Trecho do livro e-book em elaboração “Crônicas do Bar
Caldeira, José Rocha”:
Ele morava na Rua José
Clemente, próximo ao Salão Grajaú. Foi Diretor do Colégio Estadual (Praça da
Polícia) e funcionário da Petrobrás onde se aposentou. Foi também advogado,
formado pela antiga UA (atual UFAM), e passou anos militando na profissão.
Doutor Capa Onça tinha
seus hábitos peculiares. Adorava tomar cerveja e fazer um esquenta com conhaque
(para abrir o apetite). Era fumante inveterado, com aquele pigarro
característico. De vez em quando, soltava tossidas tão altas que pareciam
convocar uma assembleia de pulmões. E, claro, não podia faltar a cusparada no
meio da rua. Coisas de um autêntico boêmio, que curtia seu cigarrinho.
Mas o que realmente
chamava atenção era seu apelido: “Doutor Capa Onça”. Todo mundo tremia só de
pensar em chamá-lo assim. Afinal, o sujeito que teve a coragem de pegar uma
onça pelo braço, imobiliza-la e arrancar-lhe os culhões com uma faca peixeira
devia ser um verdadeiro herói. Quem mais faria isso? Só o Doutor Capa Onça! Se
ele realmente fez isso, ninguém sabe, mas o apelido pegou.
Eu costuma ouvir a
Dona Mary Das Cruzes chamá-lo:
- Capa! Capa! – ele
fingia que nem ouvia.
E ela insistia:
- Capa Onça, tô
falando contigo! Tá surdo, é?
Ele balançava a cabeça
negativamente e resmungava. A rapaziada virava a cara e ria da presepada.
Doutor Capa Onça
gostava de conversar comigo e com o meu irmão Rocha Cão do Luso. Éramos
contemporâneos dos sobrinhos dele no Igarapé de Manaus. Sempre tinha razão, não
adiantava argumentar. Na mesa de bar, não havia espaço para o contraditório.
Com aquele vozeirão, ele metia medo. Bebia sozinho no balcão e não era de
papear muito com os outros frequentadores.
Um dia, apareceu um
vendedor com um carrinho de mão cheio de melancias. Doutor Capa Onça pegou uma
por uma, batendo com os dedos fechados e ouvindo o som. Escolheu a maior e mais
cara. E, para todo mundo ouvir, declarou:
- Sou nascido e criado
no interior, no meio das plantações de melancias. Conheço como a palma da minha
mão. Só na batida sei se está boa ou não. Malandragem da capital não me engana,
não!
Pagou pela melancia e
correu para deixa-la em casa. Quando voltou para reiniciar os trabalhos
etílicos, o vendedor já tinha “pego o beco”. Minutos depois, a empregada jogou
a bendita melancia na calçada, espalhando pedaços para todos os lados. Ela
gritou para o quarteirão inteiro ouvir:
- Doutor, a patroa
mandou jogar aqui, porque essa melancia está podre!
Doutor Capa Onça
soltou um palavrão e admitiu:
- “PQP”! Foi a
primeira vez na vida em que errei!
A galera não se
conteve da presepada do Doutor Capa Onça. Segundo Adri Das Cruzes, ele tinha a
cara de mau, era valentão e que gostava de discutir sobre tudo com todos. Mas,
no fundo era uma pessoa de bom coração.