Ao olhar um quadro do
artista plástico Ignácio Evangelista, onde aparece um barco regional e uma
canoa, singrando o Rio Amazonas, viajei no tempo e, lembrei-me de uma pescaria
que fiz em tempos idos, na companhia de alguns amigos, para uma Comunidade do Lago
do Janauari (árvore da terra), onde uma caldeirada de peixe servida por outros
pescadores foi a culpada em desencorajar a nossa pescaria.
O Nego Pedro era meu
vizinho da Vila Paraíso (entre a Avenida Getúlio Vargas e a Rua Tapajós), ele
era um cara viciado em pescarias, não perdia um final de semana e, sempre me
convidava para participar de tal empreitada.
O camarada trabalhava na
Biblioteca Pública do Amazonas e, apesar de não ter alguns dentes da frente (banguela),
passava o tempo todo sorrindo e sempre convencendo os amigos a participarem da
quota para as pescarias semanais.
O Senhor Isaías era um
comerciante que tinha um Box na entrada do Mercado Municipal Adolpho Lisboa -,
ele vendia papel e embalagens, um negócio passado para o seu filho mais novo, o
Manoelzinho, por sinal, está até hoje na labuta – a sua família era tradicional
da Rua Igarapé de Manaus, sendo muito amigo dos meus pais e dos meus irmãos.
Ele era um cara fanático
por pescarias de final de semana – na minha infância, lembro-me muito bem dele,
em sua canoa cheia de caniços de bambu, anzóis, linhas, iscas e muitos peixes– parava
em nosso flutuante (casa flutuante apoiada em toras de madeira) e sempre
deixava alguns para os meus pais.
Eu passei a minha infância
morando nesse flutuante e, em terra firme, na Rua Igarapé de Manaus – por ser
um ribeirinho, uma das minhas diversões, juntamente com os irmãos, era a
pescaria quando da cheia dos rios.
Certa vez, o Pedro
convenceu-me a ir a uma pescaria para a Comunidade do Logo do Janauari, juntamente
com o Senhor Isaías e um amigo seu, um empresário das redondezas do Mercadão – fizemos a devido cota para a compra
dos mantimentos para fazermos a nossa comida, aluguel de uma canoa com motor de
popa, além de bastante cerveja em lata.
Saímos num sábado, com a
intenção de retornar no domingo - o Nego Pedro era o piloteiro, contador de
piadas e cozinheiro (o famoso “Faz Tudo”) – o Senhor Isaías levou um monte de
caniços, iscas etecetera e tal – o seu amigo nunca tinha ido a uma pescaria em
sua vida, o negócio dele era passear e tirar o estresse – enquanto eu, apesar
de já ter alguma tarimba, o meu negócio era também passear pela nossa Amazônia
e tomar umas geladas.
Ao
meio-dia, chegamos à comunidade - resolvemos ficar em uma grande casa
flutuante, pois ali funcionava como bar/mercearia e ainda tinha um local muito
bom para atar as nossas redes de dormir.
Por
lá já estavam dois sujeitos que puxaram logo a conversa:
-
E ai, meus amigos, estamos pescando desde ontem, já pegamos o suficiente e
fizemos uma tremenda caldeirada de peixe! –
disse um.
- Estão a fim de provar? Temos aqui um
panelão até a tampa! – falou o outro.
- Claro, não vamos perder essa nem com nojo de
pitiú de bodó! – respondi por todos.
No
entanto, o Nego Pedro e o Senhor Isaías recusaram, pois estavam querendo
primeiro pescar e depois comer - o empresário foi solidário comigo.
Aquele
cheiro irresistível da caldeirada deixou todo mundo com água na boca, foi o
suficiente para desarmar a negada, não deu outra, todos os quatros encheram o
bucho de caldo, peixe, verduras, farinha, pimenta e cerveja.
Deu
uma moleza geral – esquecemos, completamente, da nossa programada pescaria,
atamos as redes e tome ronco por umas duas horas!
Papo
vai, papo vem, tome cerveja e, nada de pescaria! Resolvemos ficar por ali
mesmo, bebendo e beliscando um peixe cozido até às dez da noite, quando fomos
para as nossas redes de dormir.
Pela
manhã, tomamos um café puro, com a famosa “bolacha de motor” (água e sal da
Padaria Modelo), e, para variar, entornamos na goela abaixo um caldo de peixe,
para tirar a ressaca.
O
Nego Pedro e o Senhor Isaías começaram a se preparar para, finalmente,
pescarem, afinal, os dois eram fissurados em pescarias – na realidade, era o
objetivo principal da nossa ida aquele lugar.
Eu
e o empresário não estávamos mais afim de passar o dia todo sentado numa canoa
esperando um peixe fisgar o anzol, pois a nossa vontade era de tomar banho de
rio, beber cerveja e,mais tarde, detonar,novamente,a caldeirada de peixe.
Nesse ínterim, chegam de Manaus mais quatro sujeitos que estavam coma intenção de
pescar na comunidade – resolveram também ficar no flutuante e se juntaram aos
dois de anteontem e ao nosso grupo.
Pois
bem, a caldeirada de peixe já estava no fogareiro à lenha, exalando aquele aroma
espetacular.
Os
dois sujeitos puxaram logo a conversa:
- E ai, meus amigos, temos aqui uma tremenda
caldeirada de peixe! Estão a fim de
provar? - disse um
- O panelão dá para todo mundo comer, não
acaba, nem fica pouco! - falou o
outro
Tiro
e queda! Mais quatro pescadores vencidos pela caldeirada! Deu uma suadeira nos
cabocos que não foi fácil - depois, ataram as suas redes e começaram a roncar
por umas duas horas.
Nessa
altura do campeonato, o Nego Pedro e o Senhor Isaías abriram uma cerveja e o
papo começou a rolar solto - não resistiram, também, ao cheiro da caldeirada,
resolvendo ficar no flutuante, juntamente com os outros pescadores.
Sem
chance de pescaria, passamos o resto do dia bebendo cerveja, tomando banho e,
comendo aquela caldeirada de peixe!
Na
boquinha da noite, retornamos a Manaus, felizes da vida, mesmo sem um peixinho
pescado, nem uma piranha sequer na caixa de isopor!
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