sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ROCHINHA - A diferente história de um músico que nunca tocou nada.





Publicado no Jornal Diario do Amazonas, edição de 26 de maio de 1985


Texto: Patrícia Bartolotti
Fotos: Aureo Márcio


José Rocha Martins. Poucos conhecem esse nome, mas “Seo Rochinha” é conhecido por muitos, principalmente por aqueles que se dedicam à música, não só os músicos amazonenses, como também cantores e compositores de fama nacional.



Na primeira casa à direita de quem sobe a travessa Huascar de Figueiredo, num porão cedido pelos proprietários, há 32 anos o “seu” Rochinha se dedica à difícil arte de fabricar manualmente instrumentos musicais como violão, bandolins e cavaquinhos, montado a Artesanato Amazonense Rochinha e vivendo exclusivamente dessa pequena oficina.


Hoje, aos 62 anos de idade, tendo sofrido há um mês atrás uma congestão que resultou num derrame, ficando com o lado direito do corpo totalmente paralisado, o “seu” Rochinha não consegue realizar o seu maior sonho: abrir uma escola onde pudesse ensinar a difícil arte da construção de instrumentos. Tendo alegrado a tantas pessoas através das musicas que foram tocadas em instrumentos fabricados por ele, vê, com tristeza, uma antiga previsão sua ir se concretizando: a de morrer e não deixar ninguém no seu lugar, para continuar a arte a que tanto amou e dedicou os melhores anos de sua vida.


O COMEÇO – José Rocha Martins descobriu a sua vocação por “um acaso”, como ele mesmo diz. Aos quinze anos de idade e com poucas opções de trabalho, pois na época as profissões que poderia ter escolhido se resumiam a alfaiate, carpinteiro ou pedreiro, foi trabalhar como boy numa fábrica que já não existe mais, localizada na Rua dos Barés e registrada pelo nome de “Bandolim Amazonense”. Com pouco tempo na firma, o patrão, um português, o “seo” Nascimento, notou a aptidão natural do rapaz para a arte e colocou como aprendiz. Com muita ânsia de aprender e cheio de entusiasmo, logo em seguida foi promovida a operário, continuando nesse cargo por 13 anos, sem nunca ter tirado férias. Um dia, o dono da fabrica chamou o rapaz a seu escritório e o convidou para fazer parte da sociedade, de onde tiraria todos os meses 2% da renda liquida, mas Rochinha que nesse época acabava de constituir família e era o braço direito do patrão, pediu que ele aumentasse um pouco a porcentagem, pois o oferecido não daria para sustentar a mulher e a criança que em breve deveria chegar. Um pouco chateado com a situação, pela primeira vez ele pediu férias, o que lhe daria um tempo para melhor pensar na proposta. O patrão negou as férias, o que causou profundo desgosto no rapaz. Então, como gosta de lembrar, “acabei saindo de férias na marra”.


Dessas férias, não voltou mais para a fabrica, pois um “comadre” lhe financiou 3 contos de réis, o que deu para montar a sua própria oficina, primeiramente tendo sido instalada em um flutuante e dali para o porão onde continua até hoje.
“O patrão acabou tendo que fechar a oficina, porque não conseguiu ninguém para fazer os instrumentos”.


VIDA SACRIFICADA – com o passar dos anos, Rochinha foi conseguindo se firmar na sua pequena oficina, mas apesar de seu trabalho, nunca conseguiu ganhar dinheiro suficiente para guardar e realizar o seu maior sonho: o de ensinar tudo que sabia. “Naturalmente que a minha vida foi muito sacrificada, porque trabalho com musica. Só não estou realizado porque queria montar uma oficina de artesanato para ensinar e até hoje não consegui”. E continua: “encaro isso sem muito problema, pois a autoridades também têm os seus problemas e não podem se preocupar com todo mundo. Por isso nunca apelei diretamente a ninguém, faço apenas pedidos pelos jornais e televisões, na esperança de que antes de morrer possa ter esse sonho realizado, nem que seja por poucos dias”. Essas são as palavras de um homem que mesmo doente não de desespera e mantém a chama da esperança sempre acessa. Tendo se dedicado aos tantos anos à profissão que escolheu e amou não se sente amargurado ou frustrado e muito menos revoltado com o pouco reconhecimento que lhe foi dado.


O MÚSICO QUE NÃO TOCA
Diz-se de músico, a pessoa que tira melodias. Mas Rochinha é um músico diferente; pois, como confessou, nunca teve oportunidade de estudar música e nada entender de tocar os instrumentos que ele mesmo fabrica. Ele acha muita graça quando o chamam de músico e reponde que de músico não tem nada, no que foi firmemente contestado pelo famoso músico clássico Villa Verde que lhe disse “para ser músico é necessário ante de tudo ter muito sentimento. Você pode não tirar uma nota do instrumento, mas você o faz e com ele a musica, que mesmo não sendo tirada pelos seus dedos, é parte de você, então você é músico”.


Voltando ao passado, Rochinha lembra como foi aperfeiçoando a sua arte “No início, fiz muita bobagem, não conhecia violão nem cavaquinho e só depois e que fui aprendendo com os mestres. Por exemplo, eu não sabia que todos os instrumentos têm a clave de dó, um baixo, um médio e um alto. Quando descobri isso, fui aprender a “bater” violão, conhecer as escalas e tudo isso com os artistas”.


SITUAÇÃO FINANCEIRA – Ele não se importa em dizer que sua situação financeira não é boa e que nunca o foi porque a procura dos instrumentos sempre foi pequena, apensar de ser reconhecidamente um ótimo artesão, “A procura sempre foi um fracasso, detestei e detesto até hoje fazer serviço de carregação e principalmente naquela época. Só quem tinha capital de giro, como a Moto Importadora, é que vendia material de primeira. Como eu nunca fiz serviço barato e não podia competir com as lojas que tinham condições de vender por crediário, eram muito poucas encomendas que atendia. Então, o pouco dinheiro que ganhei foi reformando e consertando instrumentos. Poucos tinham dinheiro para comprar violão meu, a maioria vinham aqui para consertar.”


Atualmente, o violão mais barato fabricado pelo Rochinha, custa CR$ 400 mil cruzeiro e ele diz que sempre sai perdendo porque nas lojas existem uma grande quantidade de violões sendo vendidos até por 60 mil cruzeiros, por serem feitos em grande escala industrial, o que diminui consideravelmente os custos de produção.


Somente tem uma coisa que ele se orgulha muito, com o fruto de seu trabalho formou todos os seus filhos na faculdade e trabalham em suas profissões. “Os meus filhos, desde pequenos trabalhavam na plaina. Mas como o movimento era pouco e eu sabia que não teriam muito futuro nessa profissão, os afastei e mesmo com muito sacrifício conseguir que eles estudassem e se formassem na faculdade”.

MOMENTOS FELIZES – Como todas as pessoas, “seu” Rocha não teve apenas momentos de tristeza e sacrifício, preferindo lembrar-se dos momentos felizes quando de uma apresentação do famoso cantor Silvio Caldas que, lembra, era ídolo de sua geração, num show realizado aqui em Manaus no Olímpico Clube. “No meio do show, a tarraxa do violão de Silvio Caldas arrebentou, soltado a corda e então o Iran Caminha, que toca violão maravilhosamente, correu para mim e pediu o violão que sempre carregava comigo apesar de não tocar, então emprestei o violão para o Silvio. Ele adorou o meu violão e acabou vindo aqui para encomendar um para ele e disse também que eu era um grande artista”.



Não só o Silvio Caldas encomendou um violão a Rochinha, mas cantores tão mais ou menos famosos quanto ele, Gilberto Gil, Vando e outros menos famosos.
“O Villa Verde, não sei se você ouviu falar porque não é de sua geração, uma vez quando esteve aqui, me disse que o violão que eu fazia deveria ser vendido em dólar e que eu não sabia ganhar dinheiro. Perguntou também por que não mudava meu nome para um nome americano. “Aqui nesse País, Rocha, só ganha dinheiro quem tem nome estrangeiro” foi o que ele me disse”.


Rochinha diz que nunca sonhou alto e tampouco pretendeu mudar de nome, pois não pensava em montar uma indústria. Por não ter sonhado alto e mantido seu idealismo é que ele hoje não tem condições perfeitas para trabalhar. Mas nem por isso vive se queixando. Vai vivendo de um pequeno conserto aqui e outro ali. Cada dia mais perdendo a esperança de realizar o seu grande sonho.


Durante o tempo que durou a entrevista, apareceu um rapaz, amigo de seu filho, que queria trocar a pestana de seu violão, ainda não sabendo do problema de saúde do artesão. Mas Rochinha não deixou o rapaz voltar. Mesmo com o lado direito paralisado, com muita dificuldade e com a ajuda do rapaz, fez questão de trocar a peça, só fazendo um pequena observação melancólica “depois do derrame, um serviço que eu fazia em quinze minutos, como a troca de cavalete, passei a fazer em 2 horas e mesmo assim com a ajuda de outra pessoa, eu tive o propósito de trabalhar sempre, não desprezando um serviço sequer, não criando obstáculos, e sempre dando valor a arte. O meu ideal sempre foi trabalhar na arte que amo, tanto que não tenho dinheiro, nunca fiquei rico, mas ninguém saiu daqui de cara feia e essa foi a minha forma de contribuir para o mundo”.


Palavras de um homem que se realiza naquilo que escolheu, mesmo que daí não tenha tirado grandes recursos financeiros. Palavras de fé e coragem de um artista que nos seus últimos aos de vida, ainda tem a esperança de ter seu sonho realizado, passando para outras pessoas a bela arte de criar instrumentos e moldá-los com suas próprias mãos, consciente da importância que a musica tem para todos os seres humanos.


Nota do Blog: o meu saudoso pai faleceu aos 82 anos de idade, sem ter tido a oportunidade de realizar o seu grande sonho: formar novas gerações de Luthier. Foi ajudado pelo senador Arthur Virgilio Neto, na época prefeito de Manaus, com uma aposentaria especial de cinco salários mínimos, foi o suficiente para viver a sua velhice com bastante dignidade e em paz. Atualmente, existem inúmeros Luthier em Manaus, em sua grande maioria formados pela Escola de Lutheria da Amazônia, do mestre Rubens Gomes.