quinta-feira, 28 de julho de 2011

PASSEIO A ILHA DE CURARI.

Os trabalhadores do Polo Industrial de Manaus, na sua grande maioria, passam duas horas dentro de ônibus especiais, para ir e vir ao trabalho; batalham oito horas diárias sem contar as extras e, são obrigados a fazerem as suas refeições dentro da própria fábrica, ou seja, passam no mínimo doze horas à disposição do patrão; depois de uma semana cansativa de trabalho, não tem sacristão que não goste de passar um belo final de semana no interior, foi o que fizeram, certa vez, uma turma da fábrica Orient Relógios da Amazônia.

O convite partiu do Raimundinho, conhecido por alguns como “Borrachinha”, uma figura de office-boy, sempre solícito e sorridente, muito querido por todos, ele era amigo de um amigo que conhecia o filho de um dono de uma fazenda no Curari, uma região pertencente ao município do Careiro da Várzea, no Rio Solimões, distante cerca de 22 km de Manaus.

A turma ficou logo assanhada, partiram para fazer uma quota para a compra do rancho, material para caldeirada de peixes, gelo, refrigerantes, cachaça e, bastante cerveja em lata; a contribuição foi proporcional ao posto de “caboco” na fábrica, pois, tinha de gerente ao peão.

Ficou acertado pegarem um “motor de linha”, um tipo de barco regional que faz longas viagens na base do “pinga-pinga”, parando em diversas comunidades ribeirinhas da Amazônia, com o valor da passagem sendo cobrada, de acordo com a localidade em que o passageiro vai ficar e com o tipo de comodidade (rede ou camarote).

Este tipo de viagem é diferente dos “barcos de recreios”, um tipo de embarcação que faz um pacote fechado, levando grupos de pessoas para um determinado lugar, com horário previsto para sair e voltar, os manauenses gostam muito de ir para as praias do Tupé e Paricatuba e, para participar de torneios de futebol e festas nas comunidades mais próximas de Manaus.

A partida foi bem cedo da manhã de um sábado ensolarado, o barco saiu do porto da “Manaus Moderna”. O comandante do navio foi logo avisando: - Vou deixar vocês no Curari, mas, o barco somente passará na volta às quatro da manhã de sábado para domingo, portanto, estejam todos acordados, caso vocês perderem, somente passaremos por lá na segunda-feira. Combinado?

O líder era o “Paulão”, um gordo cheio de graça, o cara organizou tudo aos mínimos detalhes, tudo passava pelo crivo dele. Ele foi logo detonando: - Olha aqui, gente fina, o negócio é o seguinte: não vou deixar ninguém dormir, todos estarão acordados esperando pelo barco às quatro da manhã, por favor, passe no horário previsto e nada de furo com a gente! Combinado?

O barco aportou às onze e meia da manhã, o dono da fazenda, o Sr. Jacinto, ficou assustado com dez pessoas vindo em direção a sua fazenda. O Borrachinha iniciou o diálogo: - Bom dia Sr. Jacinto! Ele respondeu meio cabreiro: - Bom dia! Pois é, fui convidado pelo amigo de um amigo que é amigo do seu filho, aproveitei e convidei o pessoal da fábrica para conhecer a sua fazenda! Não deixou nem o velho falar e foi logo detonando: - Nós trabalhamos numa fábrica de relógios, aproveitamos e trouxemos um relógio de presente para o senhor, ele é à prova de água, caso caia dentro do rio na cheia, pode procurar na vazante que o senhor vai encontrá-lo funcionando perfeitamente, pois é um legitimo Orient!

O velho ficou mais alegre do que pinto na merda! Cumprimentou um a um, deu as boas vindas, mostrou a casa e, mandou a sua esposa, a Dona Joana, colocar mais água no feijão e fritar mais um quilo de jabá, todos foram convidados a almoçar, demonstrando ser um caboclo muito hospitaleiro.

Depois da broca, uma parte resolveu dar uma soneca na varanda da fazenda, outra, partiu para o ataque nas latas de cerveja. Lá pela quatro da tarde, resolveram pescar, conseguiram pegar algumas Sardinhas e Carás, o fogo foi feito no quintal e botaram para assar os peixes, no início da noite não tinha sobrado nem as espinhas e a cerveja foi para o beleléu.

Hora depois, eles ficaram sabendo que nos fundos da fazenda tinha um viveiro de peixes, com uma quantidade enorme de Tambaqui e Matrixã, o Paulão ficou puto da vida, pois perdeu um tempo danado pescando, sem saber que no local tinha peixe fazendo “lama”!

O Senhor Jacinto mandou ver: - Olha aqui, meu filho, esse negócio de pescar em viveiro não tem gosto nenhum, pois é muito fácil pegar um peixe, o bom é ficar horas e horas olhando para a boia, sentir a briga, lutar com o bicho, além do mais, o peixe acostumado a comer tudo o que vem pela frente tem um gosto especial, por isso que eu não falei do viveiro!

Com relação à cerveja, a turma foi obrigada a beber num bar-flutuante, com a dita cuja cara e quente. Outro detalhe: a grana acabou! A solução foi pedir o aval do Senhor Jacinto, com o qual o dono do bar aceitou receber um cheque “borrachudo”.

A negada bebeu até “secar o boteco” e ouviram de montão discos de vinil, numa vitrola “Nivico Hi Fi”; resolveram dormir lá pela meia noite. Imaginem dez bêbedos roncando e soltando pum para todos os lados, o dono da fazenda deve ter passado uma noite nada tranquila!

Conforme o combinado, o comandante do barco passou às quatro da madrugada, o Senhor Jacinto se acordou e, foram chamar o Paulão, ele simplesmente pulou da rede e mandou bala: - Vá acordar ó caralho, ninguém vai embarcar nessa merda! Deu as costas para o comandante, voltou para a sua rede e, continuou a roncar, falar alto e soltar bomba de hidrogênio.

Lá pelas oito da manhã, foram ver a merda que fizeram. Todos estavam com a cara de enterro, não conseguiam tomar o café da manhã, era somente lamentação. O Sr. Jacinto ainda colocou mais pau na fogueira: - Não tem jeito, por aqui não passa uma viva alma, motor de popa nem pensar, vocês terão que esperar até segunda-feira para voltarem para Manaus!

Já tinha até neguinho chorando, quando o Sr. Jacinto falou que ele ia quebrar o galho da rapaziada: - Tenho um motorzinho de centro, ele está na casa de um compadre, quero dois caboclos bom de remo, serão duas horas de braçadas até chegar lá! Os dois felizardos foram o Paulão e o Borrachinha, os lideres do grupo.

Quando o barco chegou, a negada entrou em peso, estavam todos aliviados; chegaram ao porto do Careiro de Várzea por volta das treze horas. Quem pensou que eles iam pegar a balsa para retornar para Manaus se enganou, aproveitaram a presença do Sr. Jacinto, conhecido e respeitado pelos moradores daquela área – pediram novamente o aval do fazendeiro, foram mais quatros cheques borrachudos nos bares do beiradão!

Lá pela onze da noite de domingo, pegaram a última balsa e voltaram para Manaus, fizeram contato com a segurança da fábrica, foi enviado um micro-ônibus para o resgate da turma, todos foram deixados em suas casas.

Na manhã seguinte, estavam todos a postos nos seus lugares de trabalho, correu uma vaquinha com os colegas, conseguiram depositar a tempo a grana dos cheques espalhados pelo Curari e adjacências. Gostaram tanto do passeio que, resolveram voltar por várias vezes a Ilha de Curari! Eu, hein!

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