terça-feira, 8 de março de 2016

A PESCARIA E A CALDEIRADA DE PEIXE

     
Ao olhar um quadro do artista plástico Ignácio Evangelista, onde aparece um barco regional e uma canoa, singrando o Rio Amazonas, viajei no tempo e, lembrei-me de uma pescaria que fiz em tempos idos, na companhia de alguns amigos, para uma Comunidade do Lago do Janauari (árvore da terra), onde uma caldeirada de peixe servida por outros pescadores foi a culpada em desencorajar a nossa pescaria.

O Nego Pedro era meu vizinho da Vila Paraíso (entre a Avenida Getúlio Vargas e a Rua Tapajós), ele era um cara viciado em pescarias, não perdia um final de semana e, sempre me convidava para participar de tal empreitada.

O camarada trabalhava na Biblioteca Pública do Amazonas e, apesar de não ter alguns dentes da frente (banguela), passava o tempo todo sorrindo e sempre convencendo os amigos a participarem da quota para as pescarias semanais.

O Senhor Isaías era um comerciante que tinha um Box na entrada do Mercado Municipal Adolpho Lisboa -, ele vendia papel e embalagens, um negócio passado para o seu filho mais novo, o Manoelzinho, por sinal, está até hoje na labuta – a sua família era tradicional da Rua Igarapé de Manaus, sendo muito amigo dos meus pais e dos meus irmãos.

Ele era um cara fanático por pescarias de final de semana – na minha infância, lembro-me muito bem dele, em sua canoa cheia de caniços de bambu, anzóis, linhas, iscas e muitos peixes– parava em nosso flutuante (casa flutuante apoiada em toras de madeira) e sempre deixava alguns para os meus pais.

Eu passei a minha infância morando nesse flutuante e, em terra firme, na Rua Igarapé de Manaus – por ser um ribeirinho, uma das minhas diversões, juntamente com os irmãos, era a pescaria quando da cheia dos rios.

Certa vez, o Pedro convenceu-me a ir a uma pescaria para a Comunidade do Logo do Janauari, juntamente com o Senhor Isaías e um amigo seu, um empresário das redondezas do Mercadão – fizemos a devido cota para a compra dos mantimentos para fazermos a nossa comida, aluguel de uma canoa com motor de popa, além de bastante cerveja em lata.

Saímos num sábado, com a intenção de retornar no domingo - o Nego Pedro era o piloteiro, contador de piadas e cozinheiro (o famoso “Faz Tudo”) – o Senhor Isaías levou um monte de caniços, iscas etecetera e tal – o seu amigo nunca tinha ido a uma pescaria em sua vida, o negócio dele era passear e tirar o estresse – enquanto eu, apesar de já ter alguma tarimba, o meu negócio era também passear pela nossa Amazônia e tomar umas geladas.

Ao meio-dia, chegamos à comunidade - resolvemos ficar em uma grande casa flutuante, pois ali funcionava como bar/mercearia e ainda tinha um local muito bom para atar as nossas redes de dormir.

Por lá já estavam dois sujeitos que puxaram logo a conversa:

- E ai, meus amigos, estamos pescando desde ontem, já pegamos o suficiente e fizemos uma tremenda caldeirada de peixe! – disse um.

- Estão a fim de provar? Temos aqui um panelão até a tampa! – falou o outro.

- Claro, não vamos perder essa nem com nojo de pitiú de bodó! – respondi por todos.

No entanto, o Nego Pedro e o Senhor Isaías recusaram, pois estavam querendo primeiro pescar e depois comer - o empresário foi solidário comigo.

Aquele cheiro irresistível da caldeirada deixou todo mundo com água na boca, foi o suficiente para desarmar a negada, não deu outra, todos os quatros encheram o bucho de caldo, peixe, verduras, farinha, pimenta e cerveja.

Deu uma moleza geral – esquecemos, completamente, da nossa programada pescaria, atamos as redes e tome ronco por umas duas horas!

Papo vai, papo vem, tome cerveja e, nada de pescaria! Resolvemos ficar por ali mesmo, bebendo e beliscando um peixe cozido até às dez da noite, quando fomos para as nossas redes de dormir.

Pela manhã, tomamos um café puro, com a famosa “bolacha de motor” (água e sal da Padaria Modelo), e, para variar, entornamos na goela abaixo um caldo de peixe, para tirar a ressaca.

O Nego Pedro e o Senhor Isaías começaram a se preparar para, finalmente, pescarem, afinal, os dois eram fissurados em pescarias – na realidade, era o objetivo principal da nossa ida aquele lugar.

Eu e o empresário não estávamos mais afim de passar o dia todo sentado numa canoa esperando um peixe fisgar o anzol, pois a nossa vontade era de tomar banho de rio, beber cerveja e,mais tarde, detonar,novamente,a caldeirada de peixe.

Nesse ínterim, chegam de Manaus mais quatro sujeitos que estavam coma intenção de pescar na comunidade – resolveram também ficar no flutuante e se juntaram aos dois de anteontem e ao nosso grupo.

Pois bem, a caldeirada de peixe já estava no fogareiro à lenha, exalando aquele aroma espetacular.

Os dois sujeitos puxaram logo a conversa:

- E ai, meus amigos, temos aqui uma tremenda caldeirada de peixe!  Estão a fim de provar? - disse um

- O panelão dá para todo mundo comer, não acaba, nem fica pouco!  - falou o outro

Tiro e queda! Mais quatro pescadores vencidos pela caldeirada! Deu uma suadeira nos cabocos que não foi fácil - depois, ataram as suas redes e começaram a roncar por umas duas horas.

Nessa altura do campeonato, o Nego Pedro e o Senhor Isaías abriram uma cerveja e o papo começou a rolar solto - não resistiram, também, ao cheiro da caldeirada, resolvendo ficar no flutuante, juntamente com os outros pescadores.

Sem chance de pescaria, passamos o resto do dia bebendo cerveja, tomando banho e, comendo aquela caldeirada de peixe!

Na boquinha da noite, retornamos a Manaus, felizes da vida, mesmo sem um peixinho pescado, nem uma piranha sequer na caixa de isopor!

Voltamos outras vezes à comunidade para pescar, porém, não foram tão bons como àquela vez, pois faltou a famosa e suculenta amazonense Caldeirada de Peixe!  É isso ai.

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