sábado, 11 de abril de 2009

MALHAÇÃO DE JUDAS

* Ademir Ramos
A tradição vem de muito longe. Na antropologia cultural registra-se como um dos ritos das sociedades rurais do medievo, passando pela Península Ibérica e sendo reinventada por toda a América Latina.
No Brasil, sua manifestação era marcante na antiga capital da República, no Rio de Janeiro, onde o Judas tinha a configuração diabólica e em seu interior depositavam fogos pirotécnicos, provocando explosões com luzes coloridas seguido de muita gritaria e manifestações populares.
O fervor dos brincantes era tanto, que deixava a polícia desnorteada sem saber por onde começar a debelar o fogaréu. Resultando, dessa feita, na proibição da manifestação no centro urbano da antiga capital federal.
Na verdade, não era o fogo que incomodava, mas a picardia dos brincantes que ironizavam os políticos de então, fazendo sua malhação em praça pública.
Em Manaus, ainda se cultua essa prática, sobretudo no Bar do Cipriano, onde os políticos são malhados pelos justiceiros de plantão. No campo do catolicismo popular, São Cipriano é o santo da riqueza a quem os devotos entregam a alma para poder sustentar seus caprichos; no interior da Amazônia, Cipriano é o santo que arrebata a alma do fiel para o Demo, prometendo prazeres e riqueza.
No Bar do Cipriano pode-se apreciar o julgamento e às vezes até mesmo o testamento de Judas. No ano que passou, a peça jurídica escrita por um dos bacharéis que freqüenta a mercearia tornou-se apócrifa tal como ocorre também no Bar do Armando. A estratégia dos organizadores é para se proteger das retaliações dos políticos profissionais e dos seus aduladores.
Se o Cipriano é o santo do Demo, não se sabe, mas, que a malhação de Judas tira o sono dos políticos é inteiramente verdade. Em Manaus, o evento está ganhando corpo na periferia, como podemos observar no pós-semana santa do ano em curso. A manifestação é acolhida pelos moradores, ganha visibilidade na imprensa e passa ser também um puxão de orelha no político oportunista, que faz pouco caso pelos interesses do povo, representando muito mais os ganhos dos poderosos.
Pelo que se sabe, no Amazonas, a malhação do Judas, ainda não conta com incentivo fiscal, sendo uma iniciativa popular. Passado a Semana Santa pudemos ter acesso ao testamento apócrifo do Judas, que enuncia sua condição humana, sua herança e promessa.
Os termos lavrados em prosa dão conta que ali jaz um traidor do povo, que por muitos partidos já passou; buscando riqueza, poder e bem estar para si. A peça vestibular dá conta que seu julgamento deve ser lembrado para que outros oportunistas não venham imitá-los, fazendo de conta que vão exercer o mandato e depois ocupam cargo no executivo.
O testamento é longo, mas pode ser sintetizado, quanto à defesa que se faz a democracia participativa, a desconcentração do poder em forma de políticas publicas de qualidade, oferecendo ao povo do Amazonas, novas oportunidades de trabalho, emprego e renda.
Quanto às promessas o testamentário declara que basta de enganação de documento em cartório, em época de eleições, o fato é que as promessas não foram seguidas de gestos concretos, deixando o povo muito mais no medo da insegurança do que na esperança da seguridade social.
O testamento de Judas pode ser uma ficção, mas, bem que poderia servir de objeto de análise para o cidadão ver, julgar e agir com foco nas próximas eleições para Prefeitura e Câmara Municipal. Agora me responda, quem você gostaria de execrar em praça pública tal qual o Judas? – Os vereadores, o Prefeito do seu Município, o taberneiro da esquina que lhe afronta nos preços cobrados na caderneta, sua sogra que controla muito mais você que a(o) consorte, os magistrados por não operarem a Justiça com eficácia e determinação, o Ministério Público Estadual que perdeu a soberana vontade de ser articulação popular, transformando-se na apêndice do Governo, o delegado de polícia arbitrário e arrogante ou o próprio Governador do Estado junto com a direção da Assembléia Legislativa do Estado pelo descaso como tratam a coisa pública.
O Judas é apenas uma metáfora, mas a sua indignação deve ser permanente. Portanto, transforme esse sentimento numa atitude crítica capaz de mobilizar forças para promover efetivamente a mudança. Pois, esteja certo que para melhorar é preciso participar.

*Antropólogo, Professor da Universidade Federal do Amazonas-UFAM e Presidente do NCPAM. Contato:
ncpamz@gmail.com