sábado, 31 de dezembro de 2022

LOUCURAS DOS LOUCOS DE ANTIGAMENTE


Algum louco escreveu um dia (está na internet) o seguinte: “Talvez as loucuras de hoje serão as boas histórias de amanhã”, é isso mesmo, tanto que as loucuras dos loucos do passado de nossa cidade sempre são lembradas pelos mais velhos e são boas histórias hoje em dia.
Na década de noventa conheci lá pelas bandas do Bar do Armando, o psicanalista (conhecido como médico de doido) Rogélio Casado (o que nunca foi Solteiro), ele escreveu o seguinte em seu blog “Picica”: “A banda da Polícia Militar, nos anos 1950, saia do quartel da praça Heliodoro Balbi em direção à praça dos Remédios tocando marchas e hinos militares, tendo à frente ninguém menos do que Bombalá. Figura da nossa infância. Era ele quem de manhã cedinho acompanhava e "regia" a banda da Polícia Militar. Bombalá, tecnicamente falando, era um portador de Síndrome de Down. Com ele, sob a cuidadosa orientação materna, aprendemos a conviver com "os diferentes". Quando meus pais se mudaram para a rua Frei José dos Inocentes, onde morava Carmem Doida, e por ali transitavam Jaburú e Sapo, eu e minhas irmãs já tínhamos uma bagagem cultural invejável: o respeito à diferença. E como ela foi fundamental para convivermos com toda sorte de diferença existente no lugar! Naquele trecho da cidade ficava a zona de prostituição da cidade. Brincar com os "filhos das putas" (perdoem-me a licença poética) era a coisa mais natural do mundo”.
Segundo o articulista Ribamar Bessa Freire existiam muitos em Manaus “Bombalá é o primeiro de uma longa lista, que tem Carmen Doida, Nega Maluca, Nega Charuta, Neide Pipoca, Tom Mix, Macaxeira, Zé Bundinha, Antônio Doido, Raimundo Mucura, Professor Guilherme, Solaninho, Porca Vadia, Bonitão – primo do governador Álvaro Maia - e tantos outros. É possível mapeá-los bairro a bairro. Cada um com sua mania”.
Quando a nossa cidade era pequena e terminava no Boulevard Amazonas, sabíamos quem eram os doidos de Manaus, pelo menos aqueles que andavam pelas ruas com as suas manias.
Aqui na minha comunidade existia o “Sêo Ulisses”, gente boa da melhor qualidade, mas quando era Lua Cheia ele mudava de comportamento e saia pelas ruas conversando sem nexo com todos que encontrava pela frente, além de gostar de seguir as pessoas que conhecia.
Certa vez, quando eu ainda era jovem, ele me seguiu desde a Rua Tapajós até a Rua Marechal Deodoro, eu olhava para trás e ele se escondia em alguma loja, fiquei um pouco assustado, apesar de saber que ele não era agressivo. Entrei num prédio de lojas que fica em frente ao antigo J. G. Araújo e por lá dei um bom tempo para despistar o “Sêo Ulisses”, sai e olhei para todos os lados e nada do doido, segui o meu caminho até o Mercadão, ao chegar no final da Marechal alguém toca em meu ombro, viro para trás e imagem quem era, isso mesmo, era o “Seu Ulisses”, falou:
- Tu não é o filho do Sêo Rocha?
- Sou, sim – respondi.
- Ah, tu és o Zezinho, né?
Virou as costas e pegou o beco! Caramba! Toda vez em que eu saia de casa olhava para trás para ver se não estava sendo seguido pelo “Sêo Ulisses”, acho que eu já estava ficando doido, também.
O governador Eduardo Ribeiro tinha uma chácara na atual Constantino Nery, onde foi encontrado morto, em 1900, dizem que ele ficou “Pinel” e se enforcou (alguns historiadores escrevem que ele fora assassinado). Em sua homenagem, o governo do Estado do Amazonas construiu no local o “Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, sendo tempo depois desativado, servindo apenas como um Pronto Socorro para os pacientes com crises agudas.
Certa vez, fui até lá levar uns mantimentos para a minha ex-cunhada que estava passando uns dias internada. Passou por mim uma vizinha bonitona e morena cor de jambo, “peladinha da silva”, andando de boa pelos corredores. Eu não sabia que ela tinha problemas mentais. Ela me encarou e falou:
- Te conheço lá da Cidade Nova! Tu é o Rocha, meu vizinho, né?
Caramba! Pense numa situación!
Tenho um vizinho na Comunidade Paraíso, o Lapão, ele trabalhou durante vários anos no hospício e lembra de muitas passagens dos malucos beleza.
Existia um negão, grandão e barrigudão, que gostava de cantar aos domingos. Ele deitava no chão de barriga para cima e começava a cantar, os outros ficavam sentados ao seu redor, depois, virava e ficava de barriga para baixo e continuava a cantar. Uma maluca beleza, falou:
- Gostei mais do lado A! achava que ele era um disco de vinil.
Por lá existe até hoje uma jaqueira enorme. Um interno que andava mancando, pois era cambota. Conseguiu sabe lá por quem um terçado e subiu na árvore e cortou uma enorme jaca. O Lapão foi avisado e gritou para ele descer. O camarada desceu até o chão agarrado com a jaca. Depois dessa ele nunca mais andou mancando, a jaca e descida foram um santo remédio. Pense.
Depois que o hospital foi desativado e os doidos liberados para ficarem com suas famílias, no entanto, muitos andavam perambulando pelas ruas. E o Lapão foi aposentado. Ele que conta que quando um doido o avistava, corria e passava para o outro lado da rua, achando que o Lapão estava em sua captura para leva-lo de volta ao hospício.
Sempre existirá pessoas com transtornos mentais, mas por nossa cidade ter crescido muito, não sabemos mais das loucuras dos loucos atuais, somente de antigamente.
É isso aí.