Por José Rocha
Era o ano de 1963, quando o
português Armando Dias Soares (1935-2012), alugou da Prelazia do Alto Solimões, um casarão construído
no início do século vinte, situado na Rua Dez de Julho, 593, centro de Manaus,
onde foi morar com a sua esposa, a Dona Lourdes Soeiro Soares.
Na parte defronte, abriu um
pequeno negócio, conhecido naquela época como venda de “Secos & Molhados”,
tais como: conservas, azeite português, pães, jabá, bolachas, farinha, pirarucu
seco etc.
Possuía o nome de fantasia “Mercearia
Nossa Senhora de Nazaré”, uma homenagem a Maria, mãe de Jesus, pois o Armando e
sua esposa eram devotos, como a maioria dos portugueses, após uma famosa aparição
e milagre ocorridos em Portugal.
Com o passar do tempo, a
bodega começou a vender cervejas estupidamente geladas, o que lhe rendeu muita
fama na cidade, tornando um lugar muito frequentado pelos boêmios de Manaus,
forçando o Armando a transferir a sua família para outra casa na Avenida
Getúlio Vargas, pois o espaço estava pequeno para tanta gente.
O sucesso foi tão grande que
chegava a vender em torno de quatrocentas grades de cervejas por semana. Era
uma loucura, aumentando ainda mais com aquele famoso marketing do “boca-a-boca”,
inclusive, atraindo a presença dos advogados, juízes e funcionários do Tribunal
de Justiça, situado na Avenida Eduardo Ribeiro.
O Armando Soares fez uma adequação
do espaço para acomodar mais gente: afastou o balcão para dentro, onde foi
possível abrigar mais boêmios, notando que seria mais vantajoso, economicamente, parar com a venda de secos e molhados e entrar direto com a venda de cervejas,
bebidas destiladas, tira-gostos de pernil e queijo bola.
Em 1967, fui morar com a
minha família na Rua Tapajós, no Beco Paraíso, ano em que comecei a passar por
frente da mercearia. O meu saudoso pai, o luthier Rochinha era frequentador
assíduo do boteco. Certa vez, a Dona Lourdes Soeiro, falou-me:
- O
seu pai era um homem educado, bebia a sua cervejinha bem comportado e era amigo
do Armando, os dois gostavam de conversar bem baixinho, depois, pagava a sua
conta e ia embora sem perturbar ninguém, agora, você, Rochinha filho (referindo-se
ao escriba aqui) bebe e grita feito um maluco, coloca o som alto, perturbando
todo mundo, mas apesar de todos os teus defeitos eu e o Armando gostamos muito de
você!
- Merci
beaucoup – agradeci, gentilmente
- O
quê, caralho! – respondeu, babando de raiva.
Em 1987, frequentava o Bar da Sogra, da Afonso e Conceição Toscano, na esquina da Rua Huascar de Figueiredo e Avenida Joaquim Nabuco. Lembro muito bem, o Toscana mostrou-me uma Ata na qual constava o seguinte “Foi fundada no dia 17.11.87, por Celito, Afonso Toscano, Manuel e Buriti, tendo como presidente de honra o Armando, e atendendo a antigos anseios dos frequentadores do Bar Mercearia N. S. de Nazaré – popular Bar do Armando – a BICA (Banda Independente da Confraria do Armando.....
Pois bem, o Toscano pediu-me para assinar e colaborar com algumas “ampolas de cevadas” para a fundação da BICA e assim o fiz. Anos depois, tornei-me um “biqueiro”, frequentando, assiduamente, o Bar do Armando e, reconhecido pelo Anchieta, Jomar Fernandes, Manuel Batera, Deocleciano Bentes (Deco) e outros, como sendo um dos fundadores da BICA.
Juro que nem lembrava que havia assinado a Ata de Criação da Bica. Somente ao ler o livro “Bica do Armando”, do saudoso Francisco Cruz (Chicão) e do Simão Pessoa, foi possível comprovar na página 27, onde consta os nomes dos fundadores, incluído o José Rocha.
Recebi em 2003, a minha primeira “Camisa da Diretoria”, um privilégio para poucos. A última que recebi doei para o meu amigo Flávio Grillo Filho, presidente atual do Luso Sportig Club.
Em 2006, o BLOGDOROCHA nasceu dentro do Bar do Armando, ano em que fui motivado pelo "biqueiro" Rogélio Casado, a escrever num diário eletrônico, hoje, fora de moda, mas continuo escrevendo, inclusive este texto é em homenagem ao Armando, seu bar e a BICA, onde tudo começou. Gracias.
Uma das melhores homenagens ao Armando e ao seu famoso bar, foi quando no aniversário de 500 anos do descobrimento do Brasil (22 de abril de 2000), o GRES Reino Unido da Liberdade, fez uma homenagem ao Armando Soares e a BICA, com o tema “Armando Brasileiro”.
“Meu Reino/Soletrando seus versos/De braços abertos/Vejo o céu beijando o mar/Vento forte, navegando rumo à sorte/Terra à vista, enfim aportei/Pau-brasil teu nome reluz/Ilha de Vera Cruz/Um solo que espelha riquezas/Atraía a Coroa em Portugal/Girar, girei/No giro da Coroa me encantei/Minha escola é soberana/Sem igual/Quando o tema é carnaval/Pra festejar 500 anos/Nesta terra, portugueses dão as mãos/ Sou história, costumes e tradições/É o carnaval de rua/Bota a BICA pra zoar/Celestiou em teu olhar/Com Graça e louvação/Sou do Morro, sou boêmio/Salve São Sebastião.
Eu e o meu irmão Rocha Filho, fomos até o Sambódromo de Manaus. Ficamos na concentração para ouvir o “esquenta” da Bateria Furiosa da Reino Unido da Liberdade. Foi muito emocionante.
Neste ano, a Reino foi campeã e, a partir de então, virei a casaca
“Sou Reino Unido da Liberdade Até Morrer”. Olha já, mermão!
O chão de ladrilhos brancos e pretos faz parte do Bar do Armando. Alguns bares tradicionais de Manaus possuem o chão bem trabalhado pelos antigos donos, porém este é dos mais bonitos e enigmáticos. Não sou maçom, mas este chão é o igualzinho ao utilizado por eles dentro do templo maçônico.
É o “Piso Mosaico”, simbolizando que ele deve ser pisado por qualquer pessoa, independentemente da sua raça, credo ou filiação. Por ter duas cores, preto e branco, formando quadrados perfeitos, simboliza a harmonia que deve reinar ente os irmãos, o sair da noite para o dia, das trevas para a luz.
Em homenagem ao chão e aos sessenta anos do Bar do Armando, em noite de inspiração, faço a seguinte canção:
POR ESTE CHÃO
Por
este chão,
pisaram gente famosa, bacana,
pobre
e peão.
Por este chão,
muita gente derramou cerveja, quebrou copos
e
chamou palavrão.
Por este chão,
foi festejado velhos carnavais, aniversários,
futebol
e muita “bebemoração”.
Por este chão,
muitos cantaram, brigaram
e
choraram de emoção.
Por este chão,
muitos beberam e dançaram
muito
samba canção.
Por este chão,
muitos comemoraram 60 anos
de
tradição.
Por este chão,
fincou bandeira o Bar do Armando,
0 Bar do nosso coração
Por este chão...
No dia 10 de abril de 2012, os “biqueiros” ficaram órfãos, um dia triste que marcou a passagem do Armando Dias Soares, para o plano superior. Para muitos, incluindo o escriba aqui, acabou a magia e a graça do bar.
Continuei
a frequentar o Bar do Armando, participando de todos os eventos cultuais e etílicos,
além de ajudar a BICA nas apresentações até antes da Pandemia, quando aconteceu
a minha última apresentação. Valeu! Foi bom demais!
A BICA
se profissionalizou, agora é a vez dos mais jovens. O primeiro apresentador foi
o Manoel Batera, depois, peguei o microfone e mandei ver, agora, passo o bastão
para os profissionais. A vida é assim, sempre renovando!
Em
2023, o Bar do Armando faz 60 anos. Que Bom! E a BICA faz, no sábado magro de
carnaval, uma justa homenagem a fundação do Bar do Armando, com o “Sessenta na
Bica”.
Existe
uma Marchinha Oficial, composta pelo Rui Machado, Edu do Banjo e Davi Almeida,
com a voz da afinadíssima Márcia Siqueira. Muito legal.
É
mais ou menos assim:
“O Bar do Armando faz 60 anos
E a gente comemora na Bica Sessenta,
Sessenta, na Bica Sessenta sem reclamar.
Não venha, pois, pois, com mimimi
Que é aqui que você vai sessentar”
A minha homenagem ao Bar do Armando é a seguinte:
SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU
É FESTA DE SANTO, BOÊMIO
E ATEU
O BAR DO ARMANDO É PATRIMONIO
CULTURAL IMATERIAL
E A BICA COM EMOÇÃO
VAI MOSTRAR NO CARNAVAL
BOTA A BICA
PRA ZOOAR
CELESTIOU
EM TEU OLHAR
BAR DO ARMANDO
60 ANOS DE TRADIÇÃO
NÃO É PARA
QUALQUER
BOTECO, NÃO
SOU DO BAR DO ARMANDO
SOU SESSENTÃO
SOU BOÊMIO E ATEU
SOU DE SÃO SEBASTIÃO
Tantas coisas acontecem e acontecerão neste reduto boêmio, temas de milhares de reportagens e dissertações, muitas histórias e estórias e causos, que daqui a cem anos, algumas pessoas do futuro, irão postar nas mídias sociais como eram os bares tradicionais de Manaus e os carnavais de rua do final do século vinte e do inicio do vinte um.
Num futuro próximo, as mídias sociais publicarão, com certeza, noticias históricas, fotos e muito mais sobre o Bar do Armando e a BICA.
Aparecerão, no futuro, tudo isto, pois o Armando, seu Bar e a Bica fazem e farao parte da história de Manaus.
É
isso aí.
Fografias:
"A fotografia é mais do que um registro. É um bem precioso relacionado a um fato histórico. É um momento da vida que tem um significado naquele instante, mas fica para a posteridade"