto embolsava sempre a metade da grana dos ingressos e enganava os artistas do circo.

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O Zé e os seus irmãos, o Zé Galinha e o Zé Pacu, eram conhecidos com “Os Irmãos Borracha”, eram todos trapezistas e faziam contorcionismos.
Com o surgimento de outro picadeiro na rua, o “Circo do Aluísio & Tico”, resolveram debandar geral, cansaram das trapaças e trapalhadas do patrão. Num dia de apresentação, o Zé Mundão estava no trapézio de cabeça para baixo, o Nego Mau contratou o Adelson Mau Elemento para detonar o Zé, o malvado pegou uma baladeira com bolinhas de barro duro, mirou e , acertou bem no “ovo esquerdo” do Zé Mundão, ele caiu de cabeça no chão, o baque na cachola o deixou tantã por bastante tempo.
O Nego era o único filho homem da família, o queridinho da mamãe, mimado pela Dona Nira, ela botava tudo na boquinha dele - andava sempre bem trajado, perfumado, com talquinho no pescoço, era bem alimentado e ganhava brinquedos caros, já era metido à besta desde novinho, não compartilhava nada com os colegas de rua, gostava mesmo era de se mostrar e tirar sarro da cara dos outros.
Ele sempre foi o melhor nas brincadeiras de rua, ganhava sempre na bolinha de gude, na dama, no cangapé e no pião, era muito sortudo e esperto. No futebol, ele era um tremendo “perna de pau”, mas, era na maioria das vezes o dono da bola, o pobre do Zé Mundão era sempre escalado para ficar no gol; gostava da “banheira”, o negócio dele era receber a bola, chutar e correr para o abraço.
Quando o Nego Mau ficou mais taludinho, começou a brechar a mulherada tomando banho pelada, o que lhe rendeu muitos calos na mão direita - gostava também de colocar a “piroca” dentro de uma garrafa, certa vez, ela ficou rígida e não saia mesmo forçando, entrou em pânico e, saiu correndo pela rua, o Zé Galinha foi solidário e ajudou ao amigo, deu uma martelada certeira, foi caco de garrafa e de falo para todos os lados.
O Nego Mau ficou envergonhado e se enclausurou em casa por dois meses, não aguentava mais ser chamado de “Nego Mau, o piroca de vidro!”.
O Nego tinha um amigo chamado Pingo, um moleque franzino, era filhinho de papai, vinha de uma família abastarda, mas, gostava também de aprontar, os dois de vez e quanto se estranhavam – certa vez, o Pingo ficou escondido nos altos do “Solar dos Bringel” e botou para urinar na cabeça da molecada do Igarapé de Manaus, o Nego Mau ao passar pelo local tomou um banho, jurou que iria matar o Pingo de pancada.
Quem bate, esquece! Um dia, o Pingo apareceu na rua com a maior cara dura, o Nego Mau foi o primeiro a correr atrás dele, na correria, o Pingo caiu dentro de um buraco, ficando indefeso, o Nego aproveitou o momento e, jogou uma pedra de barro na cabeça do Pingo, ele simplesmente desmaiou, foi um corre-corre da família.
O Nego Mau correu para a sua casa, entrou de mansinho pelos fundos, tomou um banho e se meteu embaixo dos lençóis e começou a roncar, fingindo que estava dormindo. Levaram o Pingo ao Pronto-Socorro, foi medicado e voltou para casa, depois, os seus familiares foram até a casa do capetinha, chegando lá, a Dona Nira saiu em defesa do filho:
- O meu Nego é um menino incapaz de fazer isso, ele é bondoso e colega de todos da rua e, além do mais, passou à tarde todinha dormindo!
Foi um álibi perfeito.

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