sábado, 7 de dezembro de 2024

Carros Anfíbios Modelo Amphicar 770 em Manaus

 



Por José Rocha

No final da década de 1960, Manaus viveu um momento mágico. Entre os carros importados que começavam a aparecer nas ruas, um modelo em especial causava verdadeiro fascínio: o Amphicar 770, um carro anfíbio que deslizava com a mesma elegância tanto sobre o asfalto quanto sobre as águas. Esses veículos, raros e visionários, conquistaram a imaginação dos manauaras, tornando-se uma lembrança indelével para minha geração.

Fabricados na Alemanha entre 1961 e 1968, apenas 3.878 unidades foram produzidas, sendo a maioria exportada para os Estados Unidos. Pouquíssimos chegaram a outros países, mas Manaus, com o impulso da recém-criada Zona Franca e seu Decreto-Lei nº 288/67, foi uma das privilegiadas a receber oito exemplares, importados pela firma Antônio Levy Botero, localizada na Rua Miranda Leão, 121.

Lembro-me como se fosse ontem: os carros anfíbios desembarcaram no Porto Roadway, trazidos pelo navio alemão Hilder Mit. Eram máquinas imponentes, anunciadas como robustas, anticorrosivas e hermeticamente seladas. No dia 20 de outubro de 1968, estava programada uma demonstração pública na Praia de Ponta Negra. A cidade inteira aguardava ansiosa para ver aquele "carro-barco" atravessar as águas do Rio Negro.

Mas o destino, sempre caprichoso, mudou o rumo da história. Na sexta-feira anterior, a Receita Federal apreendeu os veículos devido a pendências aduaneiras. Apesar do aviso nos jornais cancelando a exibição, uma multidão foi à praia no domingo, na esperança de testemunhar o espetáculo. O silêncio das águas contrastava com a frustração coletiva, e as conversas sobre a falta do evento ecoaram por semanas. Quando os carros finalmente foram liberados, oito manauaras sortudos puderam adquiri-los.



Um desses felizardos morava na Rua Huascar de Figueiredo, próximo à casa do governador Plínio Coelho. Foi lá que, na minha pré-adolescência, vi um Amphicar pela primeira vez. Meu irmão mais velho, Rocha Filho, descreveu com detalhes: sua pintura era verde e branca, e seu proprietário, um senhor catarinense ‘alemão’ alto e loiro, aguardava pacientemente a cheia do Rio Negro.

Quando as águas invadiam o Igarapé de Manaus, ele descia com o carro anfíbio a ladeira da Rua Huascar de Figueiredo e, para o assombro de todos, fazia o veículo deslizar sobre o igarapé, entre as casas das famílias de Dona Uchoa e do Judico. A cena era tão surreal que moradores de todas as idades saíam correndo para ver aquele espetáculo. Até hoje consigo ouvir os gritos de entusiasmo e sentir a vibração da plateia improvisada.

O Amphicar 770 era uma máquina fascinante. Seu nome vinha da junção das palavras "amphibian" e "car", enquanto o número indicava sua velocidade: 7 mph na água e 70 mph na estrada. Equipado com motor de 4 cilindros e 43 cavalos de potência, ele possuía características únicas: era conversível, tinha estofamento à prova d'água, rodas que funcionavam como lemes e duas hélices gêmeas de náilon. Ainda vinha com um remo, uma âncora e até uma bandeira do Brasil, tudo pensado para torná-lo uma verdadeira joia anfíbia.

O slogan do fabricante resumia bem o espírito do Amphicar: "É um carro que ninguém entende, mas que todos amam." E como eu amava aquele carro na minha adolescência! O sonho de um dia dirigir um desses me acompanhou por anos.

Hoje, mais de meio século depois, o Amphicar ainda vive na memória dos manauaras e no coração dos colecionadores ao redor do mundo. Naquela época, custava cerca de três mil dólares; hoje, um exemplar modificado pode valer trinta mil dólares ou mais.

Relembrar essas histórias é como voltar no tempo. Manaus mudou, os igarapés mudaram, mas a lembrança daquele carro extraordinário flutuando nas águas continua viva. O Amphicar 770 não foi apenas uma máquina; foi um símbolo de uma época, um capítulo inesquecível na história da nossa cidade.