O Zé Mundão teve uma
oportunidade ímpar em conhecer lugares mais distantes – saiu pela primeira vez
da Amazônia, pegou um avião no Aeroporto Eduardo Gomes e, seguiu para o Rio
de Janeiro, com escala em Brasília, era a sua primeira viagem a
aquela cidade querida e admirada pelos brasileiros e, em especial, pelos
manauaras.
Antes de pouso e,
sobrevoando o Rio, lembrou-se daquela musica genial do Tom Jobim, a famosa
“Samba do Avião” – “Minha alma canta/Vejo o Rio de Janeiro/Estou morrendo de saudades/Rio, seu mar/Praia sem fim...
O Aeroporto
do Galeão (depois,Tom Jobim), na Ilha do Governador, tinha acabado
de ser inaugurado, estava novinho em folha
Passou alguns dias no
apartamento de uns amigos da sua família, a Norma, Betinha, Dona Antonina, Titá
e Miroco - no pé do Morro de Santa Tereza, onde teve a felicidade ímpar de
rever os seus amigos amazonenses que estavam morando por lá fazia alguns anos.
Fez os primeiros passeios
pela cidade, com a companhia do seu conterrâneo, o Miroco – conheceu
algumas ruas do centro, visitou a Central do Brasil; andou em um trem,
conhecido como “Trem Japonês”; passou pela Igreja da Penha,
situada num penhasco, no Largo da Penha.
No dia seguinte, foi
sozinho, conhecer o Cristo Redentor, no Morro do Corcovado – pegou
um bondinho, depois, um ônibus, quando chegou lá, a linha férrea do Cosme Velho
estava em manutenção, não ficou desanimado, se entrosou com um grupo de jovens
e, seguiram a pé até o mirante da estátua.
Gostava de passear pela
Praça 15, um lugar histórico da cidade, vez e outra, pegava a
barca Rio/Niterói e,
ficava naquela cidade curtindo as suas praias. Certa vez, foi mais longe, pegou
um ônibus até o Santuário Porto das Caixas, em Itaboraí, onde
rezou e fez uma promessa – efetuou algumas compras, incluindo um imenso
crucifixo de madeira para presentear a sua mãe.
Depois de algum tempo, o
seu irmão, o Zé Pacú, veio de São Paulo e, foram morar no
apartamento de outra
família de amazonenses: Senhor Carlito, Dona Nazaré, Jordan, Mário, Marcos,
Junior, Dora e Carlinho, no centro da cidade.
Na realidade, o Zé Mundão
não foi ao Rio para fazer turismo, mas, a procura de um tratamento para uma
otite média perfurada, em decorrência dos pulos da Ponte Romana I e dos banhos
diários no Igarapé de Manaus.
Ficou revoltado com os
primeiros atendimentos médicos naquela cidade e, desabafou numa conversa
telefônica com os familiares de Manaus:
– Fiz uma consulta com um
médico otorrino, ele me aconselhou na maior cara de pau a voltar para a minha
taba, pois, segundo ele, o meu caso não tinha jeito. Não desisti, procurei
outro médico, o segundo, achou que o meu problema era em decorrência da inflamação
da minha amídala, fui hospitalizado e detonaram a do lado esquerdo – não tinha
nada ver, pois continuo com o mesmo problema! Depois, fui a uma clinica muito conceituada
aqui no Rio, a do Professor Kós, eles fizeram uma bateria de exames e me
aconselharam fazer uma urgente cirurgia no ouvido, terei que voltar a Manaus
para
conseguir verba suficiente
e retornar ao Rio para fazer a tal cirurgia. Mesmo assim, ainda vou dar um
tempo por aqui.
O local onde o Zé Mundão
morava no centro era considerado a rua onde o “Jogo do Bicho” corria
mais solto no Rio - ele ficava olhando da janela do seu apartamento toda aquela
movimentação – inclusive, fez amizade com o “olheiro”, um sujeito que
ficava com um olho na banca e a outra na polícia, mas, todo dia ele era preso
e, solto no mesmo dia, a peso de muita grana.
Tinha por lá um mendigo que
morava dentro de uma Kombi velha, aos domingos reunia a rapaziada da rua
para jogar “Placa de Carro” (faziam uma linha na rua e cada um apostava
nos números de zero a nove, o final da placa que passasse por lá era quem
ganhava a grana dos outros), o “kombeiro” ganhava todas, deixando sempre
o Zé Mundão liso!
O outro morador de rua era
um sujeito conhecido por “Galo”, ele tinha um vozeirão e quando tomava
todas, gostava de soltar a voz somente ao amanhecer, acordando todos os
moradores com a sua poderosa voz, o apelido dele foi em decorrência desse hábito
- o Zé não gostava nem um pouco, pois dormia tarde da noite e, gostava de dormir
um pouco mais pela manhã, mas, o Galo não deixava.
Quase todos os seus
conterrâneos trabalhavam – o Zé Mundão não fazia nada, graças a uma ajuda
financeira que todo mês caia na sua conta bancária, depositada por familiares -
aproveitava a sua estada para conhecer a cidade e a sua gente.
Certo dia ficou olhando os
aposentados jogarem carteado, na Praça da Cruz Vermelha, em frente ao Hospital
do Câncer – entrou no jogo, somente levantando quando ficou liso, indo
embora toda a grana que tinha retirado do banco.
Pela parte noite falou com
o seu irmão:
- Mano, hoje, fiz a maior
besteira, entrei num jogo de cartas com uma velharada que fica o dia todo na
praça, pensava que ia ganhar deles, pura enganação, os caras são viciados e
acho que usam cartas marcadas para ganhar dos otários que nem eu!
O seu irmão, o Zé Pacú, com
cinco anos de praia no Rio, deu o conselho:
- Poxa, esqueci-me de falar
para você não entrar em nenhum jogo por aqui, pois é tudo malandragem, tudo
combinado, passa bem longe deles, nada de placa de carros, jogo do bicho,
carteado nas ruas, nem jogo de dados nas barcaças!
Os conterrâneos do Zé
falavam o “carioquês”, muita gíria, usavam roupas da moda carioca e,
ele, falava somente o “amazonês” e não estava nem ai para a moda.
Os seus amigos o policiavam
para não dar bobeira nem vacilada, para não ser chamado de Zé Mané ou Paraíba,
mas, por falar “pelos cotovelos”, não tinha jeito, era uma mancada atrás
da outra!
Numa sexta-feira à noite,
foram passear em Ipanema, ao pararem em uma lanchonete, o Zé Mundão saiu com a
seguinte pérola que matou de vergonha os seus colegas:
- Mano, prepara rapidinho
prá mim um Kikão e um suco parrudão de cupuaçu que estou brocadão!
- Cumo é qui é, gente fina?
– o garçom
questionou, pois não entendeu nada.
Foi o suficiente para os
seus amigos manauaras saírem em debandada, deixando o Zé Mundão falando
sozinho!
O Zé sempre respeitava o
modo de ser do carioca, porém, não permitia que alguém tentasse mudar o seu
comportamento de caboclo baré.
Num domingo ensolarado
foram à praia – a onda era pegar o ônibus, descalços, de sunga, sem camisa, com
uma toalha nos ombros.
Os seus amigos ficavam
chateados com o Zé, pois ele não se trajava de forma alguma
daquele jeito - todos se
comportavam igual aos cariocas, enquanto ele calçava tênis com soquete, vestia
bermudão e camisa tipo polo, além de ficar falando alto um monte de besteiras
dentro do ônibus!
Com o passar do tempo, foi
fazendo muitas amizades, começou a assimilar o jeito carioca de ser, já estava
perdendo o seu jeitão de caboclo da Amazônia e, aprendendo a falar o carioquês,
gírias e se vestindo conforme a moda, mas, estava chegando a hora de voltar para
a sua terrinha, caso tivesse ficado mais um pouco por lá teria perdido a sua
identidade cultural.
Fizeram um bota fora para o
Zé Mundão, a despedida foi num boteco da rua em que morava, os seus amigos
cariocas já estavam acostumados com ele e lamentavam muito a sua partida. Fez
um brinde e um pequeno discurso:
- Volto para a minha cidade
com o coração partido, vou guardar para sempre as lembranças do Rio, dos
lugares fantásticos que conheci, das lindas praias e da alegria contagiante dos
cariocas. Não dou muita atenção ao noticiário que mostra somente a violência
que acontece aqui – a mesma coisa é com relação à Amazônia, somente somos
notícia na mídia , quando um barco vai a
pique, com dezenas mortes ou quando o assunto é desmatamento e grandes enchentes
e vazantes. O que acontece de bom no Rio e em Manaus não é muito mostrado, pois
não dá ibope!
Qualquer um dia desses irei
voltar, para matar a saudade de vocês, do Maracanã, da Igreja da Candelária,
dos Arcos da Lapa e dos Bondinhos, da Biblioteca Nacional, do Teatro Municipal,
da Quinta da Boavista, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Aterro do Flamengo, das
praias de Ipanema, Prainha, Vermelha e de Copacabana, do Cristo Redentor e do
Pão de Açúcar. Um brinde para os meus amigos manauaras e cariocas!
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