Fiquei sabendo através do
meu amigo José Luiz Silva, Diretor da Via Conta Serviços Contábeis, que o atual
Presidente do Luso Sporting Club, o Flávio Vilhena,
pretende viabilizar o retorno, em 2017, das Pastorinhas do Luso, em comemoração
aos cem anos daquela peça teatral.
O Luso Sporting Club é uma agremiação de
portugueses, fundada em 1912 (na Rua Saldanha Marinho), localizada na esquina das ruas Monsenhor Coutinho
e Tapajós, centro antigo de Manaus - um bonito casarão remanescente da Belle
Époque - pertencia ao seu fundador, o comerciante português Francisco Gomes
Rodrigues (segundo os historiadores, foi destruído por uma grande incêndio e, o atual, foi reconstruído em 1936).
Era de caráter desportivo, disputando o
futebol amador manauara, no Parque Amazonense, encerrando a sua participação
futebolística em 1934, passando. doravante, a exercer somente atividades sociais para os
portugueses radicados em Manaus.
Em 1917, iniciou uma
atividade teatral, conhecidas como “As Pastorinhas do Luso”, uma encenação
representando o Auto do Natal, iniciava em dezembro e ia até março do ano seguinte.
No início da minha
adolescência, fui morar na Baixada da Vila Paraíso, entre a Avenida Getúlio
Vargas e Rua Tapajós, onde tive a oportunidade de frequentar, regularmente, o
Teatro Amazonas, Teatro Juvenil e Luso Club.
Não tinha a menor vocação
para a encenação teatral, mas, fazia parte dos bastidores das “Pastorinhas do
Luso”, na qualidade de ajudante do “Cão do Luso”, fazendo um trabalho pesado,
apesar de ser franzino.
Ajudava
na alavanca que impulsionava os capetas na saída de alçapão para entrarem em
cena – além de colaborar com o enchimento de um cachimbão com pólvoras, onde
eram jogados labaredas (língua de fogo) e, também, batendo nos pratos de
bateria – era o momento mágico e aterrorizante para o público infantil, que se
assustava e se abraçava fortemente nos braços de seus pais.
Segundo o livro “Manaus (1944-1968). Selda Vale da Costa e
Ediney Azancoth. – Manaus: Editora Valer/Governo do Amazonas, 2001”, em
agosto de 1917 o Teatro do Luso já apresentava as famosas “Pastorinhas”,
inclusive, construíram uma escola chamada “João de Deus”, onde era formada a
maioria dos artistas.
Um Folheto Informativo
denominado “Movimento Luso 2000, lançado em 1997, publicado no citado livro,
fazia o seguinte comentário:
” As
Pastorinhas, ou Auto do Natal, do Luso, tomava conta do sentimento da cidade.
Não havia uma só família que não levasse suas crianças para assistirem ao
espetáculo. O anúncio das Pastorinhas era feito pelas próprias personagens que
desfilavam pela pacata cidade em cima de um velho caminhão, todo enfeitado,
como se fora um palco. As batidas dos pratos de metal despertavam atenção e
alvoraçaram a população, mas a personagem que mais se destacava era Lúcifer. O
famoso Cão do Luso, todo vermelho, com enorme garfo preto, fez muita criança
correr em disparada buscando abrigo no colo dos adultos. Metia medo e sedução”.
Existiam vários atos, porém,
o que mais me chamava à atenção era os que tinham a participação do Cão do
Luso, por ser a parte mais divertida e aterrorizante!
Dois deles eram assim
(conforme o livro da Selda e do Ediney):
A
pastora perdida e Lusbel (o Cão do Luso).
A
cena representava uma floresta fechada. O Diabo surge do alçapão numa
gargalhada satânica.
LUSBEL – Há... Há...
Há... Eis-me novamente em campo, prosseguindo no meu intento de em tudo
contrariar esse Deus. (Grita para dentro do alçapão): Trinca Ferro!
TRINCA-FERRO (saltando) Pronto!
Que ordenais?
LUSBEL – Come-Fogo!
COME-FOGO (saltando):
Aqui estou!
LUSBEL – Feiticeiro!
FEITICEIRO – Hi... Hi... Hi...
LUSBEL – Gigantes-das-Trevas Que é
isto? Estais amarelo?
TODOS – Nós, amarelos? Nunca!
LUSBEL – Nada de vacilações!
LUSBEL (canta):
No meu reino sou invencível
Lutarei até vencer
Contra Deus e contra tudo,
Far-me-ei obedecer.
TODOS (coro):
Não temer nem recuar.
O inferno nos protege
Em tudo vamos ganhar
LUSBEL:
Do inferno imperador
De minha grei rodeado
Serei sempre insubmisso
Mas não serei humilhado
(Ouve-se ao longe o canto da Pastora
Perdida. Os diabos escutam, ocultando-se em seguida)
PASTORA PERDIDA:
Perdida eu vivo nesta solidão
Entregue somente às leis desta sorte
É minha sina. Ó, Deus, tem compaixão
Dá-me forças precisas para enfrentar a
morte
Deus do Céu, enviai, por amor de Maria
Um anjo celeste e protetor, que me
sirva de guia.
LUSBEL:
Pastora perdida, eu te guiarei
Por lindas estradas
Que meu reino tem
Se queres ser rainha
Diz-me que és minha
Possuo riqueza, sou homem de bem
PASTORA PERDIDA:
Não quero riqueza, nem tua bondade
Quero o meu pastor
Da minha igualdade. Vivo na pobreza
Abandono a riqueza
Eu só queria um guia
Que tivesse piedade.
LUSBEL:
Pois já que me recursas e me fazes
sofrer, no reino do inferno tu vais padecer (chamando os infernais):
- Infernais! Amarrem-na e levem-na
para o meu reinado para alegrar o nosso festim de hoje. Há... Há... Há...
(Desaparece no alçapão).
PASTORA PERDIDA:
- Valei-me, São Miguel!
(São Miguel aparece de espada em
punho)
SÃO MIGUEL – Para trás, espíritos
infernais
(São Miguel derrota os diabos e castiga
Lusbel)
SÃO MIGUEL – A Cruz Divina quebrará o
teu poder e te obrigará a rogar-te no chão (mostra a cruz)...
Agora, sobe ao teu trono para seres
castigado e seres transformado em dragão.
As Pastorinhas ficaram em
cena por cinquenta anos, os demônios eram encenados pelos portugueses (um deles,
foi o José Azevedo, dono das lojas TV Lar), deveria ser muito engraçado a interpretação
do “Cão do Luso” com sotaque lusitano - na minha época, todos os atores e
atrizes eram brasileiros, dentre eles, o Lapinha e o Lapão (Belisca Lua), o Chaquinha,
Walder e Batoré (Soldados Romanos) – esses eram meus vizinhos, além da Nossa
Senhora, uma linda atriz que morava no bairro da Matinha.
Todos os atuais
sexagenários que moravam nas proximidades do Luso Club, lembram-se daquele
momento bonito e marcante - quando encontro com o meu irmão Rocha Filho e os
amigos Julinho da Receita, Delfim, Sacy da Pareca, Faraó, dentre outros, sempre
lembramos com carinho, respeito e saudade das Pastorinhas do Luso!
Ficarei na expectativa pela
volta da peça teatral, pois além de poder frequentar o clube da minha
adolescência, levarei os meus netos para assistiram as Pastorinhas do Luso. É
isso ai.
Obs. Para conhecer mais
sobre as pastorinhas, os interessados devem ler a Dissertação de Mestrado, da
Elma Nascimento de Souza:
Nenhum comentário:
Postar um comentário