Por José Rocha
No final da década de 1960, Manaus viveu um momento
mágico. Entre os carros importados que começavam a aparecer nas ruas, um modelo
em especial causava verdadeiro fascínio: o Amphicar 770, um carro
anfíbio que deslizava com a mesma elegância tanto sobre o asfalto quanto sobre
as águas. Esses veículos, raros e visionários, conquistaram a imaginação dos
manauaras, tornando-se uma lembrança indelével para minha geração.
Fabricados na Alemanha entre 1961 e 1968, apenas 3.878
unidades foram produzidas, sendo a maioria exportada para os Estados
Unidos. Pouquíssimos chegaram a outros países, mas Manaus, com o impulso da
recém-criada Zona Franca e seu Decreto-Lei nº 288/67, foi uma das privilegiadas
a receber oito exemplares, importados pela firma Antônio Levy Botero,
localizada na Rua Miranda Leão, 121.
Lembro-me como se fosse ontem: os carros anfíbios
desembarcaram no Porto Roadway, trazidos pelo navio alemão Hilder Mit.
Eram máquinas imponentes, anunciadas como robustas, anticorrosivas e
hermeticamente seladas. No dia 20 de outubro de 1968, estava programada uma
demonstração pública na Praia de Ponta Negra. A cidade inteira aguardava
ansiosa para ver aquele "carro-barco" atravessar as águas do Rio
Negro.
Mas o destino, sempre caprichoso, mudou o rumo da
história. Na sexta-feira anterior, a Receita Federal apreendeu os veículos
devido a pendências aduaneiras. Apesar do aviso nos jornais cancelando a
exibição, uma multidão foi à praia no domingo, na esperança de testemunhar o
espetáculo. O silêncio das águas contrastava com a frustração coletiva, e as
conversas sobre a falta do evento ecoaram por semanas. Quando os carros
finalmente foram liberados, oito manauaras sortudos puderam adquiri-los.
Um desses felizardos morava na Rua Huascar de
Figueiredo, próximo à casa do governador Plínio Coelho. Foi lá que, na minha
pré-adolescência, vi um Amphicar pela primeira vez. Meu irmão mais velho, Rocha
Filho, descreveu com detalhes: sua pintura era verde e branca, e seu
proprietário, um senhor catarinense ‘alemão’ alto e loiro, aguardava
pacientemente a cheia do Rio Negro.
Quando as águas invadiam o Igarapé de Manaus, ele
descia com o carro anfíbio a ladeira da Rua Huascar de Figueiredo e, para o
assombro de todos, fazia o veículo deslizar sobre o igarapé, entre as casas das
famílias de Dona Uchoa e do Judico. A cena era tão surreal que moradores de
todas as idades saíam correndo para ver aquele espetáculo. Até hoje consigo
ouvir os gritos de entusiasmo e sentir a vibração da plateia improvisada.
O Amphicar 770 era uma máquina fascinante. Seu nome
vinha da junção das palavras "amphibian" e "car", enquanto
o número indicava sua velocidade: 7 mph na água e 70 mph na
estrada. Equipado com motor de 4 cilindros e 43 cavalos de potência, ele
possuía características únicas: era conversível, tinha estofamento à prova
d'água, rodas que funcionavam como lemes e duas hélices gêmeas de náilon. Ainda
vinha com um remo, uma âncora e até uma bandeira do Brasil, tudo pensado para
torná-lo uma verdadeira joia anfíbia.
O slogan do fabricante resumia bem o espírito do
Amphicar: "É um carro que ninguém entende, mas que todos amam."
E como eu amava aquele carro na minha adolescência! O sonho de um dia dirigir
um desses me acompanhou por anos.
Hoje, mais de meio século depois, o Amphicar ainda
vive na memória dos manauaras e no coração dos colecionadores ao redor do
mundo. Naquela época, custava cerca de três mil dólares; hoje, um exemplar
modificado pode valer trinta mil dólares ou mais.
Relembrar essas histórias é como voltar no tempo.
Manaus mudou, os igarapés mudaram, mas a lembrança daquele carro extraordinário
flutuando nas águas continua viva. O Amphicar 770 não foi apenas uma
máquina; foi um símbolo de uma época, um capítulo inesquecível na história da
nossa cidade.