sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Tiko Ramos do Igarapé de Manaus

 



Por José Rocha

Tiko nasceu, cresceu, casou, teve filhos e netos, sempre residindo na Rua Igarapé de Manaus. Esse local também faz parte das minhas lembranças de infância, assim como dos meus irmãos.

Ele era filho do Senhor Luiz e tinha cinco irmãos: Carlos, Roberto, Aluísio, Ademir e Edson. Sua família era uma das mais tradicionais da nossa rua.

Tiko era conhecido por seu senso de humor afiado e suas piadas únicas. Nos sábados, a turma antiga se reunia no Bar da Sogra, do Afonso Toscano & Conceição, na esquina da Rua Huascar de Figueiredo com a Avenida Joaquim Nabuco. Ali, além de beber e jogar conversa fora, todos se divertiam com as piadas do Tiko. Isso incluía as da velha guarda do Igarapé de Manaus, dentre eles de meu pai, o luthier Rochinha, um conquistador inveterado.

Seu irmão Aluísio, um habilidoso técnico em edificações, montou um circo no quintal de sua casa, tendo o Palhaço Tiko como atração principal. Eu e meus irmãos também participamos desse empreendimento, sendo conhecidos como “Os Irmãos Borracha” devido às nossas habilidades em contorcionismo.

Na minha juventude, trabalhei na Braga & Cia, que hoje é o Supermercado DB da Eduardo Ribeiro. Lá, tive a oportunidade de colaborar com Tiko Ramos, despachando mercadorias e veículos.

Escrevi um livro de memórias chamado “O Igarapé de Manaus”, onde Tiko aparece em várias passagens. Uma delas é intitulada “Senhor Arthur”. Arthur era proprietário de um boteco que vendia secos e molhados. Ele namorou, casou, morou e criou seus filhos nos fundos do estabelecimento. Arthur era um verdadeiro escravo do trabalho, labutando de domingo a domingo. Diferentemente dos concorrentes, ele não fechava o boteco nem na hora do almoço. Quando alguém entrava, ele acordava da soneca com o barulho do assoalho de tábuas.

Certa vez, Tiko entrou no boteco devagar, pegou uma botija de gás vazia, levantou-a e jogou-a ao chão, gritando:

Tem gás, Seu Arthur? – tentando acordá-lo com muito barulho.

Não tenho, não! - respondeu Arthur ainda meio sonolento. Tiko agradeceu, colocou a botija no ombro e “pegou o beco”.

Dias depois, o Dr. Tiko voltou ao boteco:

Seu Arthur, meu pai está vendendo algumas botijas de gás. O senhor tem interesse em comprar?

Tenho sim, pois as minhas botijas estão desaparecendo!

Não estou vendendo, não, Seu Arthur. Vim devolvê-la, levei na brincadeira. Peço desculpas! – falando meio sem jeito.

Um dos irmãos de Tiko, o médico Roberto, deu a ele a oportunidade de fazer um comercial na televisão para promover seu consultório. Tiko apareceu vestido com avental e estetoscópio no pescoço, simulando uma consulta com um paciente e promovendo a clínica do irmão médico. A partir de então, ele passou a ser chamado pela galera do Igarapé de Manaus como “Doutor Tiko”.

A última vez que conversei com Tiko foi há uns quatro anos. Ele, sempre bem-humorado, compartilhou uma história sobre seu irmão Aluísio:

“Certa vez, Aluísio estava dentro do Bumbódromo de Parintins, na companhia de um vizinho do Igarapé de Manaus, quando este passou mal e foi levado às pressas para o pronto-socorro. De lá, dava para ouvir o início do apresentador do Boi:

"Meu coração é vermelho, hei, hei, hei. De vermelho vive o coração, ê, ô, ê, ô. Tudo é garantido após a rosa vermelhar. Tudo é garantido após o sol vermelhecer. Um, Dois, Três e Já!

Aluísio começou a chorar copiosamente quando o médico falou:

Não chores, seu filho ficará bom logo! – tentando tranquilizá-lo.

Ele não é meu filho, não! Estou chorando por não estar dentro do Bumbódromo vendo a apresentação do meu boi do coração!”

Segundo Tiko, certa vez fez um pedido ao seu irmão:

Quando eu morrer, não quero choro nem velas no meu velório, apenas fitas encarnadas gravadas com o nome do meu boi. Não quero coroa com espinhos, apenas repique e o surdo a rufar da minha Batucada, com toque da caixinha, para encher de alegria e fazer balançar os presentes na minha despedida! Meu caixão deverá ficar em pé, amarrado na parede para não cair, vestido com a camisa do Boi do Povão e um Cocar do Pajé. Nada de café com bolacha de motor. Todos bebendo cerveja e dançando toadas de boi, do Garantido, é claro!"

O tempo passou, e Tiko continuou apaixonado pelo Vasco da Gama, motocicletas de altas cilindradas, cachorros grandes de raça, pela mulher, filhos, netos e pelos amigos de infância do Igarapé de Manaus. Hoje, aos setenta anos, partiu para o andar de cima, deixando saudades nos corações dos amigos do Igarapé de Manaus e de sua amada família. Que Deus o tenha ao seu lado, meu amigo Tiko Ramos.

Foto: Tiko cabeça branca sem camisa a esquerda, com a galera do Igarapé de Manaus, brincando o carnaval.