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Foto: Marcus Gomes |
Por
dezessete anos, dediquei-me ao nobre ofício de fabricar instrumentos de cordas,
auxiliando meu saudoso pai. Dez desses anos foram dedicados a criar meu próprio
violão, um sonho que, infelizmente, nunca se concretizou.
Eu
dominava apenas o básico da construção, enquanto meu pai cuidava do cavalete,
braço e escala. Meu violão ficava impecável: todo boleado, com laterais e fundo
de macacaúba, tampo de pinho e braço de cedro. No entanto, sua permanência em
minhas mãos era efêmera; meu pai o vendia ao primeiro cliente que aparecia.
Ano
após ano, eu desistia de possuir meu próprio violão. Até que, um dia, peguei um
instrumento quebrado, colei, lixei e envernizei. Meu pai fez um enxerto no
braço, substituindo-o por um pedaço de um “Di Giorgio”. Quando finalmente ficou
pronto, levei-o para casa. Era o meu tão sonhado violão.
Incrivelmente,
esse violão fez história. Ele é a única lembrança do Luthier Rochinha, com sua
assinatura e a data de 1967 gravadas. Hoje, com 57 anos de fabricação, é uma
relíquia.
Permita-me
compartilhar um pouco da minha história como auxiliar de luthier:
Nasci
na década de cinquenta, na Santa Casa de Misericórdia em Manaus. Logo após o
nascimento, fui levado diretamente para a oficina de fabricação de violões, que
também servia como nossa casa. Cresci imerso no aroma de serragem, vivendo em
um flutuante (uma casa sustentada por grandes toros de madeira) no Igarapé de
Manaus.
Lá,
aprendi a engatinhar e a andar, além de absorver o ofício de fazer violões sob
a tutela de meu pai, Rochinha. As técnicas de fabricação de instrumentos de
cordas foram transmitidas a ele por um senhor conhecido como Nascimento,
proprietário de uma pequena oficina de violões nos porões da Casa Alba, no
centro antigo de Manaus. Esse senhor, por sua vez, havia adquirido conhecimentos
de um grande mestre português no início do século passado.
Com
o desmonte da Cidade Flutuante no final dos anos sessenta, mudamos para uma
casa alugada. A oficina foi transferida para os porões da mansão dos Bringel,
na esquina da Rua Igarapé de Manaus com a Rua Huascar de Figueiredo. Lá,
durante dezessete anos, ajudei meu pai no sagrado ofício de carpinteiro,
moveleiro e artesão. Além dos violões, também fabricávamos cavaquinhos,
bandolins, portas, janelas, mesas, cadeiras e tamboretes.
Naquela
época, a palavra “luthier” não era comum; a profissão de meu pai era conhecida
simplesmente como “artesão”. Não tínhamos máquinas poderosas, apenas uma
pequena serra elétrica e muitas ferramentas manuais. A criatividade e o suor
eram nossos principais recursos.
Minha
função era auxiliar, e meu trabalho era árduo. Buscava “bucho de Tambaqui” no
Mercado Municipal Adolpho Lisboa para fazer nossa cola (que era excelente para
colar madeiras). Serrava peças de macacaúba (uma árvore nativa) para o fundo
dos violões. Lembro-me bem da dureza dessa madeira! Realizei muitos exercícios
físicos, como serragem, plainagem, envernização e colagem, sem precisar
frequentar uma academia de musculação.
Durante
anos, meu pai repetia aos amigos que seus filhos não tinham a vocação para o
ofício. Na verdade, ele não desejava que seguíssemos sua bela profissão. Seus
sonhos para nós eram outros: queria que nos tornássemos “doutores”. Minha
rotina era intensa: trabalhava pela manhã e estudava à tarde, sem folgas. As
raras horas de lazer eram preenchidas com brincadeiras com a molecada do
Igarapé de Manaus, mas sempre com a certeza de uma “peia” ao voltar para casa.
Hoje,
recordo com saudade minha infância e adolescência, marcadas pelo trabalho como
auxiliar de luthier. Na oficina do meu pai, tive a oportunidade de conhecer
cantores, músicos, amantes da boa música, compositores, artistas, jornalistas,
poetas e até doutores. Nos fins de semana, eles se reuniam para cantar e tocar
os instrumentos do meu velho. Esses encontros me inspiraram a frequentar os
locais onde os “Regionais de Manaus” se apresentavam, como os bares Caldeira,
Loura, Gestina, Walter e Jangadeiro.
As
pessoas frequentemente me questionam por que não segui a bela profissão do meu
pai. Confesso que essa dúvida me angustia. Agora, estou seriamente considerando
mudar o rumo. Para começar, buscarei orientações dos discípulos do saudoso luthier
Rubens Gomes, da Escola de Lutheria da Amazônia (OELA).
Minha
ideia é reunir meus irmãos – um contador e um vendedor nato – e eu, um
administrador. Juntos, levantaremos recursos junto à Agência de Fomento do
Estado do Amazonas, faremos convênios com o INPA na área de madeiras e
descobriremos fornecedores de madeiras certificadas com selo verde. Quem sabe
assim, ressurgiremos das cinzas com uma nova oficina de violões.
Quanto
ao nome, “Di Rocha” parece uma homenagem perfeita ao meu pai. Está na hora de
deixar de ser apenas um auxiliar e me tornar um fabricante de violões! Sonhar
não custa nada.
Enquanto
esse sonho não se concretiza, o último exemplar de violão construído por meu
saudoso pai permanece guardado a sete chaves. Ele é o “Último dos Moicanos”.