quinta-feira, 28 de outubro de 2021

OS CAMELÔS E AS MALANDRAGENS DO CENTRO DE MANAUS – DÉCADAS DE 70 E 80

 


No início de minha carreira profissional, trabalhei em três empresas localizadas no centro de Manaus: Central de Ferragens,               Lojas Populares (Braga & Cia.) e Importadora Souza Arnaud (todas extintas), onde tive a oportunidade de conviver e observar durante quase uma década o comportamento dos camelôs e da malandragem da parte central da cidade, na época do “boom” do comércio            de importados da Zona Franca de Manaus.

Os comerciantes ambulantes informais, conhecidos como “Camelôs” sempre estiveram presente aonde existem grandes movimentações             de pessoas e de circulação de dinheiro.

Nas décadas de 70 e 80 o centro da cidade fervilhava de turistas brasileiros, pois o mercado do Brasil era fechado às importações, tornando a Zona Franca uma “Meca” para compras de produtos       “Made in Japan, Hong Kong & Companhia”.

Em decorrência desse grande fluxo de pessoas, os “camelôs” marcavam presença e eram combatidos pelos lojistas e perseguidos pela Guarda Municipal, conhecidos como “Rapa” que levavam tudo       do caboco que dava bobeira.

Por existirem uma grande circulação de pessoas e dinheiro, misturado com produtos disputadíssimos, os ambulantes e a malandragem imperava naquela área central.

Como comentei acima, trabalhei em três empresas, exercendo           a nobre função de expert em comércio exterior, onde foi possível verificar “in loco” toda àquela movimentação das ruas e, como          um bom observador que sou, guardei muitas coisas num cantinho     de minha memória, para um dia escrever em nosso blog para os mais jovens da nossa Manaus.

Quando eu saía da empresa para almoçar, ficava olhando a atuação de alguns camelôs e suas estripulias:

1.   Alguns gritavam bem alto: “Temos fitas cassete TDK, radinhos a pilha, jogos Atari, rádios-relógio, pilhas, baterias                   e brinquedos, tudo importado. Mulher bonita, não paga, mas também não leva!”;

2.   Quando passava uma morena avantajada, uns falavam:        “Eita Capu de Fusca Arrumado, este nasceu e foi criado, sem calcinha, nas águas barrentas do Rio Solimões!”;

3.   Tinha uns caras que andavam com um saco de juta         contendo algumas bolas pequenas de plástico.                       No interior da boca utilizavam um apito que tinha igualmente     o som de um gato miando em desespero. O safado largava       a peia com um pau no saco e assoprava o apito como estivesse maltratando os supostos gatos. A grande maioria dos turistas achava aquilo um horror e parava para pedir:                           “Pelo amor de Deus pare com isto!”, o camelo falava que era apenas um apito e que não existe nenhum gato dentro saco, vendendo na hora um exemplar.

4.   Eles pegavam uma nota de papel moeda, tipo 10 Cruzeiro,         e amaravam a uma linha fina de pescaria.                              Quando passava um sujeito e avistava aquela grana no chão, olhava para um lado e para outro e ao se abaixar para pegar          a nota, o camelô puxava a linha e a negada caia na gargalhada deixando o camarada vermelho e com aquela cara de leso;

5.   Certa vez, um camelô comprou numa loja de importados        um brinquedo tipo Robô, que andava para lá e para cá balançando os braços. Falou e disse que aquele robô iria dar um pulo de vinte metros, dando várias cambalhotas no ar e cairia em pé. Eu e uma multidão ficamos interessados em ver aquilo. O cara era bom de gogó, falava que nem a preta do leite e, nada do robô sair do chão. Quando já tinha “gente saindo pelo ladrão” ao redor do dito robô, o malandro começou a falar       de um remédio milagroso que curava dezenas de doenças, todos compraram, incluindo o abestalhado aqui, o cidadão inventou uma desculpa e “pegou o beco”. Era placebo! Pense.

6.   No meio deles se enturmava “a fina flor da malandragem manauara”. Na época, o desejo de consumo chamava-se      “Vídeocassete Player, Toca-Fitas e Aparelhos de Som”,             o pilantra escolhia a sua presa (geralmente um turista com cara de abestalhado) e falava: - Mano, eu tenho um vídeo cassete de primeira linha, na caixa, vendo pela metade do preço, com nota fiscal e tudo! O olho do camarada arregalava e imaginava que iria ganhar uma montanha de dinheiro em sua cidade origem. Levava o sujeito por várias ruas e parava                   na Rua Marechal Deodoro bem em frente à Galeria Central, pedia uma entrada em grana para ir buscar o produto,             o malandro descia até a Avenida Eduardo Ribeiro e sumia         no mundo, o coitado do cliente deve estar se lamentando até hoje;

7.   O jogo de azar imperava entre eles: Porrinha (sempre ficava um de olho nos palitos que alguns jogadores colocavam nas mãos e fazia gestos para um ganhar a grana dos otários). Sempre era valendo uma grana ou cerveja.                            Tinha, também, a Maria Pretinha. Um manipulava o jogo           e outros dois fingiam serem jogadores que supostamente estariam ganhando muito dinheiro, chamando a atenção         de curiosos. O camarada tinha muita habilidade nas mãos conseguindo trocar as bolinhas para que não tivesse ganhador. Tinha o Golpe da Baluda e do Falso Bilhete. Eram aplicados        nas saídas de bancos, quando a vítima era atraída por um bloco de papel que imitava grandes quantidades em dinheiro.             O outro é a troca de uma quantia em dinheiro da vítima por     um bilhete supostamente premiado;

8.   Quando vendia um produto importado e o cliente perguntava    se havia garantia, eles respondia na maior: “A Garantia soy yo”.

Na primeira administração do Prefeito Arthur Neto, em 1988, ele  mandou “baixar o cacete” nos camelôs. Foi uma perseguição implacável. Muitos anos depois, no segundo mandato de alcaide       de Manaus, tirou uma parte dos camelôs de centro e os recolocou nos chamados em mini shopping populares, para diminuir o peso em sua consciência.  

O tempo passou e tudo mudou, porém, os camelôs continuam         no centro da cidade, agora na qualidade de micros empreendedores.

Acho que a malandragem não existe mais como nos velhos tempos do auge da Zona Franca. Ou continua?

É isso ai.