segunda-feira, 8 de setembro de 2008

MARIO YPIRANGA MONTEIRO



ARTIGO
ÍNDIO, MEU IRMÃO.
Índio, meu irmão, aonde vais tu, todo paramentado, aiapá nos tornozelos, cueio de penas, caintar de penas de arara, aos ombros o adereço de estolica, iaticá, muirapara, o caboco com água para as grandes jornadas?
Que pretendes, meu irmão, nessa caminhada incerta?
Não percebeste que te querem envolver numa farsa, numa comédia bufa que só interessa a mais uma em que foram férteis os portugueses? Nunca existiu descobrimento do Brasil.
Jamais existiu um almirante chamado Pedro Álvares Cabral.
Existiu, isso sim, um simplório que comandou certa frota que pairou em frente ao litoral do Brasil e "descobriu" uma ilha excelente terra aguada. Esse foi um capitão de nome Pedro Álvares de Gouveia.
É a esse, que não descobriu coisa alguma, pois o continente sul já estava descoberto desde 1492 anos, pelo grande nauta Cristóvão Colombo, que os medíocres contadores de rodelas querem atribuir o mérito de navegador, que cabe somente, com razões, a um Vasco da Gama, em outras circunstâncias.
Índio, meu irmão, volta para a tua humilde choupana, a velar a alma de milhares de teus maiores sacrificados pela soldadesca e pela igreja cristã, em mais de duzentos anos de colonização nefasta, estéril, improdutiva, que nada deixou na tua terra que valesse a pena ser relembrada.
Índio, meu irmão, esqueceste o rastro de sangue deixado pela passagem de uma horda de degredados, cristão-novos, apedeutas, preguiçosos, cruéis?
Olha para trás: aquele fumaceiro que vês é a destruição de trezentas aldeias dos índios do rio dos Urubus; o sangue que vês correr rio abaixo é o de setecentos mortos; os gemidos e gritos são de quatrocentos escravos levados para Belém e províncias do Nordeste. Ouves mais? São os índios Muhras do rio Japurá, massacrados pelos portugueses numa guerra injusta, que não tiveram coragem de sustentar, mandando na frente os aliados Mundurucus. Queres mais? São os nobres índios Manau, destruídos totalmente porque não quiseram dobrar os joelhos diante da espada e do crucifixo do ádvena intruso.
Índio, meu irmão, esqueceste Aiuricáua preferindo morrer, numa grandiosa imolação de si mesmo, a ser enforcado em Belém ou Lisboa, para gáudio daqueles que ousavam levantar o crucifixo durante as chacinas.
Índio, meu irmão: onde está a tua dignidade? Onde estão teus valores, tua independência, tua coragem, o eco vitorioso de tuas batalhas contra o reinóis?
Índio, meu irmão: Portugal e o Vaticano não pediram perdão ao governo brasileiro pelas carnificinas praticadas em nome de um Estado que se dizia progressista, mas comprava penicos à Holanda; e de uma Religião que se dizia cristã mas aprovava a escravidão legal, praticando-a em nome de Jesus Cristo!
Índio, meu irmão: volta para a tua querência, não participes de uma farsa, não ajudes a tripudiar sobre os cadáveres de milhares de seres que tiveram por culpa única haverem nascido neste belo país!
Volta, meu irmão, volta, o caminho está maculado de sangue, os gemidos e gritos dos infelizes mortos e escravizados estão percutindo no tempo desta farsa que se chamou colonização portuguesa do Brasil. Os maus brasileiros querem submeter- te a uma humilhação, levando-te a aclamar o teu carrasco, bater palmas aos emprenhadores de donzelas, aos violentadores de lares, aos assassinos de crianças, aos pombeiros gananciosos que esvaziaram o rio Negro e afluente das suas melhores e mais populosas Humanidades!
Mario Ypiranga Monteiro*
* Artigo inédito, in memoriam. Escrito durante as comemorações dos 500 anos do descobrimento
do Brasil. O autor era historiados, folclorista e tem mais de uma centena de livros publicados.