Por José Rocha
Tiko nasceu, cresceu, casou,
teve filhos e netos, sempre residindo na Rua Igarapé de Manaus. Esse local
também faz parte das minhas lembranças de infância, assim como dos meus irmãos.
Ele era filho do Senhor Luiz
e tinha cinco irmãos: Carlos, Roberto, Aluísio, Ademir e Edson. Sua família era
uma das mais tradicionais da nossa rua.
Tiko era conhecido por seu
senso de humor afiado e suas piadas únicas. Nos sábados, a turma antiga se
reunia no Bar da Sogra, do Afonso Toscano & Conceição, na esquina da Rua
Huascar de Figueiredo com a Avenida Joaquim Nabuco. Ali, além de beber e jogar
conversa fora, todos se divertiam com as piadas do Tiko. Isso incluía as da
velha guarda do Igarapé de Manaus, dentre eles de meu pai, o luthier Rochinha,
um conquistador inveterado.
Seu irmão Aluísio, um
habilidoso técnico em edificações, montou um circo no quintal de sua casa,
tendo o Palhaço Tiko como atração principal. Eu e meus irmãos também
participamos desse empreendimento, sendo conhecidos como “Os Irmãos Borracha”
devido às nossas habilidades em contorcionismo.
Na minha juventude,
trabalhei na Braga & Cia, que hoje é o Supermercado DB da Eduardo Ribeiro.
Lá, tive a oportunidade de colaborar com Tiko Ramos, despachando mercadorias e
veículos.
Escrevi um livro de memórias
chamado “O Igarapé de Manaus”, onde Tiko aparece em várias passagens. Uma delas
é intitulada “Senhor Arthur”. Arthur era proprietário de um boteco que vendia
secos e molhados. Ele namorou, casou, morou e criou seus filhos nos fundos do
estabelecimento. Arthur era um verdadeiro escravo do trabalho, labutando de
domingo a domingo. Diferentemente dos concorrentes, ele não fechava o boteco
nem na hora do almoço. Quando alguém entrava, ele acordava da soneca com o
barulho do assoalho de tábuas.
Certa vez, Tiko entrou no
boteco devagar, pegou uma botija de gás vazia, levantou-a e jogou-a ao chão,
gritando:
Tem gás, Seu Arthur? –
tentando acordá-lo com muito barulho.
Não tenho, não! - respondeu
Arthur ainda meio sonolento. Tiko agradeceu, colocou a botija no ombro e “pegou
o beco”.
Dias depois, o Dr. Tiko
voltou ao boteco:
Seu Arthur, meu pai está
vendendo algumas botijas de gás. O senhor tem interesse em comprar?
Tenho sim, pois as minhas
botijas estão desaparecendo!
Não estou vendendo, não, Seu
Arthur. Vim devolvê-la, levei na brincadeira. Peço desculpas! – falando meio
sem jeito.
Um dos irmãos de Tiko, o
médico Roberto, deu a ele a oportunidade de fazer um comercial na televisão
para promover seu consultório. Tiko apareceu vestido com avental e estetoscópio
no pescoço, simulando uma consulta com um paciente e promovendo a clínica do
irmão médico. A partir de então, ele passou a ser chamado pela galera do
Igarapé de Manaus como “Doutor Tiko”.
A última vez que conversei
com Tiko foi há uns quatro anos. Ele, sempre bem-humorado, compartilhou uma
história sobre seu irmão Aluísio:
“Certa vez, Aluísio estava
dentro do Bumbódromo de Parintins, na companhia de um vizinho do Igarapé de
Manaus, quando este passou mal e foi levado às pressas para o pronto-socorro.
De lá, dava para ouvir o início do apresentador do Boi:
"Meu coração é
vermelho, hei, hei, hei. De vermelho vive o coração, ê, ô, ê, ô. Tudo é
garantido após a rosa vermelhar. Tudo é garantido após o sol vermelhecer. Um,
Dois, Três e Já!
Aluísio começou a chorar
copiosamente quando o médico falou:
Não chores, seu filho ficará
bom logo! – tentando tranquilizá-lo.
Ele não é meu filho, não!
Estou chorando por não estar dentro do Bumbódromo vendo a apresentação do meu
boi do coração!”
Segundo Tiko, certa vez fez
um pedido ao seu irmão:
Quando eu morrer, não quero
choro nem velas no meu velório, apenas fitas encarnadas gravadas com o nome do
meu boi. Não quero coroa com espinhos, apenas repique e o surdo a rufar da
minha Batucada, com toque da caixinha, para encher de alegria e fazer balançar
os presentes na minha despedida! Meu caixão deverá ficar em pé, amarrado na
parede para não cair, vestido com a camisa do Boi do Povão e um Cocar do Pajé.
Nada de café com bolacha de motor. Todos bebendo cerveja e dançando toadas de
boi, do Garantido, é claro!"
O tempo passou, e Tiko
continuou apaixonado pelo Vasco da Gama, motocicletas de altas cilindradas,
cachorros grandes de raça, pela mulher, filhos, netos e pelos amigos de
infância do Igarapé de Manaus. Hoje, aos setenta anos, partiu para o andar de
cima, deixando saudades nos corações dos amigos do Igarapé de Manaus e de sua
amada família. Que Deus o tenha ao seu lado, meu amigo Tiko Ramos.
Foto: Tiko cabeça branca sem
camisa a esquerda, com a galera do Igarapé de Manaus, brincando o carnaval.