Na década de oitenta
conheci o Juan, um cara folclórico que se considerava um legítimo argentino,
porém, somente era chamado pelos manauaras do centro da cidade por “Peruano”,
servindo de zombaria por todos, em decorrência de “pegar corda” e responder com
palavrões, provocando risos por onde passava.
Eu e os meus irmãos Rocha
Filho e Henrique Martins gostávamos de reencontrar, nos finais de semana, com os
nossos colegas de infância e dos novos moradores da Rua Igarapé de Manaus – o
local era o Bar do Amadeu (depois Bar da Sogra), um casario antigo que ficava
na esquina da Rua Huascar de Figueiredo com a Avenida Joaquim Nabuco.
Por lá conheci o Juan, um
corretor de imóveis que servia de “bobo da corte” para todos que frequentavam
aquele lugar, pois o tempo todo a turma se dirigia a ele e, na gozação,
falavam:
-
Fala, Peruano!
Ele entornava um copo de
cerveja, levantava os óculos, respirava fundo e soltava o verbo, babando de
raiva:
-
Soy argentino, da Tierra Del Fuego! Peruano é a puta que los pariu!
Dizem que ele veio morar
no Brasil ainda muito jovem, no entanto, nunca deixou de falar o “portunhol”, o
que sempre serviu para os manauaras chamá-lo de peruano, pois todo e qualquer
cidadão, independentemente do país de origem (do idioma castelhano) é assim
conhecido.
O Juan sempre gostou de
falar mal do Brasil, da nossa cidade e dos manauaras – reclamava de tudo e de
todos:
-
Essa ciudad es una merda, muy caliente, escrota e nada presta!
Ai o pessoal mandava bala:
-
Volta pra tua terra, peruano fodido!
-
Peruano es el caralho! Soy argentino, porra! – respondendo na
bucha
Todos riam da resposta do
Juan – ninguém esquentava com ele, na realidade, era provocado a todo instante,
pois a galera queria mesmo era tirar onda com o pretenso argentino.
Apesar de tudo, ele era
nosso amigo de copo - jogávamos “porrinha” (um jogo de azar, de palitos de
fósforo), sempre valendo cerveja – ríamos juntos das brincadeiras e das
provocações.
Num certo sábado, o Juan
convidou a turma para saborear um peixe frito em sua casa – ele morava numa
vila situada na Rua Igarapé de Manaus (próximo a Rua Lauro Cavalcante) – seria
tudo por sua conta, acho que era o aniversário dele.
Um amigo nosso, o baixinho
Neno, avisou a todos:
-
Cara, sou vizinho do Juan, a mulher dele é braba no balde, ela veio lá de
Maués, uma legítima índia saterê-mauê – bate no Juan toda vez que ele chega
bêbado em casa! Tô fora, mermão!
Mesmo sendo avisada, a
galera foi em peso à casa do Juan - chegando lá, a mulher apareceu à porta vestida
de um camisão, bobe na cabeça e uma vassoura na mão – o Juan foi o primeiro a
apanhar, dispersando o resto da cabocada na base da vassourada- esse fato
serviu de gozação por um tempão.
Na última Copa do Mundo de
Futebol fui até a Rua Santa Isabel, no bairro da Praça XIV, para tirar algumas
fotografias, pois aquela rua é uma das mais animadas, premiadas e enfeitadas de
Manaus.
Para minha surpresa,
encontrei o Juan por lá – ele disse que tinha comprado uma casa e morava fazia
alguns anos naquele local, mas estava a fim de vendê-la, pois em toda copa de
mundo a rua virava um inferno e todos gostavam de encher o seu saco.
Falei-lhe:
-
Poxa, camarada (deu vontade de chamá-lo de peruano, mas mordi a minha língua),
aqui tudo é festa, a rua fica bonita, com animação total entre os vizinhos!
Ele respondeu:
-
Porra nenhuma, Roxita! Fica una multidão aqui em frente de mi casa, quando apareço
na janela, todos gritam “peruano, peruano, peruano” – entonces digo “soy
argentino, de Tierra Del Fuego, caralho” – ai eles respondem “é tudo a mesma mierda”
- tengo que llevar todo esto até a copa acabar!
Faz alguns meses entrei
numa “LanHouse” que fica bem frente ao “Shopping Popular dos Remédios”. Sabe
quem eu encontrei por lá? É isso mesmo, o argentino-peruano Juan! Ele falou que
gostava daquele lugar, pois podia tomar grátis una água geladinha, um cafezito
ou um chazinho de erva-doce, além de ficar no ar condicionado e fazer contatos
com seus clientes pela internet.
Antes de terminar a nossa
conversa, entrou um senhor de paletó e gravata, parecendo um advogado, o cara
quando avistou o Juan foi logo dizendo com a sua voz possante:
-
Fala, Peruano!
O Juan levantou os óculos,
respirou fundo e soltou o verbo, babando de raiva:
-
Soy argentino, de Tierra Del Fuego! Peruano é a puta que los pariu!
O advogado, o dono do estabelecimento,
as funcionárias, eu e o próprio Juan e todos que estavam no local demos uma
gargalhada geral! Continuava tudo igual como antigamente!
O argentino-peruano Juan
pode ser encontrado todo santo dia naquela lan house e na Praça da Polícia – ele
gosta de parar nas esquinas das ruas para papear – a cada instante passa uma
pessoa e grita:
-
Fala, Peruano!
A resposta vocês já sabem
qual é, né?! É isso ai.
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