REDE DE DORMIR
A nossa família era constituída pelo papai, mamãe, vovó, duas irmãs e três irmãos. Com exceção dos meus pais, que utilizam a cama de casal, todos os outros usavam a rede de dormir.
Deixei de usá-la somente quando casei, após a separação, voltei para a rede!
Este é um hábito comum na região norte, faz parte da nossa cultura. Na nossa adolescência era comum entre a rapaziada o desejo de conhecer o Rio de Janeiro; quando alguém conseguia viajar pela primeira vez de avião, existia sempre aquela gozação:
- Não adianta levar a rede, pois no avião não existe armador!
Lembro muito bem quando os mais velhos falavam:
– Além da mulher, a coisa melhor do mundo é a zoada da chuva no telhado de zinco, se embalar e coçar a frieira no punho da rede!
Tive um vizinho no Conjunto dos Jornalistas que, certo dia me revelou:
– Ainda não deixei o hábito de usar a rede de dormir, mesmo após o casamento; ato a dita cuja bem cima da cama da mulher, somente desço para ir ao banheiro e dar uma “lamparinada” na velha, depois subo para dormir! É mole! Mas Sobe!
Eis a história da rede:
"A hamaca, sendo rede é um invento dos indígenas da América do Sul, cujo nome de origem é denominada pelos indígenas do Brasil de ini. A palavra rede foi empregada pela primeira vez pelo escrivão da frota de Pedro Alvares Cabral — Pero Vaz de Caminha, em carta à Portugal, onde descrevendo a povoação dos Tupiniquins, seus hábitos e costumes, relata a maneira de dormir, daqueles indígenas: "Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam". E foram as mulheres dos colonos portugueses que adaptaram a técnica indígena, substituíram o tucum pelo algodão (para render em um tecido mais compacto) e aplicaram varandas e franjas ornamentais. Sua difusão no Nordeste teve a colaboração ativa dos sacerdotes que, espalhando a técnica dos adventícios e entre as gerações que se sucederam tornaram hereditários o artesanato. A rede indígena é tecida em cipó e lianas; as mulheres dos colonos portugueses adaptaram a técnica indígena, passando a fazer redes em tecido compacto e com varandas e franjas ornamentais. A rede durante o Brasil Colônia, foi utilizada também como meio de transporte, sendo nelas, carregados por escravos, os colonos e suas famílias em passeios pela cidade e viagens. O folclorista nordestino Luís da Câmara Cascudo no seu ensaio "Rêde-de-Dormir" faz uma apologia a esta peça domésticas integrante da vida cotidiana das gentes do Norte e Nordeste brasileiros, comparando-a com o leito, e enaltecendo as vantagens da rede: "O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-se nêle, procurando o repouso numa sucessão de posições. A rêde toma o nosso feito, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia a forma do nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rêde é acolhedora, compreensiva, coleante, acompanha, tépida e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossêgo. Desloca-se, encessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. Entre ela e a cama, há a distância da solidariedade à resignação". O legado indígena, no que se refere a artefatos, foi de suma importância para a sobrevivência da sociedade brasileira nos primeiros anos do descobrimento e durante toda a época colonial. A bibliografia é bastante vasta a este respeito, mas nada melhor do que transcrever um trecho da obra de Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, quando o autor revela a importância da rede na capitania de São Paulo no século dezesseis até hoje: "Ao visitar pela Segunda vez a capitania de São Paulo, tendo entrado pelo Registro da Mantiqueira, Saint-Hilaire impressionou-se com a presença de redes de dormir ou descansar em quase todas as habitações que orlavam o caminho. O apego a esse móvel (...) pareceu-lhe dos característicos notáveis da gente paulista, denunciando pronunciada influência dos índios outrora numerosos na região.(...) É sabido que o europeu recém-chegado ao Brasil aceitou o costume indígena sem relutância, e há razão para crer que, nos primeiros tempos, esses leitos maneáveis e portáteis constituiriam objeto de ativo intercâmbio com os naturais da terra.(...) Com as peças de serviço gentio da terra - tamoio, tupinaen, carijó... - introduziram-se também, nas casa paulistas, as cunhãs tecedeiras. E, com elas, os teares de tecer rede, onde a tradição indígena, pouco modificada neste caso, pela influência das técnicas adventícias, tem permanecido até nossos dias.(...) A importância que a rede assume para nossa população colonial prende-se, de algum modo, à própria modalidade dessa população. Em contraste com a cama e mesmo com o simples catre de madeira, trastes sedentários por natureza, e que simbolizam o repouso e a reclusão doméstica, ela pertence tanto ao recesso do lar quanto ao tumulto da praça pública, à morada da vila como ao sertão remoto e rude.(...) O fato é que as redes - redes de dormir ou de transportar - são peças obrigatórias em todos os antigos inventários feitos no sertão".Curioso observar que a rede copiada pelos europeus do século XVI seguiu padrões planos, tal como as camas onde se dorme no sentido do comprimento. na rede indígena, ao contrário, deita-se na diagonal. a rede deve ser frouxamente atada, para nela podermos deitar como se estivéssemos em uma suave bacia com a forma e tamanho do corpo. As linhas longitudinais da rede indígena têm o mesmo comprimento de punho a punho. Quando atamos a rede de maneira frouxa, determinamos uma elipse e uma elipsóide. Quando sentamos no meio da faixa mediana, fixaremos com o nosso peso, aquela faixa que terá a largura de nosso traseiro. Em seguida, se quisermos deitarmos na rede, isso só poderá ser feito com as pernas inclinadas para cima. Mas os dois lados da rede ainda estarão livres. Podemos então deslizar as pernas para um lado e o tórax para o outro, até alcançarmos com todo o corpo a superfície da elipsóide. A direção de repouso entre a crista central e a parede lateral da elipsóide forma um ângulo de aproximadamente 30 graus com relação ao plano vertical dos punhos. Em 1492 e nos anos seguintes os primeiros europeus na América tropical ficaram admirados com o costume indígena de dormir em redes suspensas. Antes da viagem de Colombo, a rede de dormir era desconhecida fora da América, onde reinava desde o México e das ilhas do Caribe até o Sul do Brasil e o Paraguai, da Colômbia a Pernambuco. No século XVI os europeus tiveram a idéia de usar rede de pesacar ou pedaço de lona para dormir, sem levar a sério as instruções práticas de uso e sem antender a qualquer princípio físico. Pensando em dormir no sentido do comprimento, começaram a efetuar os chamados melhoramentos. Muito antes de a palavra aruak humaca transformar-se, por uso popular, na palavra holandesa hangmat (esteira suspensa) ou na alemã Hangematte, a rede indígena oi deformada em esteira esticada, no sentido do comprimento, com as cordas de atar, e no sentido da largura, por duas traves de madeira. Nos navios europeus - e os armadores haviam descoberto que cabiam mais marinheiros por metro cúbico quando estes dormiam em redes - tentou-se de novo melhorar as redes sem resultado, pois ninguém teve a idéia de voltar ao modelo original em tudo superior. A rede de dormir jamais se popularizou nos outros continentes porque o modelo exportado foi o europeu. Na Àfrica levadas pelo português, as redes foram usadas apenas como macas, transportando pessoas doentes, ou durante a sesta. Á noite continuava-se a dormir em esteiras no chão duro, ao alcance de formigas, ratos e cobras. Câmara Cascudo nos dá mais detalhes: A rede dos Bakairi é feita de malhas bastante grossas e tem a forma de um retângulo comprido (2 1/3 m x 1 ¼ m). As linhas longitudinais são atravessadas, com intervalos irregulares (entre 2 e 3,5 cm) pelas transversais; nas malhas pode-se facilmente enfiar o dedo. O tecido é muito simples. Dois fios longitudinais, mas finos, de 1mm de espessura. Deste, em número de quatro, dois correm, ondulados, na frente dos longitudinais, e dois atrás dos mesmos, entre os quais se cruzam. De ambos os lados faz-se um nó com as extremidades dos fios transversais; assim encontram-se, em cada um dos lados compridos, uns 70 nós, feitos com as quatro pontas de fio. O laço que fica livre em cada toco, é enrolado, no meio, por um fio, de maneira a deixar de um lado uma colcheta para receber os cordões com que se pendura a rede. Do outro lado partem, deste ponto fixo – divergindo para a rede, quando esta é armada – os fios longitudinais ainda não cruzados pelos fios da trama numa extensão de 30 a 35 cm.Além desta rede típica, de algodão, existe outra, na qual os cadilhos são formados de cordel de fibra de buriti (Mauritia vinifera, Mart) e os fios da trama são de algodão. Estes fios transversais de algodão são às vezes muito escassos; os Mehinaku deixavam entre eles uma distância de dez a vinte centímetros. As redes de buriti são usadas sobretudo pelas tribos nu-aruak. Os Bakairi mansos do Paratinga também as possuíam; disseram-me que só foram introduzidas entre eles pelo velho Caetano, cacique da aldeia. As redes de fibra de palmeira tinham geralmente comprimento igual ou pouco maior (até 2 ¾ m) que as de algodão, mas uma largura inferior a um metro, de modo que quase não era possível nelas a posição diagonal cômoda, que, com razão, o brasileiro gosta de tomar.Uma terceira modalidade resultava de um emprego mais abundante do algodão. Vimos entre os Auetö todos os graus intermediários entre 6-7 cm, até 1-2 ou mesmo ½ cm de distância entre os fios transversais do algodão. Teciam-nas, finalmente, de modo a ficarem os fios de algodão tão juntos um do outro que encobrissem totalmente a fibra de tucum, constituindo um pano quase tão compacto quanto a lona. Nesse tecido a fibra longitudinal de tucum, com uma largura aproximada de 1,5 mm, era envolvida por dois pares de fios transversais de algodão os quais, entre aquela e o seguinte fio longitudinal, se cruzavam não uma, mas duas vezes. Os lados compridos da rede eram naturalmente orlados de grande número de nós próximos um do outro. Nos quatro cantos as extremidades das madeiras se prolongavam um pouco, terminando em borla. Muitas vezes observam-se nesses tecidos, listas transversais azul-pretas, obtidas, de 40 em 40 cm pela aplicação de algodão tinto. Aliás, todas as redes eram de cor parda. Tanto a de algodão como a de fibra de palmeira, que já por natureza é pardo-clara, tomavam uma cor parda suja pelo contato com o corpo ungido com o vermelho do urucum. As redes de algodão puro constituíam uma especialidade dos Bakairi; também eles já possuíam no Kulisehu, redes de buriti. O pano mais consistente era fabricado pelos Auetö. Eram singulares as redes que os Nahuquá tinham para crianças de pouca idade; consistiam simplesmente num feixe de palha amarrado nas duas extremidades.Essas formas muito variadas de redes estavam em vias de se uniformizarem. Entre os Suyá dominava ainda o antigo costume dos Gê, i. É., dormiam em grandes esteiras de folhas de palmeira; na época da nossa visita estavam começando a adotar a rede; tinham alguns exemplares e também já as fabricavam. Talvez a arte de tecê-las lhes tivesse sido transmitida pelas mulheres trumai que as possuíam. Já depois da viagem de 1884 chamei a atenção para o paralelismo existente entre a região do Xingu e a das Guianas, dizendo que tanto lá como aqui a rede de algodão parecia de origem caraíba, sendo proveniente dos Nuaruaque a de fibra de palmeira. Lembrei também que a essa concordância etnográfica corresponde exatamente a lingüística. Em ambos os casos a técnica nasce da arte de trançar, o que difere é só o material. Os mais atrasados eram os Bakairi, que não possuíam o tecido em forma de pano. Também é notável o fato de que os torçais destes, embora preenchessem completamente o seu fim, eram de confecção menos artística que os das outras tribos. Podia-se observar uma técnica dirigida em igual sentido numa espécie de esteira-crivo. As hastes eram envolvidas, mais ou menos cerradamente, com o fio de algodão, de modo a se obterem esteiras consistentes e rígidas, mas ao mesmo tempo muito movediças, entre as quais se compensava a massa de mandioca para espremer o líquido. Vimos também pedaços de pano empregados para o mesmo fim.
A nossa família era constituída pelo papai, mamãe, vovó, duas irmãs e três irmãos. Com exceção dos meus pais, que utilizam a cama de casal, todos os outros usavam a rede de dormir.
Deixei de usá-la somente quando casei, após a separação, voltei para a rede!
Este é um hábito comum na região norte, faz parte da nossa cultura. Na nossa adolescência era comum entre a rapaziada o desejo de conhecer o Rio de Janeiro; quando alguém conseguia viajar pela primeira vez de avião, existia sempre aquela gozação:
- Não adianta levar a rede, pois no avião não existe armador!
Lembro muito bem quando os mais velhos falavam:
– Além da mulher, a coisa melhor do mundo é a zoada da chuva no telhado de zinco, se embalar e coçar a frieira no punho da rede!
Tive um vizinho no Conjunto dos Jornalistas que, certo dia me revelou:
– Ainda não deixei o hábito de usar a rede de dormir, mesmo após o casamento; ato a dita cuja bem cima da cama da mulher, somente desço para ir ao banheiro e dar uma “lamparinada” na velha, depois subo para dormir! É mole! Mas Sobe!
Eis a história da rede:
"A hamaca, sendo rede é um invento dos indígenas da América do Sul, cujo nome de origem é denominada pelos indígenas do Brasil de ini. A palavra rede foi empregada pela primeira vez pelo escrivão da frota de Pedro Alvares Cabral — Pero Vaz de Caminha, em carta à Portugal, onde descrevendo a povoação dos Tupiniquins, seus hábitos e costumes, relata a maneira de dormir, daqueles indígenas: "Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam". E foram as mulheres dos colonos portugueses que adaptaram a técnica indígena, substituíram o tucum pelo algodão (para render em um tecido mais compacto) e aplicaram varandas e franjas ornamentais. Sua difusão no Nordeste teve a colaboração ativa dos sacerdotes que, espalhando a técnica dos adventícios e entre as gerações que se sucederam tornaram hereditários o artesanato. A rede indígena é tecida em cipó e lianas; as mulheres dos colonos portugueses adaptaram a técnica indígena, passando a fazer redes em tecido compacto e com varandas e franjas ornamentais. A rede durante o Brasil Colônia, foi utilizada também como meio de transporte, sendo nelas, carregados por escravos, os colonos e suas famílias em passeios pela cidade e viagens. O folclorista nordestino Luís da Câmara Cascudo no seu ensaio "Rêde-de-Dormir" faz uma apologia a esta peça domésticas integrante da vida cotidiana das gentes do Norte e Nordeste brasileiros, comparando-a com o leito, e enaltecendo as vantagens da rede: "O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-se nêle, procurando o repouso numa sucessão de posições. A rêde toma o nosso feito, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia a forma do nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rêde é acolhedora, compreensiva, coleante, acompanha, tépida e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossêgo. Desloca-se, encessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. Entre ela e a cama, há a distância da solidariedade à resignação". O legado indígena, no que se refere a artefatos, foi de suma importância para a sobrevivência da sociedade brasileira nos primeiros anos do descobrimento e durante toda a época colonial. A bibliografia é bastante vasta a este respeito, mas nada melhor do que transcrever um trecho da obra de Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, quando o autor revela a importância da rede na capitania de São Paulo no século dezesseis até hoje: "Ao visitar pela Segunda vez a capitania de São Paulo, tendo entrado pelo Registro da Mantiqueira, Saint-Hilaire impressionou-se com a presença de redes de dormir ou descansar em quase todas as habitações que orlavam o caminho. O apego a esse móvel (...) pareceu-lhe dos característicos notáveis da gente paulista, denunciando pronunciada influência dos índios outrora numerosos na região.(...) É sabido que o europeu recém-chegado ao Brasil aceitou o costume indígena sem relutância, e há razão para crer que, nos primeiros tempos, esses leitos maneáveis e portáteis constituiriam objeto de ativo intercâmbio com os naturais da terra.(...) Com as peças de serviço gentio da terra - tamoio, tupinaen, carijó... - introduziram-se também, nas casa paulistas, as cunhãs tecedeiras. E, com elas, os teares de tecer rede, onde a tradição indígena, pouco modificada neste caso, pela influência das técnicas adventícias, tem permanecido até nossos dias.(...) A importância que a rede assume para nossa população colonial prende-se, de algum modo, à própria modalidade dessa população. Em contraste com a cama e mesmo com o simples catre de madeira, trastes sedentários por natureza, e que simbolizam o repouso e a reclusão doméstica, ela pertence tanto ao recesso do lar quanto ao tumulto da praça pública, à morada da vila como ao sertão remoto e rude.(...) O fato é que as redes - redes de dormir ou de transportar - são peças obrigatórias em todos os antigos inventários feitos no sertão".Curioso observar que a rede copiada pelos europeus do século XVI seguiu padrões planos, tal como as camas onde se dorme no sentido do comprimento. na rede indígena, ao contrário, deita-se na diagonal. a rede deve ser frouxamente atada, para nela podermos deitar como se estivéssemos em uma suave bacia com a forma e tamanho do corpo. As linhas longitudinais da rede indígena têm o mesmo comprimento de punho a punho. Quando atamos a rede de maneira frouxa, determinamos uma elipse e uma elipsóide. Quando sentamos no meio da faixa mediana, fixaremos com o nosso peso, aquela faixa que terá a largura de nosso traseiro. Em seguida, se quisermos deitarmos na rede, isso só poderá ser feito com as pernas inclinadas para cima. Mas os dois lados da rede ainda estarão livres. Podemos então deslizar as pernas para um lado e o tórax para o outro, até alcançarmos com todo o corpo a superfície da elipsóide. A direção de repouso entre a crista central e a parede lateral da elipsóide forma um ângulo de aproximadamente 30 graus com relação ao plano vertical dos punhos. Em 1492 e nos anos seguintes os primeiros europeus na América tropical ficaram admirados com o costume indígena de dormir em redes suspensas. Antes da viagem de Colombo, a rede de dormir era desconhecida fora da América, onde reinava desde o México e das ilhas do Caribe até o Sul do Brasil e o Paraguai, da Colômbia a Pernambuco. No século XVI os europeus tiveram a idéia de usar rede de pesacar ou pedaço de lona para dormir, sem levar a sério as instruções práticas de uso e sem antender a qualquer princípio físico. Pensando em dormir no sentido do comprimento, começaram a efetuar os chamados melhoramentos. Muito antes de a palavra aruak humaca transformar-se, por uso popular, na palavra holandesa hangmat (esteira suspensa) ou na alemã Hangematte, a rede indígena oi deformada em esteira esticada, no sentido do comprimento, com as cordas de atar, e no sentido da largura, por duas traves de madeira. Nos navios europeus - e os armadores haviam descoberto que cabiam mais marinheiros por metro cúbico quando estes dormiam em redes - tentou-se de novo melhorar as redes sem resultado, pois ninguém teve a idéia de voltar ao modelo original em tudo superior. A rede de dormir jamais se popularizou nos outros continentes porque o modelo exportado foi o europeu. Na Àfrica levadas pelo português, as redes foram usadas apenas como macas, transportando pessoas doentes, ou durante a sesta. Á noite continuava-se a dormir em esteiras no chão duro, ao alcance de formigas, ratos e cobras. Câmara Cascudo nos dá mais detalhes: A rede dos Bakairi é feita de malhas bastante grossas e tem a forma de um retângulo comprido (2 1/3 m x 1 ¼ m). As linhas longitudinais são atravessadas, com intervalos irregulares (entre 2 e 3,5 cm) pelas transversais; nas malhas pode-se facilmente enfiar o dedo. O tecido é muito simples. Dois fios longitudinais, mas finos, de 1mm de espessura. Deste, em número de quatro, dois correm, ondulados, na frente dos longitudinais, e dois atrás dos mesmos, entre os quais se cruzam. De ambos os lados faz-se um nó com as extremidades dos fios transversais; assim encontram-se, em cada um dos lados compridos, uns 70 nós, feitos com as quatro pontas de fio. O laço que fica livre em cada toco, é enrolado, no meio, por um fio, de maneira a deixar de um lado uma colcheta para receber os cordões com que se pendura a rede. Do outro lado partem, deste ponto fixo – divergindo para a rede, quando esta é armada – os fios longitudinais ainda não cruzados pelos fios da trama numa extensão de 30 a 35 cm.Além desta rede típica, de algodão, existe outra, na qual os cadilhos são formados de cordel de fibra de buriti (Mauritia vinifera, Mart) e os fios da trama são de algodão. Estes fios transversais de algodão são às vezes muito escassos; os Mehinaku deixavam entre eles uma distância de dez a vinte centímetros. As redes de buriti são usadas sobretudo pelas tribos nu-aruak. Os Bakairi mansos do Paratinga também as possuíam; disseram-me que só foram introduzidas entre eles pelo velho Caetano, cacique da aldeia. As redes de fibra de palmeira tinham geralmente comprimento igual ou pouco maior (até 2 ¾ m) que as de algodão, mas uma largura inferior a um metro, de modo que quase não era possível nelas a posição diagonal cômoda, que, com razão, o brasileiro gosta de tomar.Uma terceira modalidade resultava de um emprego mais abundante do algodão. Vimos entre os Auetö todos os graus intermediários entre 6-7 cm, até 1-2 ou mesmo ½ cm de distância entre os fios transversais do algodão. Teciam-nas, finalmente, de modo a ficarem os fios de algodão tão juntos um do outro que encobrissem totalmente a fibra de tucum, constituindo um pano quase tão compacto quanto a lona. Nesse tecido a fibra longitudinal de tucum, com uma largura aproximada de 1,5 mm, era envolvida por dois pares de fios transversais de algodão os quais, entre aquela e o seguinte fio longitudinal, se cruzavam não uma, mas duas vezes. Os lados compridos da rede eram naturalmente orlados de grande número de nós próximos um do outro. Nos quatro cantos as extremidades das madeiras se prolongavam um pouco, terminando em borla. Muitas vezes observam-se nesses tecidos, listas transversais azul-pretas, obtidas, de 40 em 40 cm pela aplicação de algodão tinto. Aliás, todas as redes eram de cor parda. Tanto a de algodão como a de fibra de palmeira, que já por natureza é pardo-clara, tomavam uma cor parda suja pelo contato com o corpo ungido com o vermelho do urucum. As redes de algodão puro constituíam uma especialidade dos Bakairi; também eles já possuíam no Kulisehu, redes de buriti. O pano mais consistente era fabricado pelos Auetö. Eram singulares as redes que os Nahuquá tinham para crianças de pouca idade; consistiam simplesmente num feixe de palha amarrado nas duas extremidades.Essas formas muito variadas de redes estavam em vias de se uniformizarem. Entre os Suyá dominava ainda o antigo costume dos Gê, i. É., dormiam em grandes esteiras de folhas de palmeira; na época da nossa visita estavam começando a adotar a rede; tinham alguns exemplares e também já as fabricavam. Talvez a arte de tecê-las lhes tivesse sido transmitida pelas mulheres trumai que as possuíam. Já depois da viagem de 1884 chamei a atenção para o paralelismo existente entre a região do Xingu e a das Guianas, dizendo que tanto lá como aqui a rede de algodão parecia de origem caraíba, sendo proveniente dos Nuaruaque a de fibra de palmeira. Lembrei também que a essa concordância etnográfica corresponde exatamente a lingüística. Em ambos os casos a técnica nasce da arte de trançar, o que difere é só o material. Os mais atrasados eram os Bakairi, que não possuíam o tecido em forma de pano. Também é notável o fato de que os torçais destes, embora preenchessem completamente o seu fim, eram de confecção menos artística que os das outras tribos. Podia-se observar uma técnica dirigida em igual sentido numa espécie de esteira-crivo. As hastes eram envolvidas, mais ou menos cerradamente, com o fio de algodão, de modo a se obterem esteiras consistentes e rígidas, mas ao mesmo tempo muito movediças, entre as quais se compensava a massa de mandioca para espremer o líquido. Vimos também pedaços de pano empregados para o mesmo fim.
Fonte: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/humanas/educacao/tematica/cap15.html http://www.noolhar.com/opovo/delas/105363.html http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html http://www.instituto-camoes.pt/cvc/literaturaingles/litviagens.htm http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/images/foto131.jpg http://jangadabrasil.com.br/setembro13/pa13090b.htm http://jangadabrasil.com.br/novembro15/of15110a.htm acesso em março de 2003 Revista Ciência Hoje, SBPC, nov/dez 1992 página 104 envie seus comentários para abrantes@inpi.gov.br. Esta página não é uma publicação oficial da UNICAMP, seu conteúdo não foi examinado e/ou editado por esta instituição. A responsabilidade por seu conteúdo é exclusivamente do autor.
Um comentário:
Você tem toda razão, a minha eu levo aonde vou, não largo dela por nada. é desses materiais modernos, uma praticidade só. comprei em uma loja da capital. a marca dela é www.kampa.com.br
Abraços,
Otacilio
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