quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Casa da Legião Brasileira de Assistência-Manaus

 

                                                                                                  LBA — acervo do Jornal A Crítica, 1984

Por José Rocha

Localizada na Avenida Joaquim Nabuco, nº 1193, esquina com a Rua 24 de Maio, no coração de Manaus, encontra-se a antiga residência do Desembargador Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque, erguida no final do século XIX, durante o governo de Eduardo Ribeiro. Por muitos anos, o imóvel abrigou a Legião Brasileira de Assistência (LBA); depois, tornou-se sede do Tribunal de Contas da União (TCU) em Manaus e, atualmente, funciona como sede da Secretaria de Estado de Energia, Mineração e Gás.

Esse casarão faz parte das minhas lembranças de infância e adolescência, vividas junto aos amigos da Rua do Igarapé de Manaus.

                           Desembargador Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque — acervo de Dudu Monteiro de Paula

Segundo relatos de Eduardo José Cavalcanti Monteiro de Paula, o radialista e jornalista Dudu Monteiro de Paula, seu bisavô, o Desembargador Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque — pernambucano — foi um dos primeiros moradores daquele casarão. Seu avô, o engenheiro Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque Filho, também viveu ali. Trabalhou na ferrovia Madeira-Mamoré, onde acabou desaparecendo. Já seu pai, o empresário Edgar Monteiro de Paula, conheceu a futura esposa, Helena Cavalcanti Monteiro de Paula, justamente nessa casa. Dudu conta que a primeira vez em que o pai viu Helena, ela estava ao lado do genitor tocando violino, enquanto uma das irmãs saboreava uma manga-rosa.

Originalmente, o casarão funcionava como casa de campo da família, cercado por jardins laterais e com um pomar nos fundos. Eram famosos os pés de manga-rosa — de casca avermelhada e polpa amarelo-ouro, suculenta e doce — e também os abricós, de casca marrom-clara e polpa alaranjada.

Em 1943, o governador do Estado do Amazonas, o interventor Álvaro Botelho Maia, comprou o imóvel e o transformou em sede da LBA-Manaus. A instituição, criada nacionalmente pela primeira-dama Darcy Vargas, em 1942, tinha como missão acolher as famílias de soldados brasileiros envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Em Manaus, sob a presidência de Helena Cidade de Araújo (1942–1945), a LBA desenvolveu programas voltados à assistência social, maternidade, infância, geração de trabalho, saúde básica, cursos profissionalizantes e atendimento a idosos e pessoas com deficiência.

Entre as iniciativas mais marcantes, destacou-se o “Natal dos Pobres”, com distribuição de alimentos, brinquedos, material escolar, fardamentos e medicamentos a comunidades ribeirinhas.

Em 1987, a LBA transferiu-se para um novo prédio na Avenida Darcy Vargas, inaugurado por Marly Sarney e dirigido pela superintendente Mariza Cândida Freitas de Fonseca. A instituição foi extinta em 1º de janeiro de 1995, sendo substituída pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), vinculado ao Ministério da Cidadania.

Memórias de antigos servidores relatam um episódio trágico ocorrido em 1967: o assassinato de Dona Marica, zeladora que vivia no porão do casarão. Dois suspeitos foram apontados, inclusive um neto da vítima. Além desse crime, circularam histórias de assombrações — vigias afirmavam ver vultos nos corredores e até sentir empurrões misteriosos.

                                                                                                                                                    Acervo José Rocha, 2025

Após anos de portas fechadas, o imóvel escapou da especulação imobiliária graças ao tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Por décadas, abrigou a sede do TCU-Manaus, responsável pela fiscalização contábil, financeira e patrimonial de entidades públicas federais. Desde 2023, passou a sediar a Secretaria de Estado de Energia, Mineração e Gás, encarregada de elaborar, coordenar e implementar políticas públicas para os setores de energia, energias renováveis e geodiversidade no Amazonas.

Nas décadas passadas, minha avó buscava ali atendimento médico e medicamentos fornecidos pela LBA, já na condição de idosa. Guardo na memória a figura do senhor Tabosa, zelador que morava com a família nos fundos do casarão. Seu filho Salvador foi meu colega no Colégio Barão do Rio Branco, e sempre separava mangas-rosa para a molecada colher.

Segundo meu amigo de infância Marcos Holanda — morador da antiga Casa do Dural e da Finada Dondon —, o senhor Tabosa e sua família se mudaram para a Vila Flacy,  próxima à fábrica de tubos do senhor Gadelha.

Recentemente, estive no local para registrar uma fotografia e, para minha surpresa, vi alguns funcionários colhendo mangas-rosas diretamente do velho pomar. Mesmo centenários, aqueles pés continuam a produzir frutos belíssimos.

São muitas as histórias que atravessam o tempo. Este casarão segue protegido por lei federal e preserva não apenas a arquitetura, mas também a memória afetiva de gerações em Manaus.

Fotos:

·        Desembargador Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque — acervo de Dudu Monteiro de Paula

·        LBA — acervo do Jornal A Crítica, 1984

·        Em cores — acervo José Rocha, 2025