Apaixonadíssimo por
carros, Zé perseguia
seu desejo de
consumo – dirigir
o conversível pertencente
a um amigo filhinho de
papai (pai rico). Era
um puro sangue
Puma GTS, na
cor vermelho Ferrari.
O coitado babava
quando via o bacana desfilando
naquela máquina, ele se imaginava
sentado naquele banco de couro,
dirigindo em companhia de duas gatinhas, passeando pela praia da Ponta Negra. Tudo
era apenas sonho, pois
o Zé não
tinha dinheiro
nem para
colocar gasosa suficiente
no seu fusquinha,
quanto mais comprar o carro do
amigo que, diga-se de passagem, não estava à venda, visto que o caboclo estava
sentado em cima da carne seca. Grana
não era problema
para ele, além
do mais, mantinha mais
ciúmes do carro
que de sua
namorada, uma loira gostosa e cheia de dengo. Zé nem
olhava para a
boazuda, o negócio
dele era o
Puma. Era
um martírio, pois,
nem sequer era
convidado para dar uma
volta pela cidade,
emprestar, nem pensar,
ele não emprestava nem
para o pai
dele, imagine para
o coitado do Zé. Num belo dia, a louraça botou um par
de chifres no amigo, depois que ela
conheceu um marmanjo,
dono de um
Opala Comorodo completo, com
ar, direção, vidros
verdes e capota
de vinil. Enfim,
tinha enjoado de
andar de Puma,
pode-se dizer que ela era
tremenda Maria gasolina.
O corneado
chorava mais que bezerro desmamado, razão pela qual Zé passou uns tempos consolando
o amigo, com terceira intenção, claro.
Pois não estava
nem aí para
a desilusão amorosa, o negócio
dele era um dia ainda dirigir o Puma.
Depois de
uns tempos, seu amigo esqueceu a loira, mandou
serrar os galhos
e começou dar em cima
da Rosinha, prima
do Zé Mundão.
Uma morena cor
de jambo, peituda,
com pernão e
bundão arrebitado, uma
gata e tanto,
dizia-se, tipo violão. O primo já
tinha dado uns amasso nela, pois para ele, prima não é parente nem aderente.
Zé passou
a intermediar o
namoro, antes, foi
logo detonando: –
Olha aqui, gente
boa, o negócio
é o seguinte:
passo a conversa na
minha prima, entrego-a
de bandeja para
você, mas, em
contrapartida, você vai ter que
me emprestar uma vez e outra o Puma!
O amigo deu
um pulo e retrucou: – Nem pensar, não empresto meu Puma prá ninguém, tô fora,
papai!
Mas o Zé era
um cara paciente, tanto que esperou a volta do
anzol. Seu amigo
fez várias investidas
pra cima da
prima, jogou todo seu charme,
convido-a para umas voltas no Puma, tomar
sorvetes no Pinguim,
assistir a um
filme no Studio Center, almoçar
no restaurante Chapéu
de Palha, jantar
no Canto da
Peixada e, nada! Mal ele sabia
que o Zé
já tinha armado
todo o circo
com a parenta,
pedindo na maior
para ela ignorar o
cara, ser durona,
não dar moleza.
A estratégia era deixar o marmanjo secar todos os
argumentos possíveis e cair novamente nas mãos do primo Zé.
Ele não era
chegado a fazer ameaças, mas, por via das dúvidas, foi
logo dando o
recado: – Priminha
do coração, segue direitinho como
eu mandei, sabe
como é... Se você
mijar prá trás, eu conto pra
titia todas as ondas que você anda aprontando!
Funcionou, o
bacana veio todo
de mansinho falar
com o Zé Mundão: – Meu amigo, a tua prima é dura na queda, vou precisar
da tua mãozinha, concordo em te emprestar uma vez por ano meu Puma!
Mas o
Zé ficou fulo
da vida, e
logo vomitou: – Uma vez por ano, tá ficando doido, quero
emprestado todo final de semana! O bacana foi à loucura: – Pirou de vez, ficou
pinel?
Aí o Zé
mandou a bala fatal: – É pegar ou largar, o Puma emprestado toda semana, com o
tanque até o toco de gasosa, de
minha parte, a
prima no seu
colo, pra você
deitar e rolar.
Vai?
Sem chance
para o filhinho de papai.
Aí foi graça
para o Zé Mundão! O carro, emprestado num sábado à noite, deveria ser devolvido
no domingo de manhã, limpo, lavado e
sem nenhum arranhão.
Promessa feita, não cumprida! Tão
logo pegou na
máquina, Zé ligou
o toca-fitas Roadstar cabeça branca, colocou no volume
máximo uma música dos Beatles e
saiu todo boçal
pelas ruas de
Manaus. Deu um
pulo no bar
do Gordo, onde
olhavam para o
Zé e para o
Puma, ele na
maior cara de
pau. Então, falou
alto e em
bom tom: – Esse é meu e está
pago, somente saio nos finais de semana, macho carona não entra nele, nem
pagando!
Tomou duas
doses de Montilla
com gelo, limão
e koka, sua bebida
preferida. Deu um
rolê pela avenida
Getúlio Vargas, estacionou
o carro em
frente ao Cheik
Club, sentou no capô, estava
mais alegre do que pinto
na beira da
cerca, não precisava
paquerar, as gatas
se ofereciam para
passear com o Zé, ele escolheu duas a dedo, rodou por
todos os points de Manaus, ele queria mesmo era aparecer.
Escolhidas as
minas, saiu para
pegar um vento
na testa, pegou a estrada do Tarumã e parou num
balneário, conhecido por Cachoeira
das almas. O
local, de difícil
acesso, tinha lama até
o talo, por isso, o Puma começou a ficar sujo, mas o motorista não
estava nem aí,
queria mesmo era
levar as gatinhas para
tomar banho num
igarapé de águas
cristalinas. Lá, as beldades
ficaram somente de calcinha e sutiã, e o Zé, na maior onda com elas.
Nova etapa
da esbórnia, uma volta pela
praia da Ponta Negra;
nessa altura do campeonato, o carro já estava todo enlameado, molhado
e repleto de
areia e barro.
Numa encruzilhada próxima, havia
um pessoal fazendo um despacho de macumba, uma das beldades pediu uma parada do
carro. Então, ela foi até onde acontecia o ritual, e aí o bicho pegou para o Zé
Mundão, pois
a garota começou a pegar santo, tendo se enrolado pelo chão, mudado a voz,
enfim, ficado toda ralada.
Um adepto
veio até o
Zé para reclamar
da intrusa: – Boa noite, o
senhor, por favor,
leve sua amiga
de volta, ela
está atrapalhando nosso
serviço, pois a
linha dela não
é igual a nossa.
O Zé, sempre
gaiato, retrucou: –
Deixa comigo, fui!
Ao entrar, a gata sujou de sangue
o banco do carro.
Rumou, então,
para a prainha
da Ponta Negra,
um dos points dos jovens. Após um
banho na beldade que estava suja e
ralada, deixou-a em
standbay, enquanto a
outra foi para
o abate.
O dia já
estava amanhecendo, quando Zé resolveu ainda dar um
pulo na cachoeira
do Tarumã. Ainda
madrugada, tomaram banho
pelados até o sol raiar.
Ao sair, contudo,
o Zé engatou a ré no carro e bateu levemente num
tronco de madeira. Retornando, tomaram
café regional no
Café da Loura,
em seguida, Zé deixou as gatas em
casa delas e foi dormir, afinal, ninguém é de ferro Meio dia de domingo, e o
herói foi acordado à força. Era seu
amigo: – Zé,
filho da baraga,
tu nunca mais
vai pegar no meu carro, ele tá todo sujo de lama, barro
e sangue e tá amassado na traseira!
O cara
ainda dormindo, falou:
– Mil desculpas,
parceiro, deixa que eu vou dar um banho nele, passo até esmeril e cera no bicho,
vai ficar novinho
em folha, na
segunda, mando desamassar a belezura! Tudo bem?
O amigo,
todavia, estava possesso:
– Negativo, vou levar agorinha
o meu Puma.
Outra coisa, aquela
tua prima é a maior
fuleiragem, tô fora!
Dessa forma,
acabou o sonho de consumo do Zé Mundão, nunca
mais teve a
oportunidade de dirigir
aquele carro, carro
que fez história
no Brasil, criado
no início da
década de 60 por
um grupo de
aficionados pelo automobilismo, liderado pelo
Rino Malzoni. Tratava-se de
um cupê esportivo
de vidro, lembrando
muito a Ferrari
250 GTO da
época, daí o
Puminha ser desejado, pois tinha um desenho espetacular, com beleza, agressividade
e aerodinâmica, além de ótima dirigibilidade.