Por José Rocha
Na Manaus de antigamente, conhecíamos praticamente todas as autoridades pelo nome — entre elas, os delegados de polícia. Um deles entrou para a história como o “Delegado do Diabo”.
Para os mais
jovens, que não sabem nem o nome do secretário de Segurança Pública e muito
menos dos delegados atuais, soa estranho ouvir que, em Manaus, havia um homem
da lei apelidado de “Delegado do Diabo”. Com razão: a princípio, dá a impressão
de que ele teria feito pacto com forças malignas.
Nada disso,
meu jovem! Estamos falando de José Ribamar Soares Afonso — paraense, bacharel
em Direito, assistente social, jornalista e um verdadeiro maníaco por
quadrinhos, um gibiófilo.
Ele morava
na Avenida Getúlio Vargas, número 193, e foi casado com a professora Heloisa
Helena Antony Afonso, com quem teve duas filhas: Adriana Eugênia e Viviane.
No
jornalismo, passou por A Gazeta, O Jornal, Diário da Tarde e Diário Carioca, do
Rio de Janeiro — trabalhando em todos até o fechamento.
Quando
menino, José Ribamar abriu pela primeira vez uma revistinha Tico-Tico, em 1947,
e levou uma bronca da mãe: “Larga isso, menino, é coisa do demônio”. Mas ele
não obedecia e continuava lendo as “coisas do Satanás” no banheiro e nas matinês
dos cinemas Polytheama e Guarany, que ficavam próximos à sua casa.
Naquela
época, considerava-se que essas obras podiam distorcer a personalidade em
formação das crianças, por isso professores as proibiam — e sua mãe não o
deixava ler tais gibis.
Sem exagero,
José Ribamar chegou a ter a maior coleção de quadrinhos da América Latina, com
mais de três mil volumes encadernados. Viajou a Portugal, Espanha e França para
participar de exposições e adquirir exemplares. Era amigo do radialista Joaquim
Marinho, outro grande colecionador da cidade.
Mas por que o chamavam “Delegado do Diabo”? Boa pergunta, que merece resposta.
Ele fez
curso de Polícia e Trânsito nos Estados Unidos e ganhou fama nacional ao
desvendar o massacre da expedição do padre Calleri pelos índios
Waimiri-Atroari.
O apelido,
porém, veio de um fotógrafo do jornal A Crítica, Irandi Ferreira. Por ser
rigoroso no cumprimento da lei e enérgico em seus plantões — sempre que ele
assumia, surgiam crimes dos mais horrendos —, o fotógrafo achou que ele tinha
“parte com o diabo”.
José Ribamar
adorava diligências policiais e era considerado um “maluco” por impor ordem em
Manaus de 1968 a 1979 sem disparar um único tiro. Combatia sem trégua o
violento mundo da marginalidade. No DETRAN, chegou a esvaziar centenas de pneus
de motoristas infratores. Eita!
Que história
doida, não é mesmo?
Após
aposentado, voltou a cavalgar o velho Oeste ao lado de Kid Colt, Zorro e Tecas;
cortou a galáxia nas naves de Flash Gordon; e perambulou pelas ruas de Gotham
City, sempre na esperança de encontrar Batman e Robin em ação — nada era
impossível para um colecionador de gibis.
Em 1980, a
comunidade reconheceu seu trabalho: o “Delegado do Diabo” recebeu o título de
Cidadão de Manaus, em propositura do vereador Walter de Miranda Freitas (PDS).
Segundo o
nobre vereador, José Ribamar foi um homem íntegro, muitas vezes injustiçado
como delegado-geral de Polícia, pois tornou a instituição mais eficiente e
proveitosa para a segurança e tranquilidade da comunidade. Não dava colher de
chá aos bandidos e combatia a corrupção, gerando inimizades e despeitos.
O tempo
passou, a cidade cresceu, o trânsito ficou infernal e a criminalidade,
descontrolada — faz muita falta, com certeza, a figura do “Delegado do Diabo”
para colocar ordem em Manaus.
Fontes:
Jornal A Crítica e Jornal do Comércio
Foto: Jornal A Crítica