sábado, 24 de abril de 2021

ZÉ MUNDÃO TIRANDO ONDA COM UM PUMA

Apaixonadíssimo  por  carros,  Zé  perseguia  seu  desejo  de  consumo  –  dirigir  o  conversível  pertencente  a  um  amigo  filhinho  de  papai (pai  rico).  Era  um  puro  sangue  Puma  GTS,  na  cor  vermelho  Ferrari.  O  coitado  babava  quando  via  o  bacana  desfilando  naquela  máquina,  ele  se  imaginava  sentado  naquele banco de couro, dirigindo em companhia de duas gatinhas, passeando pela praia da Ponta Negra. Tudo era apenas  sonho,  pois  o  Zé  não  tinha  dinheiro 

nem  para  colocar  gasosa  suficiente  no  seu  fusquinha,  quanto  mais comprar o carro do amigo que, diga-se de passagem, não estava à venda, visto que o caboclo estava sentado em cima da carne  seca.  Grana  não  era  problema  para  ele,  além  do  mais, mantinha  mais  ciúmes  do  carro  que  de  sua  namorada,  uma  loira gostosa e cheia de dengo. Zé  nem  olhava  para  a  boazuda,  o  negócio  dele  era  o 

Puma.  Era  um  martírio,  pois,  nem  sequer  era  convidado  para dar  uma  volta  pela  cidade,  emprestar,  nem  pensar,  ele  não emprestava  nem  para  o  pai  dele,  imagine  para  o  coitado  do Zé. Num belo dia, a louraça botou um par de chifres no amigo, depois  que  ela  conheceu  um  marmanjo,  dono  de  um  Opala Comorodo  completo,  com  ar,  direção,  vidros  verdes  e  capota  de  vinil.  Enfim,  tinha  enjoado  de  andar  de  Puma,  pode-se  dizer que ela era tremenda Maria gasolina.

O corneado chorava mais que bezerro desmamado, razão pela qual Zé passou uns tempos consolando o amigo, com terceira  intenção,  claro.  Pois  não  estava  nem    para  a  desilusão amorosa, o negócio dele era um dia ainda dirigir o Puma.

Depois de uns tempos, seu amigo esqueceu a loira, mandou  serrar  os  galhos  e  começou  dar  em  cima  da  Rosinha,  prima  do    Mundão.  Uma  morena  cor  de  jambo,  peituda,  com  pernão  e  bundão  arrebitado,  uma  gata  e  tanto,  dizia-se,  tipo violão. O primo já tinha dado uns amasso nela, pois para ele, prima não é parente nem aderente.

  passou  a  intermediar  o  namoro,  antes,  foi  logo  detonando:    Olha  aqui,  gente  boa,  o  negócio  é  o  seguinte:  passo a  conversa  na  minha  prima,  entrego-a  de  bandeja  para  você,  mas,  em  contrapartida,  você  vai  ter  que  me  emprestar  uma vez e outra o Puma!

O amigo deu um pulo e retrucou: – Nem pensar, não empresto meu Puma prá ninguém, tô fora, papai!

Mas o Zé era um cara paciente, tanto que esperou a volta do  anzol.  Seu  amigo  fez  várias  investidas  pra  cima  da  prima,  jogou todo seu charme, convido-a para umas voltas no Puma, tomar  sorvetes  no  Pinguim,  assistir  a  um  filme  no  Studio Center,  almoçar  no  restaurante  Chapéu  de  Palha,  jantar  no  Canto  da  Peixada e,  nada!  Mal  ele  sabia  que  o      tinha  armado  todo  o  circo  com  a  parenta,  pedindo  na  maior  para  ela ignorar  o  cara,  ser  durona,  não  dar  moleza.  A  estratégia  era deixar o marmanjo secar todos os argumentos possíveis e cair novamente nas mãos do primo Zé.

Ele não era chegado a fazer ameaças, mas, por via das dúvidas,  foi  logo  dando  o  recado:    Priminha  do  coração,  segue direitinho  como  eu  mandei,  sabe  como  é... Se  você  mijar  prá trás, eu conto pra titia todas as ondas que você anda aprontando!

Funcionou,  o  bacana  veio  todo  de  mansinho  falar  com o Zé Mundão: – Meu amigo, a tua prima é dura na queda, vou precisar da tua mãozinha, concordo em te emprestar uma vez por ano meu Puma!

Mas  o    ficou  fulo  da  vida,  e  logo  vomitou:    Uma  vez por ano, tá ficando doido, quero emprestado todo final de semana! O bacana foi à loucura: – Pirou de vez, ficou pinel?

Aí o Zé mandou a bala fatal: – É pegar ou largar, o Puma emprestado toda semana, com o tanque até o toco de gasosa, de  minha  parte,  a  prima  no  seu  colo,  pra  você  deitar  e  rolar.  Vai?

Sem chance para o filhinho de papai.

Aí foi graça para o Zé Mundão! O carro, emprestado num sábado à noite, deveria ser devolvido no domingo de manhã, limpo,  lavado  e  sem  nenhum  arranhão.  Promessa  feita,  não  cumprida!  Tão  logo  pegou  na  máquina,    ligou  o  toca-fitas  Roadstar cabeça branca, colocou no volume máximo uma música  dos  Beatles  e  saiu  todo  boçal  pelas  ruas  de  Manaus.  Deu  um  pulo  no  bar  do  Gordo,  onde  olhavam  para  o    e  para  o Puma,  ele  na  maior  cara  de  pau.  Então,  falou  alto  e  em  bom  tom: – Esse é meu e está pago, somente saio nos finais de semana, macho carona não entra nele, nem pagando!

Tomou  duas  doses  de  Montilla  com  gelo,  limão  e  koka, sua  bebida  preferida.  Deu  um  rolê  pela  avenida  Getúlio  Vargas,  estacionou  o  carro  em  frente  ao  Cheik  Club,  sentou  no  capô,  estava  mais  alegre  do  que  pinto  na  beira  da  cerca,  não  precisava  paquerar,  as  gatas  se  ofereciam  para  passear  com  o Zé, ele escolheu duas a dedo, rodou por todos os points de Manaus, ele queria mesmo era aparecer.

Escolhidas  as  minas,  saiu  para  pegar  um  vento  na  testa,  pegou a estrada do Tarumã e parou num balneário, conhecido por Cachoeira  das  almas.  O  local,  de  difícil  acesso,  tinha  lama  até o talo, por isso, o Puma começou a ficar sujo, mas o motorista  não  estava  nem  aí,  queria  mesmo  era  levar  as  gatinhas para  tomar  banho  num  igarapé  de  águas  cristalinas.  Lá,  as  beldades ficaram somente de calcinha e sutiã, e o Zé, na maior onda com elas.

Nova  etapa  da  esbórnia,  uma  volta  pela  praia  da  Ponta  Negra; nessa altura do campeonato, o carro já estava todo enlameado,  molhado  e  repleto  de  areia  e  barro.  Numa  encruzilhada próxima, havia um pessoal fazendo um despacho de macumba, uma das beldades pediu uma parada do carro. Então, ela foi até onde acontecia o ritual, e aí o bicho pegou para o Zé

Mundão, pois a garota começou a pegar santo, tendo se enrolado pelo chão, mudado a voz, enfim, ficado toda ralada.

Um  adepto  veio  até  o    para  reclamar  da  intrusa:    Boa noite,  o  senhor,  por  favor,  leve  sua  amiga  de  volta,  ela  está  atrapalhando  nosso  serviço,  pois  a  linha  dela  não  é  igual  a nossa.  O  Zé,  sempre  gaiato,  retrucou:    Deixa  comigo,  fui!  Ao  entrar, a gata sujou de sangue o banco do carro.

Rumou,  então,  para  a  prainha  da  Ponta  Negra,  um  dos points dos jovens. Após um banho na beldade que estava suja e  ralada,  deixou-a  em  standbay,  enquanto  a  outra  foi  para  o  abate.

O dia já estava amanhecendo, quando Zé resolveu ainda dar  um  pulo  na  cachoeira  do  Tarumã.  Ainda  madrugada,  tomaram  banho  pelados  até  o  sol  raiar.    Ao  sair,  contudo,  o    engatou a ré no carro e bateu levemente num tronco de madeira.  Retornando,  tomaram  café  regional  no  Café  da  Loura,  em  seguida, Zé deixou as gatas em casa delas e foi dormir, afinal, ninguém é de ferro Meio dia de domingo, e o herói foi acordado à força. Era seu  amigo:    Zé,  filho  da  baraga,  tu  nunca  mais  vai  pegar  no meu carro, ele tá todo sujo de lama, barro e sangue e tá amassado na traseira!

O  cara  ainda  dormindo,  falou:    Mil  desculpas,  parceiro, deixa que eu vou dar um banho nele, passo até esmeril e cera no  bicho,  vai  ficar  novinho  em  folha,  na  segunda,  mando  desamassar a belezura! Tudo bem?

O  amigo,  todavia,  estava  possesso:    Negativo,  vou  levar  agorinha  o  meu  Puma.  Outra  coisa,  aquela  tua  prima  é  a maior fuleiragem, tô fora!

Dessa forma, acabou o sonho de consumo do Zé Mundão, nunca  mais  teve  a  oportunidade  de  dirigir  aquele  carro,  carro  que  fez  história  no  Brasil,  criado  no  início  da  década  de  60 por  um  grupo  de  aficionados  pelo  automobilismo,  liderado pelo  Rino  Malzoni.  Tratava-se de  um  cupê  esportivo  de  vidro,  lembrando  muito  a  Ferrari  250  GTO  da  época,  daí  o  Puminha ser desejado, pois tinha um desenho espetacular, com beleza, agressividade e aerodinâmica, além de ótima dirigibilidade.