domingo, 11 de abril de 2021

CIDADE DE MANAUS - UMA TORRE DE BABEL


Com a descoberta da vulcanização e da procura crescente do látex da borracha nativa da Amazônia, vieram para a nossa região uma leva imensa de estrangeiros, incluindo os ingleses, franceses, peruanos, judeus, alemães, italianos, sírio-libaneses, norte-americanos, portugueses, japoneses e outros, misturados com índios, caboclos e nordestinos,  provocando uma verdadeira Torre de Babel em Manaus.

Eles vieram para fazer riquezas com a exploração e comercialização do “ouro branco”, bem como, para abrir comércio de produtos (casas aviadoras), empresas de exportação, bancos, seguradoras, empresas de transportes e outras.

Com a exportação crescente e o enriquecimento de uma casta privilegiada, a cidade de Manaus ganhou ar cosmopolita, com uma urbe moderna, rica e progressista, com empresas especializadas em produtos finos vindos da Europa para satisfazer um público cada vez mais exigente, esnobe e requintado.

Os estrangeiros se reuniam em grupos homogêneos, formando clubes esportivos e sociais, onde possuíam a mesma afinidade, celebrando a sua cultura, religião e esporte preferido (futebol e o remo).

Como fim do primeiro ciclo da borracha, ocorrido em 1916, além da gripe espanhola (1918) que dizimou grande parte da população manauara e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a grande maioria bateu em debandada “débâcle” voltando para os seus países de origem ou outros lugares mais prósperos, ficando apenas um reduzido numero de pessoas e seus descendentes.

Os portugueses, os sírio-libaneses e os judeus foram os únicos que ficaram em grande número, todos reunidos na parte central da cidade.

Os portugueses fundaram o Luso Sporting Clube, em 1912 (presente até hoje em nossa cidade) e a União Esportiva Portuguesa (destruída), destacando-se nos esportes, comércio em geral, bares e padarias. Famílias: Soares, Grillo, Araújo, Soeiro, Machado, Gonçalves, Loureiro e outros.

Os sírio-libaneses fundaram o Clube Sírio-Libanês, na Rua dos Remédios, atual Rua Miranda Leão, depois na Avenida Constantino Nery (existe até os dias atuais), bem como, o Sheik Clube, na Avenida Getúlio Vargas (hoje é uma academia da Live).      Destacando-se no comércio de miudezas e profissões liberais. Famílias: Mussa, Tuma, Fraiji, Chamma, Azize, Hissa, Caram, Sefair e outras.

Os ingleses reuniam-se no Manáos Ahletic Club (Clube dos Ingleses, atual Bosque Clube), na Avenida Constantino Nery.               Tomaram conta dos bondes elétricos, do Roadway, da geração e distribuição de energias, águas e esgotos, bancos e transportes de navegação.

Eles praticavam o remo com a equipe. Ficaram até a década de 50, batendo em retirada e não deixando nem os descendentes. Deixaram apenas as suas obras como o Porto de Manaus, Museu do Porto (antiga casa de geração de energia), Galerias de esgotos (em pleno funcionamento até hoje no centro da cidade) e a Usina Chaminé (Teatro).

Os japoneses vieram depois, fundando colônias agrícolas no baixo Amazonas, na região de Parintins (Vila Amazônia) e em Manaus na Colônia Japonesa. Sempre foram unidos e fechados, conservando sempre as suas tradições. Foram expulsos e hostilizados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Abandonaram a Vila Amazônia e muitos deles se esconderam na mata, formando pequenos grupos no município de Parintins, interior do Pará e no meio rural de Manaus. Os seus descendentes são grandes empreendedores e produtores agrícolas (hortaliças, frangos e ovos), juta, malva e eletrônicos.

Os italianos foram grandes construtores (ajudaram na construção do Teatro Amazonas, Igreja de São Sebastião, Monumento da Praça de São Sebastião e Relógio Municipal (1927). Especializando-se na comercialização de jóias e relógios. Foram também perseguidos na Segunda Guerra Mundial, com as suas lojas e residências sendo depredadas. Com o afundamento do navio Baependi (nome dado a uma vila que fica na Rua 24 de Maio, antes se chamava Vila Itália) morreram vários manauaras ilustres, ocasionado revolta na cidade. Foram embora depois, mas deixaram descendentes. Famílias: Pelosi, Demasi, Cassina e outras.

Os judeus se reuniam no Grêmio Sion & Azul e Branco, na Rua da Instalação, onde praticavam as suas tradições religiosas.          Foram comerciantes natos. Ficaram na cidade de Manaus                  e no interior. Hoje temos como exemplo a família Benchimol       (Lojas Bemol e Fogás), Isaac Sabá e outras. A Sinagoga deles fica na Avenida Leonardo Malcher.

Os alemães se destacaram nas Casas Exportadoras. Fundaram o Manáos Ruder Club (Clube Alemão de Remo). Segundo o saudoso senador Jefferson Peres, no seu livro “Evocação de Manaus”, o nome Clube do Remo foi mudado em decorrência das hostilidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial (até o Consulado da Alemanha foi invadido). Tinha a sua garagem toda de zinco, ficava estacionada no Igarapé de Manaus, com acesso pela Ponte Cabral (Primeira Ponte da Avenida Sete de Setembro). Hoje está atracado embaixo da Ponte de Educandos.

A sede social chamava-se Deutscher Kegelklub (Clube Alemão), ficava na Rua João Coelho (atual Avenida Constantino Nery) esquina com a Rua Leonardo Malcher. Este clube foi abandonado e invadido por brasileiros. O Olímpico Clube tomou a posse através de usucapião, ficando até 1966. Os alemães não brigaram pela pose, pois temiam represálias. O local serviu para a Boate Starship, Drogarias e Padarias. Está fechado e praticamente descaracterizado. Dizem que lá existe uma maldição: todo empreendimento não vinga. Famílias:  Andressen, Huebner, Scholz e outras. Foram embora com todos os seus descendentes.

Os norte-americanos estiveram aqui em peso em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Trouxeram equipamentos pesados (tratores, retro escavadeiras etc.) fazendo em tempo recorde           o Aeroporto de Ponta Pelada (1944). Fundaram a RDC - Rubber Development Corporation (empresa de desenvolvimento                 da borracha), na Ilha de Monte Cristo (atualmente é um estacionamento da Feira da Manaus Moderna), para comprar toda         a produção de borracha e contribuir com os esforços de guerra.     Eram embarcadas em aviões anfíbios (Clippers e Catalinas)              e depois por possantes aviões no novo aeroporto.

Segundo o saudoso Jefferson Peres no livro acima citado:        “Vieram muitos americanos e suas famílias para a nossa pacata cidade, provocando um grande choque cultural, com pessoas loiras de olhos azuis, falando uma língua estranha para a grande maioria   (o inglês), fumando cigarros de marcas nunca vista antes, pagando altas gorjetas em dólar, inflacionando o mercado local                      e expondo comportamentos muito liberais, contrastando               com uma sociedade local fechada, tradicional e conservadora”.

Gostavam de recostar comodamente nas cadeiras dos bares com os pés apoiados sobre as mesas (igual aos filmes de faroeste).             As suas esposas eram brancas, altas, sardentas, gordas e cafonas.  As “secretárias” andavam sem sutiã e anágua, aparecendo os peitos e a calcinha. Era um escândalo para a época. Foram embora assim que a guerra terminou. Doaram todos os equipamentos pesados para a Prefeitura de Manaus, onde foi possível construir a Avenida Getúlio Vargas e outras grandes avenidas.

Com o advento da Zona Franca de Manaus, bombando no comércio de importados (o Brasil tinha o comércio fechado para o exterior), vieram em grande leva os chineses (Shing Ling), árabes (mulçumanos, a Mesquita deles fica na Avenida Ramos Ferreira)        e indianos (ex. Ransons, filhos de Ran) para comercializarem esses produtos.

Esses e outros estrangeiros ficaram em Manaus mesmo com o descrédito da Zona Franca. São donos da maioria das lojas de quinquilharias, confecções do  “Shopping Bate Palma”, eletroeletrônicos e linha branca.

Recentemente, por questões humanitárias, presenciamos novamente a nossa cidade ser invadida por estrangeiros venezuelanos (incluindo os índios) e os haitianos, além de cubanos e colombianos. Trabalham no mercado ambulante “camelôs” e outras profissões especializadas.

Pelo visto, esses últimos não irão embora tão cedo. Os seus filhos estão nascendo aqui e com o tempo vão adquirido o modo brasileiro e manauara de viver e ser.

A nossa cidade desde o final do século dezenove é uma mistura de raças, credos e línguas diferentes. Uma verdadeira Torre de Babel.

É isso ai.

Observação: Torre de Babel

A Torre de Babel, segundo Gênesis 11:1-9, é um mito de origem usado para explicar por que as pessoas falam diferentes línguas no mundo. De acordo com esta narrativa, a humanidade era uniforme nas gerações seguintes ao dilúvio, falando um único idioma. Wikipédia