Por José Rocha
O Igarapé dos Remédios é um dos riachos de Manaus
que foi praticamente todo aterrado ao longo do tempo. Ele atravessa a zona
Centro-Sul da cidade, desde sua nascente, nas proximidades do Boulevard
Amazonas, até desembocar no paredão do Porto de Manaus (Roadway),
constituindo-se num marco importante na transformação urbana de Manaus, não
apenas no espaço físico, mas também, um capítulo significativo da nossa
identidade cultural e histórica.
O nome foi dado pelos nossos antepassados em
homenagem a Nossa Senhora, mãe de Jesus, também conhecida como Nossa Senhora do
Remédio, da Libertação e do Resgate. O igarapé passava pela atual rua Floriano
Peixoto e adjacências, o que levou toda aquela área a ser chamada de Bairro dos
Remédios (1825). Posteriormente, a Igreja Nossa Senhora dos Remédios recebeu o
mesmo nome (obras iniciadas em 1818).
Segundo o historiador Mário Ypiranga Monteiro, a
nascente do igarapé ficava nos arredores do Reservatório do Mocó, onde existia
outro igarapé com este nome. Como este era um dos lugares mais elevados da
cidade, suas águas fluíam para diversos pontos. Ao utilizar o aplicativo
‘Google Earth’ para um acompanhamento aéreo, constatei que o igarapé realmente
se origina no Boulevard Amazonas, pois ainda existem alguns lugares onde ele
jorra a céu aberto. Acredito que as águas dessa nascente também alimentam
outros igarapés, como o de Manaus (Primeira Ponte) e o Bittencourt (Segunda
Ponte) ou quem sabe até do Mestre Chico (Ponte de Ferro), localizados na
Avenida Sete de Setembro.
Conforme relatado pelo historiador Mário Ypiranga,
o Barão de São Leonardo construiu o ‘Palacete de São Leonardo’, onde hoje é o
Instituto Benjamin Constant. Ele represou o Igarapé dos Remédios no cruzamento
da atual rua Tapajós com a avenida Leonardo Malcher para fornecer água potável
gratuitamente aos moradores. Essa medida gerou conflitos com os ‘Aguadeiros’, pessoas
que percorriam a cidade em suas carroças, vendendo água potável em bicas para
os moradores.
Quando cheguei àquele lugar, em 1967, o igarapé
corria livremente pela rua Tapajós, vindo da direção de um grande terreno
pertencente a um senhor conhecido como ‘Baleia’ e sua família, onde mantinham uma
extensa horta e criavam porcos, patos e galinhas para venda (atual
estacionamento do Sebrae-AM). Mais tarde, o prefeito Paulo Pinto Nery ordenou a
ligação da rua Tapajós com a Leonardo Malcher, e o igarapé passou a fluir por
tubulações sob a pista.
Por todo
o trajeto de alguns igarapés desde sua nascente, presumidamente no ‘Mocó’, existiam
diversos ‘olhos d’água’, onde os moradores construíam ‘Cacimbas de Banhos’, que
aumentavam o fluxo de água, misturando-se com as águas pluviais na época das
chuvas.
Por
exemplo:
Na baixada
da rua Tapajós havia a famosa ‘Cacimba da Dona Dos Anjos’ (próximo ao Igarapé
dos Remédios), onde tive a oportunidade de tomar banhos na minha adolescência,
com o passar do tempo, ficou contaminada e começou a secar totalmente.
Na década
de oitenta, fui várias vezes com a minha sogra para visitar uma fonte que
ficava no final do Boulevard Amazonas, ela era uma católica devota, gostava de
rezar e recolher um pouco de água para servir como água benta. Acredito que
esta fonte deve seguir para o igarapé da Segunda ou da Terceira Ponte da Sete
de Setembro.
Em 2023,
em um trabalho de campo com o saudoso poeta Marco Gomes, encontramos um terreno
preservado, na rua Barcelos, com um manancial que ajudavam alimentar o fluxo do
Igarapé de Manaus. Entrarmos pelos Becos Belém e Barcelos,
percorrendo todo o caminho das águas, desde a nascente até a Rua Japurá, onde
os moradores chamam de ‘Cacimbal”, e após percorremos a Praça Nestor
Nascimento, onde as águas do igarapé passam canalizadas até o Parque Paulo
Jacob.
Voltando ao ‘Igarapé dos Remédios’, ele seguia o
seu trajeto em épocas passadas, pela antiga rua 13 de Maio, em homenagem à
abolição da escravatura. No governo do Eduardo Ribeiro, iniciou-se os trabalhos
e aterramento, para embelezar a cidade e acabar com problemas de saúde que
afetava a população na época de vazante do Rio Negro. Este trabalho foi sendo
realizado ao longo dos anos, inicialmente através de carroças e, em decorrência
desta demora, o povo começou a chamá-la de ‘Rua do Aterro’.
Graças à ajuda da ‘Manáos Harbour Limited’
(administrador do Roadway), forneceu vagões que sob trilhos traziam quantidades
enormes de materiais de aterro, foi possível concluí-lo totalmente em 1930. Uma
ponte metálica pré-fabricada nos EUA, importada e montada em 1881, conhecida
como ‘Ponte dos Remédios’ que ficava nas proximidades do atual ‘Pavilhão
Universal’ foi desmontada após o aterro para ser colocada em outro lugar, mas
acabou sendo vendida para derretimento, segundo relatos do Mário Ypiranga.
Passou, então, a chamar-se oficialmente avenida
Getúlio Vargas, em homenagem ao presidente da república da época. Após a Segunda Guerra Mundial, equipamentos
norte-americanos usados na construção do Aeroporto de Ponta
Pelada foram doados à Prefeitura de Manaus, que por vez os empregou
no alargamento e terraplanagem de toda aquela avenida. Atualmente, a avenida é
uma dos maiores corredores de ônibus público sentido centro-bairro e uma
grande via de acesso bairro-centro de automóveis, constituindo-se, também, como a via mais arborizada de Manaus, com aproximadamente
150 árvores plantadas no canteiro central e nas laterais das duas vias.
Hoje, o Igarapé dos Remédios ainda corre por vários
trechos a ‘céu aberto’ e, um deles, começa pelos fundos do edifício ‘Anaíra’
(esquina da rua Tapajós e Ramos Ferreira), passando pela comunidade Vila
Paraíso, por um sistema de contenção denominado de ‘gabião’, seguindo até um
prédio da avenida Ramos Ferreira, onde segue em diante dentro de tubulações.
Infelizmente, muitos moradores o chamam de ‘Vala’, como fosse apenas um esgoto,
sem reconhecer sua importância histórica e geográfica.
É essencial preservar a memória do Igarapé dos
Remédios, não apenas como um registro da transformação urbana de Manaus, mas
como parte da nossa identidade cultural e histórica.
Fontes: Jornal do Commercio, Livro do historiador
Mário Ypiranga Monteiro, Livro ‘A Vila Paraíso, José Rocha’ e BLOGDOROCHA.