Como tive o privilégio de
viver a cidade de Manaus quando terminava no Boulevard Álvaro Maia e, por
gostar do passado da minha cidade, irei escrever, de uma forma
bem resumida, sobre algumas pessoas ou lugares daquele tempo bom, com o tema figuras
dos cinemas.
Dona Yayá
Dona era um termo muito
utilizado para substituir “Senhora” e, Yayá, um tratamento dado na época da
escravidão para as meninas e moças.
A Dona Yayá era uma
“senhora moça”, ou seja, uma mulher não muito jovem que gostavam de usar
maquiagem em excesso para parecer mais nova. Na realidade, essa senhora foi uma
guerreira, esposa de um empresário do ramo de salas de exibição cinematográficas,
em Manaus, na qual permanecia em todas as sessões, sem exceção, fizesse sol ou
chuva,na entrada do Cinema Avenida (atual Lojas Bemol), na Avenida Eduardo
Ribeiro.
Ficava sentada em uma poltrona
de palinha,no hall de entrada e, na maioria das vezes, encostada num gradil
próximo a catraca, observando a tudo e a todos– vez e outra tentava seduzir um
transeunte a assistir uma película cinematográfica:
-
Entre, o filme é ótimo! É colorido!
O que mais chamava a
atenção de todos era a sua indumentária, um tanto extravagante para a época e,
com o seu perfume francês e a sua postura de madama da alta sociedade - sempre estava com um abano em suas mãos
e, pela utilização, em excesso, de maquiagem, abusando no batom e ruge na cor
arroxeada, cabelos pretos longos, com os cílios pintados e as sobrancelhas bem fininhas.
Na minha adolescência, dificilmente entrava
no Cine Avenida, mas, passava por lá
todos os domingos à tarde, pois gostava de perambular pela enigmática e bonita
Avenida Eduardo Ribeiro – parava por uns instantes para admirar os cartazes dos
filmes e, ficava olhando para aquela senhora extravagante, parecida com a Mortícia, personagem da “Família Addams” – sem imaginar que um dia, quase
meio século depois, iria escrever sobre ela e aquele ambiente maravilhoso.
Peixeiro do Juizado de
Menores
Ele ficava na portaria dos
cinemas Guarany e Polythema, vestido impecavelmente com camisa comprida, calça
na goma, cinturão e sapatos brancos, chapéu tipo Panamá, além de um colete preto
com letras garrafais escrito nas costas “JUIZADO
DE MENORES” – não permitindo a entrada de menores para assistirem a filmes
proibidos para a sua idade.
Fora esse nobre trabalho
vespertino e noturno, passava todas as manhãs pela Rua Igarapé de Manaus e
adjacências com um tabuleiro de peixes na cabeça, exercendo um brioso “bico”, chamando
a atenção com o seu estrondoso grito:
-
Peeeiiixeeeiiirrro!Tenho Tambaqui, Sardinha e Pacu na baaabbbaaa!
Ele era um senhor da cor
branca, careca, estatura mediana e bastante forte - não me lembro do seu nome,
acho porque a molecada, incluindo o escriba aqui –não gostava nem um pouco
dele, pois tratava a todos com muita grosseria na entrada dos cinemas.
Ele detestava ser chamado
de “Peixeiro” quando estava exercendo
a sua autoridade de censor, pois se achava o máximo do judiciário – era
exatamente o momento de dar o troco no cabocão - que adorava barrar os menores,
sedentos em assistir a cenas mais picantes.
Tomavam certa distância e,
gritavam:
- Peeeiiixeeeiiirrro! – acompanhado de um palavrão.
O cara ficava babando de raiva, respondendo com outro palavrão, saindo em disparada atrás da molecada, sem chance de pegar algum!
- Peeeiiixeeeiiirrro! – acompanhado de um palavrão.
O cara ficava babando de raiva, respondendo com outro palavrão, saindo em disparada atrás da molecada, sem chance de pegar algum!
Faz alguns anos avistei um
cara parecido com o “Peixeiro do Juizado
de Menores” dentro de um ônibus – estava com a mesma roupa branca e um
colete do juizado de menores -juro que viajei no tempo pretérito e, deu uma vontade
danada de gritar:
- Peeeiiixeeeiiirrro!
Fiquei apenas rindo e lembrando
aqueles tempos bons!
O
Lanterninha Farias
Quando iniciava uma sessão
de cinema, o interior ficava numa escuridão total, entrando em ação o Farias, o
Lanternina do Cine Guarany – ajudando assentar as pessoas que chegavam atrasadas,
pois com a sua lanterninha sabia perfeitamente onde existiam cadeiras vazias.
Ele era um cara que tinha
uma grande cabeleira, tirando a todo instante do bolso um pente da marca “Flamengo”
para penteá-la – usava sempre um enorme óculo de sol, acho que se inspirava em
algum ator de cinema das antigas – além de ter um vozeirão daqueles e falava
pelos cotovelos – parecia com aquele comediante famoso, o “Zé Bonitinho”.
Tinha também outras
funções, como apaziguador de brigas e insultos entre a molecada, principalmente
dos “maus elementos” que ficavam num mezanino conhecido como “Poleiro”, pois
gostavam de jogar tudo o que tivesse em suas mãos no pessoal que ficava
embaixo, alguns deles até cuspiam na maior – quando eram pegos pelo bedel Farias,
eram expulsos do cinema.
O cinema era frequentado
por um grupo especial formado pelo Jeremias, Mococa e outros rapazes alegres,
que davam em cima da molecada – o Farias sempre ficava de olho nessa turma que
aproveitava a escuridão para alisar os marmanjos e praticarem “otras cositas
más”.
Muitos
anos depois (bote anos nisso), reencontrei o Lanterninha Farias, no Bar
Caldeira e no Bar Mangueira (centro antigo de Manaus, pois ele morava por
aquelas mediações) – conversamos muito sobre o nosso saudoso Cine Guarany,
lembrando e sorrindo dos velhos e bons tempos que não voltarão jamais!
Certa
vez, ele me presenteou com algumas revistas de pescaria – fiquei surpreso em
saber que, além do cinema, o camarada adorava também fisgar uns peixes nos
nossos Rios Negros e Solimões!
Ele
não gostava de senta-se em uma cadeira principal de uma grande mesa que fica,
até hoje, no Bar Caldeira, pois, segundo a tradição, todo aquele que ali se
abanca por um bom tempo, falecerá precocemente.
Pois
bem, o Farias resolveu fugir daquele agouro e, doravante, passou uma temporada
enchendo “a cara” debaixo de uma árvore frondosa, no Bar Mangueira - por lá
ficou, bebeu,chorou e contou muitas histórias do seu amado Cine Guarany,
falecendo ano retrasado!
Jaú
Mão Boba
O Jaú era um deficiente
visual que pedia esmolas no Cine Guarany – era um senhor bem moreno, com os
cabelos brancos, usava uma bengala de madeira e ficava com duas moedas antigas
(patacas) na mão direita, fazendo barulho para chamar atenção das pessoas.
Antes de começar um filme
no Cine Guarany, fazia uma grande fila para a compra de ingressos na bilheteria
– era o momento certo para o Jaú pedir de um a um a sua esmolinha:
-
Uma esmola para o ceguinho, uma esmolinha, por favor!
Quando era um macho, o Jaú
mantinha certa distância, porém, quando era uma fêmea, ele chegava bem
pertinho, tocando às vezes nos seus seios ou no traseiro, sendo sempre repelido
por elas, com um empurrão e alguns palavrões – ele se defendia, pedindo desculpas
e falava que era cego.
Todos ficavam na dúvida se
o cara era realmente um cego, pois se desviava perfeitamente dos machos e, sempre
se esbarrava, maliciosamente, nas mulheres.
Eu nunca tinha uma moeda
para dar-lhe de esmola, pois o meu dinheirinho era sempre certinho para o
ingresso ao cinema e, para a merenda na saída, de uma sanduíche de cachorro
quente e um copo de suco de maracujá ou de caju.
Enquanto estava na fila,
ficava a observar o comportamento daquele senhor estranho que, no futuro,
ousaria em escrever um pouquinho a seu respeito!
Com o tempo, os cinemas do
centro fecharam, deixando apenas no cantinho da minha memória a figura da “Dona
Yayá”, do “Peixeiro do Juizado de Menores”, do “O Lanterninha Farias” e do “Jaú
Mão Boba”.
É isso ai.
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