LBA — acervo do Jornal A Crítica, 1984
Por José Rocha
Localizada na Avenida Joaquim
Nabuco, nº 1193, esquina com a Rua 24 de Maio, no coração de Manaus,
encontra-se a antiga residência do Desembargador Estevão de Sá
Cavalcanti de Albuquerque, erguida no final do século XIX,
durante o governo de Eduardo Ribeiro. Por muitos anos, o imóvel abrigou a Legião
Brasileira de Assistência (LBA); depois, tornou-se sede do Tribunal
de Contas da União (TCU) em Manaus e, atualmente, funciona como
sede da Secretaria
de Estado de Energia, Mineração e Gás.
Esse casarão faz parte das minhas
lembranças de infância e adolescência, vividas junto aos amigos da Rua do
Igarapé de Manaus.
Segundo relatos de Eduardo
José Cavalcanti Monteiro de Paula, o radialista e jornalista Dudu
Monteiro de Paula, seu bisavô, o Desembargador Estevão de Sá
Cavalcanti de Albuquerque — pernambucano — foi um dos primeiros moradores
daquele casarão. Seu avô, o engenheiro Estevão de Sá Cavalcanti de
Albuquerque Filho, também viveu ali. Trabalhou na ferrovia
Madeira-Mamoré, onde acabou desaparecendo. Já seu pai, o empresário Edgar
Monteiro de Paula, conheceu a futura esposa, Helena
Cavalcanti Monteiro de Paula, justamente nessa casa. Dudu conta
que a primeira vez em que o pai viu Helena, ela estava ao lado do genitor
tocando violino, enquanto uma das irmãs saboreava uma manga-rosa.
Originalmente, o casarão funcionava
como casa de campo da família, cercado por jardins laterais e com um pomar nos
fundos. Eram famosos os pés de manga-rosa —
de casca avermelhada e polpa amarelo-ouro, suculenta e doce — e também os abricós,
de casca marrom-clara e polpa alaranjada.
Em 1943, o governador do Estado do Amazonas,
o interventor Álvaro
Botelho Maia, comprou o imóvel e o transformou em sede da LBA-Manaus.
A instituição, criada nacionalmente pela primeira-dama Darcy Vargas,
em 1942, tinha como missão acolher as famílias de soldados brasileiros
envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Em Manaus, sob a presidência de Helena
Cidade de Araújo (1942–1945), a LBA desenvolveu programas
voltados à assistência social, maternidade, infância, geração de trabalho,
saúde básica, cursos profissionalizantes e atendimento a idosos e pessoas com
deficiência.
Entre as iniciativas mais marcantes,
destacou-se o “Natal dos Pobres”, com distribuição de
alimentos, brinquedos, material escolar, fardamentos e medicamentos a
comunidades ribeirinhas.
Em 1987, a LBA transferiu-se para um
novo prédio na Avenida Darcy Vargas, inaugurado por Marly Sarney
e dirigido pela superintendente Mariza Cândida Freitas de Fonseca.
A instituição foi extinta em 1º de janeiro de 1995, sendo substituída pelo Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), vinculado ao Ministério da
Cidadania.
Memórias de antigos servidores
relatam um episódio trágico ocorrido em 1967: o assassinato de Dona
Marica, zeladora que vivia no porão do casarão. Dois suspeitos
foram apontados, inclusive um neto da vítima. Além desse crime, circularam
histórias de assombrações — vigias afirmavam ver vultos nos corredores e até
sentir empurrões misteriosos.
Após anos de portas fechadas, o
imóvel escapou da especulação imobiliária graças ao tombamento pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Por
décadas, abrigou a sede do TCU-Manaus,
responsável pela fiscalização contábil, financeira e patrimonial de entidades
públicas federais. Desde 2023, passou a sediar a Secretaria de
Estado de Energia, Mineração e Gás, encarregada de elaborar,
coordenar e implementar políticas públicas para os setores de energia, energias
renováveis e geodiversidade no Amazonas.
Nas décadas passadas, minha avó
buscava ali atendimento médico e medicamentos fornecidos pela LBA, já na
condição de idosa. Guardo na memória a figura do senhor Tabosa,
zelador que morava com a família nos fundos do casarão. Seu filho Salvador
foi meu colega no Colégio Barão do Rio Branco, e sempre separava mangas-rosa
para a molecada colher.
Segundo meu amigo de infância Marcos
Holanda — morador da antiga Casa do Dural e da Finada Dondon —,
o senhor Tabosa e sua família se mudaram para a Vila Flacy, próxima à fábrica de tubos do senhor Gadelha.
Recentemente, estive no local para
registrar uma fotografia e, para minha surpresa, vi alguns funcionários
colhendo mangas-rosas diretamente do velho pomar. Mesmo centenários, aqueles
pés continuam a produzir frutos belíssimos.
São muitas as histórias que
atravessam o tempo. Este casarão segue protegido por lei federal e preserva não
apenas a arquitetura, mas também a memória afetiva de gerações em
Manaus.
Fotos:
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Desembargador
Estevão de Sá Cavalcanti de Albuquerque — acervo de Dudu Monteiro de Paula
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LBA
— acervo do Jornal A Crítica, 1984
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Em
cores — acervo José Rocha, 2025