quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

História do Igarapé dos Remédios: Da Nascente à Transformação Urbana de Manaus

 Por José Rocha

O Igarapé dos Remédios é um dos riachos de Manaus que foi praticamente todo aterrado ao longo do tempo. Ele atravessa a zona Centro-Sul da cidade, desde sua nascente, nas proximidades do Boulevard Amazonas, até desembocar no paredão do Porto de Manaus (Roadway), constituindo-se num marco importante na transformação urbana de Manaus, não apenas no espaço físico, mas também, um capítulo significativo da nossa identidade cultural e histórica.

O nome foi dado pelos nossos antepassados em homenagem a Nossa Senhora, mãe de Jesus, também conhecida como Nossa Senhora do Remédio, da Libertação e do Resgate. O igarapé passava pela atual rua Floriano Peixoto e adjacências, o que levou toda aquela área a ser chamada de Bairro dos Remédios (1825). Posteriormente, a Igreja Nossa Senhora dos Remédios recebeu o mesmo nome (obras iniciadas em 1818).

Segundo o historiador Mário Ypiranga Monteiro, a nascente do igarapé ficava nos arredores do Reservatório do Mocó, onde existia outro igarapé com este nome. Como este era um dos lugares mais elevados da cidade, suas águas fluíam para diversos pontos. Ao utilizar o aplicativo ‘Google Earth’ para um acompanhamento aéreo, constatei que o igarapé realmente se origina no Boulevard Amazonas, pois ainda existem alguns lugares onde ele jorra a céu aberto. Acredito que as águas dessa nascente também alimentam outros igarapés, como o de Manaus (Primeira Ponte) e o Bittencourt (Segunda Ponte) ou quem sabe até do Mestre Chico (Ponte de Ferro), localizados na Avenida Sete de Setembro.

Conforme relatado pelo historiador Mário Ypiranga, o Barão de São Leonardo construiu o ‘Palacete de São Leonardo’, onde hoje é o Instituto Benjamin Constant. Ele represou o Igarapé dos Remédios no cruzamento da atual rua Tapajós com a avenida Leonardo Malcher para fornecer água potável gratuitamente aos moradores. Essa medida gerou conflitos com os ‘Aguadeiros’, pessoas que percorriam a cidade em suas carroças, vendendo água potável em bicas para os moradores.

Quando cheguei àquele lugar, em 1967, o igarapé corria livremente pela rua Tapajós, vindo da direção de um grande terreno pertencente a um senhor conhecido como ‘Baleia’ e sua família, onde mantinham uma extensa horta e criavam porcos, patos e galinhas para venda (atual estacionamento do Sebrae-AM). Mais tarde, o prefeito Paulo Pinto Nery ordenou a ligação da rua Tapajós com a Leonardo Malcher, e o igarapé passou a fluir por tubulações sob a pista.

Por todo o trajeto de alguns igarapés desde sua nascente, presumidamente no ‘Mocó’, existiam diversos ‘olhos d’água’, onde os moradores construíam ‘Cacimbas de Banhos’, que aumentavam o fluxo de água, misturando-se com as águas pluviais na época das chuvas.

 

Por exemplo:

 

Na baixada da rua Tapajós havia a famosa ‘Cacimba da Dona Dos Anjos’ (próximo ao Igarapé dos Remédios), onde tive a oportunidade de tomar banhos na minha adolescência, com o passar do tempo, ficou contaminada     e começou a secar totalmente.

 

Na década de oitenta, fui várias vezes com a minha sogra para visitar uma fonte que ficava no final do Boulevard Amazonas, ela era uma católica devota, gostava de rezar e recolher um pouco de água para servir como água benta. Acredito que esta fonte deve seguir para o igarapé da Segunda ou da Terceira Ponte da Sete de Setembro.

 

Em 2023, em um trabalho de campo com o saudoso poeta Marco Gomes, encontramos um terreno preservado, na rua Barcelos, com um manancial que ajudavam alimentar o fluxo do Igarapé de Manaus. Entrarmos pelos Becos Belém e Barcelos, percorrendo todo o caminho das águas, desde a nascente até a Rua Japurá, onde os moradores chamam de ‘Cacimbal”, e após percorremos a Praça Nestor Nascimento, onde as águas do igarapé passam canalizadas até o Parque Paulo Jacob.

Voltando ao ‘Igarapé dos Remédios’, ele seguia o seu trajeto em épocas passadas, pela antiga rua 13 de Maio, em homenagem à abolição da escravatura. No governo do Eduardo Ribeiro, iniciou-se os trabalhos e aterramento, para embelezar a cidade e acabar com problemas de saúde que afetava a população na época de vazante do Rio Negro. Este trabalho foi sendo realizado ao longo dos anos, inicialmente através de carroças e, em decorrência desta demora, o povo começou a chamá-la de ‘Rua do Aterro’.

Graças à ajuda da ‘Manáos Harbour Limited’ (administrador do Roadway), forneceu vagões que sob trilhos traziam quantidades enormes de materiais de aterro, foi possível concluí-lo totalmente em 1930. Uma ponte metálica pré-fabricada nos EUA, importada e montada em 1881, conhecida como ‘Ponte dos Remédios’ que ficava nas proximidades do atual ‘Pavilhão Universal’ foi desmontada após o aterro para ser colocada em outro lugar, mas acabou sendo vendida para derretimento, segundo relatos do Mário Ypiranga.

Passou, então, a chamar-se oficialmente avenida Getúlio Vargas, em homenagem ao presidente da república da época.  Após a Segunda Guerra Mundial, equipamentos norte-americanos usados na construção do Aeroporto de Ponta Pelada foram doados à Prefeitura de Manaus, que por vez os empregou no alargamento e terraplanagem de toda aquela avenida. Atualmente, a avenida é uma dos maiores corredores de ônibus público sentido centro-bairro e uma grande via de acesso bairro-centro de automóveis, constituindo-se, também, como a via mais arborizada de Manaus, com aproximadamente 150 árvores plantadas no canteiro central e nas laterais das duas vias.

Hoje, o Igarapé dos Remédios ainda corre por vários trechos a ‘céu aberto’ e, um deles, começa pelos fundos do edifício ‘Anaíra’ (esquina da rua Tapajós e Ramos Ferreira), passando pela comunidade Vila Paraíso, por um sistema de contenção denominado de ‘gabião’, seguindo até um prédio da avenida Ramos Ferreira, onde segue em diante dentro de tubulações. Infelizmente, muitos moradores o chamam de ‘Vala’, como fosse apenas um esgoto, sem reconhecer sua importância histórica e geográfica.

É essencial preservar a memória do Igarapé dos Remédios, não apenas como um registro da transformação urbana de Manaus, mas como parte da nossa identidade cultural e histórica.

Fontes: Jornal do Commercio, Livro do historiador Mário Ypiranga Monteiro, Livro ‘A Vila Paraíso, José Rocha’ e BLOGDOROCHA.