quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

FOI NOTÍCIA ALGUM TEMPO ATRÁS

Zona nada francaPorto de Manaus é alvo de batalha judicial entreEstado e arrendatárias: sob suspeita a licitaçãoe a atuação das empresas
Moralidade: a deputada Vanessa e o governador Eduardo Braga lutam para cancelar a licitação do porto
Florência Costa - Isto É Online
Um cheiro podre exala à margem do rio Negro, em pleno Amazonas. Lá está o Porto de Manaus – projetado em 1890 pelos ingleses, no auge da era da borracha. Tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional, o porto é alvo, há quase dois anos, de uma guerra jurídica de proporções amazônicas. Nessa batalha fluvial, um caudaloso rio de acusações deságua sobre o processo de licitação do porto, realizado em 2001, na gestão do então governador Amazonino Mendes, e sobre a própria atuação das empresas privadas. O Porto de Manaus – com suas complexas operações de carga e descarga de insumos para a Zona Franca de Manaus e de produtos para exportação e para consumo nacional, como aparelhos eletrônicos e bicicletas – movimenta cerca de R$ 700 milhões por ano. O porto é a casa de máquinas de um transatlântico para o Amazonas: 98% de seu sistema de transporte é aquaviário. Também é lá que é feito o controle aduaneiro, com a atuação de fiscais para impedir o tráfico de mercadorias contrabandeadas.
A guerra pelo porto travada nos tribunais tem de um lado as atuais empresas arrendatárias Estação Hidroviária e a Revitalização do Porto de Manaus. De outro, a atual administração estadual, nas mãos do governador Eduardo Braga (PPS), políticos como a deputada federal Vanessa Grazziotin (PCdoB), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a própria União. A intenção do governo estadual não é tomar conta do porto para sempre, já que pretende arrendar para a iniciativa privada. A idéia é anular a licitação feita em 2001 por considerá-la irregular. O Estado havia conseguido retomar o porto temporariamente na quinta-feira 5, com uma decisão favorável na Justiça estadual. Mas cinco dias depois recebeu um golpe, com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na quarta-feira 11, de transferir para a Justiça federal a competência de julgar o caso, como pleiteavam as empresas arrendatárias. Com a decisão do STJ, as empresas podem retomar de novo o porto, e o fim do conflito – que causa prejuízos ao erário público a cada dia que passa – fica mais distante.
Os sinais de podridão são muitos e o rol de denúncias é extenso. O primeiro ataque ao processo de licitação partiu da deputada Vanessa Grazziotin, que em 2002 entrou com ação popular para sustá-lo, quando o governador era Amazonino Mendes. Ela elencou 18 irregularidades, entre elas a falta de documentos que qualificam as empresas vencedoras, a ausência de prestação de contas, de relatórios informando o andamento das obras de revitalização do porto, a falta de fiscalização dos serviços e a inexistência de estudos de impacto ambiental e do patrimônio histórico. A ação arrasta-se lentamente pela Justiça. Mas ganhou força com o apoio do governador Eduardo Braga e do Tribunal de Contas da União, que fez uma auditoria e confirmou as ilegalidades. Vanessa Grazziotin está otimista com relação ao front que criou coma ação popular. “Com o apoio do governador e da União vamos vencer essa guerra, que é em favor dos cofres públicos e da moralidade administrativa”, afirmou. “O problema é gravíssimo porque o porto é a nossa alternativa econômica. Há um grupo de pessoas inescrupulosasque tomaram conta do porto, não prestam conta de nada e o Estado está perdendo dinheiro. Não tenho dúvida de que a licitação foi fraudulenta”, afirmou a deputada.
Silvestre de Castro Filho, presidente da Sociedade de Navegação Porto e Hidrovias (SNPH), empresa pública que exerce a função de autoridade portuária do Estado, diz que nunca recebeu prestação de contas das empresas arrendatárias, como manda a lei, desde que assumiu, em outubro de 2003. Ele lembra que, na gestão de Amazonino Mendes, integravam a cúpula da SNPH – a parte fiscalizadora – pessoas que se tornaram sócias das próprias empresas arrendatárias. Uma dessas pessoas é o ex-senador Carlos Alberto de Carli, que foi exonerado no ano passado pelo governador Eduardo Braga. Há duas semanas, Carlos Alberto De Carli foi um dos políticos citados pelo lobista Sérgio de Andrade, preso pela Polícia Federal, acusado de extorsão em um esquema de contrabando na Zona Franca de Manaus envolvendo até US$ 10 milhões. O lobista disse que De Carli, entre outros, estaria à frente desse lobby.
A SNPH desembolsou no governo anterior R$ 35 milhões para as empresas arrendatárias, que tem como um de seus sócios o próprio De Carli. O acordo foi de pai para filho: as empresas devolvem o dinheiro em suaves prestações: em 240 meses com juros a 6% ao ano. “As arrendatárias receberam à vista e recompraram a prazo”, constatou Silvestre. Um negócio da China em pleno coração da Amazônia.